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Sem agenda para o fim dos combustíveis fósseis, documento da COP28 causa frustração

Cientistas, ambientalistas e lideranças, especialmente de países pobres, que mais sofrem com os eventos extremos, ficaram frustrados com a indefinição de uma data para aposentar essas fontes energéticas causadoras do aquecimento global e das mudanças climáticas

Frank John/Wikimedia Commons
Frank John/Wikimedia Commons
A queima de combustíveis fósseis é a principal causa do aquecimento global que leva às mudanças climáticas

São Paulo – O texto final da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28) foi divulgado nesta quarta-feira (13). E como em edições anteriores, deixou muita frustração entre cientistas e ambientalistas, que alertam para a urgência do banimento dos combustíveis fósseis. Afinal, a queima de derivados de petróleo e do carvão é a principal causa do aquecimento global, que tem levado às alterações climáticas com fortes impactos em todo o planeta.

E feito milhares de vítimas em diversas regiões, especialmente entre os mais vulneráveis. Por essa razão, a falta de uma data para o fim do uso dos combustíveis fósseis no documento da COP28 desapontou sobretudo governos e lideranças dos países mais pobres. Eles esperavam pelo menos por algo como “eliminação gradual dos combustíveis fósseis”. No último momento, após tantas negociações influenciadas pelo poderoso lobby da indústria do petróleo, ficou como “transição para a saída” do uso de tais fontes de energia.

Passados 12 dias de debates entre representantes de 195 países, os compromissos assumidos deixaram de fora o principal: um calendário para a substituição o quanto antes, muito embora as Nações Unidas já tenham determinado 2050 como data limite para zerar essas emissões.

O chamado “Consenso dos Emirados Árabes Unidos”, texto final das negociações, porém, trouxe importantes avanços no sentido de manter a meta de aquecimento global em 1,5ºC. Entre os principais pontos, o compromisso de triplicar a geração de energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030. Sem contar a criação de fontes de financiamento climático, a exemplo do que vem sendo apontado como alternativa pela ciência.

Início do fim dos combustíveis causadores das mudanças climáticas

“Embora não tenhamos virado a página da era dos combustíveis fósseis em Dubai, este resultado é o princípio do fim. Estas conferências sobre o clima são, obviamente, um processo baseado em consenso, o que significa que todas as Partes devem concordar com cada palavra, cada vírgula, cada topo completo. Isso não é fácil”, disse Simon Still, Secretário Executivo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Clima (UNFCCC, da sigla em inglês), ao pontuar os avanços e os desafios daqui para a frente. 

O Consenso dos Emirados Árabes também estabelece que a descarbonização deve começar pelos países ricos. Isto é, eles é que devem ser os primeiros a buscar a meta de zero emissões. A sugestão foi feita pelo Brasil e acatada pelas partes.

O texto, embora comemorado, ainda carece de substância, principalmente em relação ao financiamento para transições justas. Também há certa ambiguidade sobre as fontes de energia que serão usadas nesse processo. 

“Continuaremos a trabalhar para melhorar o processo e ajudar as Partes a ir mais longe, de forma mais rápida e justa”, disse Still.

Liderado pela ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, o Brasil evidenciou a retomada de seu protagonismo internacional e foi ativo nas negociações. “Aprovamos aqui um acordo basilar, que dá concretude aos compromissos que assumimos no âmbito do Acordo de Paris. O compromisso que acabamos de assumir redireciona nossas ambições, mas também nossas responsabilidades. O nosso comprometimento em todas as suas dimensões: mitigação, adaptação e meios de implementação, alinhados a 1,5°C, são agora incontornáveis”, disse Marina Silva no encerramento oficial da conferência. 

Brasil tem de assumir a liderança e cancelar promessa de entrar na Opep

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, considerou o resultado da COP28 “forte nos sinais, mas fraco na substância”. Para ele, isso significa que o governo brasileiro tem de assumir a liderança até 2024 e lançar as bases para um acordo da COP30 em Belém que atenda às comunidades mais pobres e vulneráveis do mundo e à natureza. “Pode começar por cancelar a sua promessa de aderir à OPEP, o grupo que tentou e não conseguiu destruir esta cimeira.  Sem uma ação real, o resultado do Dubai não será celebrado entre as comunidades de todo o mundo que sofrem com eventos climáticos extremos”, disse.

Falando em COP30, o diretor executivo do WWF-Brasil, Maurício Voivodic, reforçou a necessidade de o Brasil já se engajar com outros países para, na COP30, que será em Belém, em 2025, os resultados sejam alcançados. “Isso precisa começar já, durante a presidência do G20, onde será possível reforçar o comprometimento climático das maiores economias do planeta. Porém, é preciso liderar pelo exemplo, o que significa que temos um grande desafio interno, já que parte do governo ignora a crise climática e trabalha para alinhar o Brasil ao grupo das nações responsáveis pelo quase fracasso da COP28”, disse, dando como exemplo o leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

“Uma perversa coincidência acontece no mesmo dia em que a Conferência se encerra. A ciência é clara: a eliminação dos combustíveis fósseis é urgente e necessária para mantermos o planeta em níveis saudáveis”, alertou o dirigente da WWF-Brasil.

Combustíveis fósseis no centro do debate

O diretor geral de Política Global e Financiamento para a Conservação na The Nature Conservancy, Andrew Deutz, avalia como um “passo na direção certa” o documento divulgado na COP28 nesta quarta. Ou seja, “um chamado para uma transição global que nos afaste de todos os combustíveis fósseis no texto final sinaliza que os governos estão finalmente abertos a lidar com o elefante na sala”, disse. Ele ainda ressaltou como significativo três outros compromissos que surgiram nas últimas duas semanas: o fundo para Perdas e Danos – que arrecadou quase US$ 800 milhões de dólares em promessas – e o maior reconhecimento da contribuição das florestas, oceanos e outros ecossistemas para a mitigação e adaptação às alterações climáticas.

Para Camila Jardim, especialista em Política Internacional do Greenpeace Brasil, o ganho da COP de Dubai foi ter os combustíveis fósseis no centro das discussões. “Apesar de não termos um plano claro sobre como se dará a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, o ganho real da COP28 foi colocar tais combustíveis no centro do debate, responsabilidade que nenhuma das 27 Conferências do Clima anteriores tinham assumido. Também celebramos que as partes tenham adotado a proposta dos negociadores brasileiros de se criar um conjunto de atividades para se alcançar a meta de limitar o aquecimento global em 1,5°”, disse.

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Redação: Cida de Oliveira, com O Eco


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