Boiada no Senado

Ruralistas manobram e ‘Pacote do Veneno’ vai a votação na próxima semana

Relator Acir Gurgacz (PDT-RO), que havia retirado parecer favorável e anunciado mais audiências públicas, cancelou em cima da hora, mudou parecer e agora defende projeto que é criticado até pela ONU

Arquivo/EBC
Arquivo/EBC
O Pacote do Veneno facilita o registro, produção e venda de agrotóxicos, mas dificulta a fiscalização e controle

São Paulo – A bancada dos ruralistas no Senado manobrou e conseguiram fazer avançar o Pacote do Veneno, de seu interesse. O senador Acir Gurgacz (PDT-RO) apresentou hoje (7) seu parecer favorável à proposta. Concedeu vistas coletivas e disse que a votação da matéria na Comissão de Agricultura (CRA) será na próxima semana. O anúncio causou surpresa, inclusive aos críticos do projeto, que praticamente revoga a atual Lei dos Agrotóxicos ao afrouxar as regras para o setor.

Após sua provável aprovação, ficará muito mais fácil registrar, importar, fabricar, comercializar e utilizar esses produtos nas lavouras do país. Inclusive aqueles produzidos à base de substâncias comprovadamente causadoras de vários tipos de câncer, malformações fetais e alterações endocrinológicas que causam diversos outros problemas graves. Isso porque o PL , que já foi aprovada na Câmara, vai liberar geral o uso de produtos que já foram banidos da Europa e dos Estados Unidos.

Mas o senador Gurgacz, como seus aliados ruralistas em defesa do Pacote do Veneno, não pensa assim. Para ele, o projeto que deve ser votado na CRA na próxima semana é “muito oportuno”. “Atualmente, sabe-se que o processo de registro de pesticidas é moroso devido à excessiva burocracia, sendo necessária a simplificação do registro contemplada na proposta, além da centralização das ações procedimentais de registro junto ao Ministério da Agricultura’.

O relator agora defende “a centralização no Ministério da Agricultura”, deixando de fora o Ibama e a Anvisa, conforme estabelecido na legislação atual. Mas havia solicitado audiência pública para ouvir representantes do Ministério da Agricultura e Pecuária, do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a fiscalização e análise dos agrotóxicos.

Bancada ruralista avança propostas contra o meio ambiente

Marcada para o dia 29 e divulgada na própria agenda do Senado, a audiência foi cancelada de última hora, sem explicações. No mesmo dia, a reportagem da RBA procurou a assessoria de Gurgacz, questionando as razões. Embaraçada, a assessora afirmou “não haver resposta”.

Essa audiência havia sido anunciada em uma outra, nos dias 22 e 23 de junho, realizada pelo próprio senador. Após ouvir alertas de representantes de organizações da sociedade civil e cientistas comprometidos com a vida sobre a perversidade do projeto, ele retirou seu parecer favorável ao Pacote. E adiou a decisão final.

“Os canalhas da bancada do agronegócio deram um jeito de atropelar e avançar propostas anti ambientais !! Em 10 minutos, sem que o projeto estivesse na pauta e sem debate, os senadores aprovaram mais veneno no seu prato!! O agro quer te matar!”, escreveu em seu perfil no Twitter um internauta que usa o pseudônimo de “Fiscal do Ibama”.

“É a boiada atropelando tudo. O PLdoVeneno foi inserido hoje como item extra-pauta na reunião da CRA no Senado. @acirgurgacz aproveitou a sessão esvaziada e apresentou um requerimento dele mesmo para cancelar as audiências públicas. #NãoaoPacotedoVeneno“, criticou o Observatório do Clima.

Pacote do Veneno no Pacote da Destruição

Previsto para ser votado apenas na CRA, antes de ser remetido ao Plenário, a proposta encontra forte resistência. Os senadores Eliziane Gama (Cidadania-MA), Fabiano Contarato (PT-ES), Paulo Rocha (PT-PA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Humberto Costa (PT-PE) e Jaques Wagner (PT-BA) apresentaram requerimento para que a proposição também seja analisada pelas Comissões de Meio Ambiente (CMA), Direitos Humanos (CDH), Assuntos Sociais (CAS) e Constituição e Justiça (CCJ).

Na semana das audiências públicas realizadas na comissão presidida por Gurgacz, especialistas em direitos humanos da ONU pediram ao Senado a rejeição do Pacote do Veneno. Eles destacaram estar alarmados com a exposição de pessoas de todas as idades, incluindo agricultores, trabalhadores, indígenas e camponesas a substâncias perigosas.

Na avaliação dos relatores, é “um mito que os pesticidas são necessários para alimentar o mundo e que os efeitos adversos dos pesticidas na saúde e na biodiversidade são de alguma forma um custo que a sociedade moderna tem que arcar”. O fato, para eles, os defensivos apresentam sérios riscos para a saúde humana e o meio ambiente em escala local e global.

Uma das principais bandeiras dos ruralistas apoiadores do governo de Jair Bolsonaro, o Pacote do Veneno integra o chamado Pacote da Destruição, um conjunto de propostas nocivas ao meio ambiente que tramitam no Senado. No começo de março, milhares de pessoas se uniram diante do Congresso em ato convocado por Caetano Veloso. O artista, acompanhado de outras personalidades, pediu a derrubada dessas propostas.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) afirmou que embora o agronegócio brasileiro tenha a sua importância econômica na pauta de exportações – o setor é o principal interessado na aprovação desses projetos de lei – não pode ser o único contemplado. E disse concordar que os impactos dessas propostas são graves para o meio ambiente, afirmando em público que o Senado vai analisar todas as questões “com zelo, cautela e responsabilidade”. “O Brasil não pode ser pária ambiental”, disse. A conferir.