Gestão tucana

Fraude do DAEE leva Justiça Federal a paralisar obra de barragem em SP

Para Justiça Federal, Departamento de águas e Energia não obteve outorga para barragem por meios legais. Cetesb emitiu licença de instalação, apesar da fraude

Barragem de Duas Pontes, em Amparo, foi projetada por Alckmin e virou bandeira de Doria

São Paulo – O juiz federal Gilberto Mendes Sobrinho, da 3ª Região em Bragança Paulista, determinou a suspensão da obra pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e também os efeitos do licenciamento de instalação emitido pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Iniciadas em agosto, as obras da barragem Duas Pontes, em Amparo, na região de Campinas, devem ser paralisadas a qualquer momento em função de fraude apontada pela Justiça no DAEE.

A decisão inclui a suspensão de desapropriações, autorização para supressão de vegetação, intervenção em Área e Proteção Permanente (APP) e corte de árvores nativas isoladas relativas ao eixo da barragem e áreas de apoio. Isso porque, segundo o despacho do magistrado, a duração natural do processo até o trânsito em julgado da decisão final vai sofrer danos irreversíveis. Entre eles, a perda da diversidade, que pode levar séculos para ser restaurada.

O magistrado acatou acão civil pública movida pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de São Paulo a partir de representações de moradores, movimentos sociais, ambientalistas, especialistas e da Frente Parlamentar da Energia da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Barragem em construção pelo governo Doria é alvo de ação na Justiça

Outorga ilegal é fraude no DAEE

Pesou na constatação de fraude o fato de o DAEE ter burlado a legislação para dar início às obras de interesse do governo paulista. O governo de João Doria (PSDB) alega se tratar de “reforço ao abastecimento” para evitar crise hídrica e também de geração de empregos. Para o juiz federal, o DAEE obteve outorga para uso de água de maneira ilegal, ao modificar regras para excluir a Agência Nacional de Águas (ANA) do processo. E a Cetesb, ao emitir a Licença de Instalação, chancelou a ilegalidade.

Em 24 de junho, a autarquia publicou a Portaria nº 3.280, alterando a de número 1.630/2017. Segundo a nova redação, a autarquia tem delegação da Agência Nacional de Águas (ANA) para emitir outorgas de usos, obras e serviços executados ou contratados pela própria autarquia em corpos de água de domínio do Estado ou naqueles de domínio da União. A manobra foi feita após três negativas de concessão de outorga pela agência reguladora, devido à péssima qualidade da água para consumo que o DAEE quer represar. Nesse processo, o órgão federal chegou a pedir a apresentação de alternativas de despoluição ao empreendedor. Mas nenhuma delas foi considerada suficiente e eficaz.

Para a Justiça, há farta legislação que determina que cabe à ANA, por meio de Diretoria Colegiada, decisão de outorga para a finalidade de barramento para rios da União. Como é o caso do Camanducaia, que nasce em Minas Gerais. “Assim, é excluída a possibilidade de o órgão delegatário decidir isoladamente sobre o ato de outorga para barramento”, diz o despacho.

DAEE alega competência

Mas o DAEE insiste no contrário. Em nota à RBA, afirma que a ANA (Agência Nacional das Águas) delegou à autarquia paulista a competência para emitir a outorga de uso de recursos hídricos de domínio da União no âmbito das Bacias Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), conforme Resolução Nº 429, de 4 de agosto de 2004, alterada pela Resolução nº 1.255, de 14 de outubro de 2014. 

Afirma ainda que no caso da barragem de Duas Pontes, o DAEE, como empreendedor, é dispensado de obter outorga de direito de uso, segundo a sua própria Portaria de nº 3.280. E que foram cumpridas todas as exigências previstas no licenciamento ambiental prévio. Além disso, recebeu da Cetesb em 10 de junho passado Licença Ambiental de Instalação.

Procurada para comentar o caso, a Cetesb afirmou, por meio de nota enviada à reportagem, que se manifestará no prazo legal “assim que o seja”. 

Riscos

Vice-coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa do Setor de Energia, Barragens, Saneamento Básico e Recursos Hídricos, a Frente da Energia da Assembleia Legislativa paulista, a deputada Márcia Lia (PT) comemorou a decisão, à qual cabe recurso. “A Justiça federal entendeu todos os riscos que essa obra oferece tanto ao meio ambiente quanto à população do entorno. Temos debatido os riscos dessa obra e de outras, como a barragem em Pedreira, e a conclusão é de que elas não se justificam enquanto soluções para a crise hídrica e ainda colocam vidas humanas, a fauna e a flora sob perigo constante”.

Segundo Márcia Lia, seu mandato está envolvido nesse debate com os movimentos sociais populares e especialistas em recursos hídricos e meio ambiente. O objetivo é a paralisação definitiva da obra pelos danos ambientais e riscos à população. Por meio da Frente de Energia, ela protocolou representação no Ministério Público pela suspensão da construção da barragem de Pedreira, no rio Jaguari.

NÃO A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM NA CIDADE DE PEDREIRA-SP #BarragemNÃO
Barragem de Pedreira está a 1200 metros do centro (Foto: Movimento Barragem Não)

Suspeitas em Pedreira

A manobra ilegal do DAEE em Amparo levantou suspeitas de ilegalidades envolvendo também a barragem em obras desde 2018 no rio Jaguari, entre os municípios de Pedreira e Campinas. “Se eles burlaram a lei na barragem de Duas Pontes, quem garante que na Barragem de Pedreira não fizeram o mesmo?”, questiona o ambientalista Paschoal Loner. “A Justiça deveria processar criminalmente o governador e os técnicos do DAEE e da Cetesb por burlar a lei (fraude). E as multas diárias deveriam sair do bolso deles, pois é fácil pagar as multas com o dinheiro público”.

As duas barragens com indícios de fraude do DAEE fazem parte de um mesmo projeto lançado pelo então governador Geraldo Alckmin em 2014. Ambas estão sendo construídas pelo consórcio BP, formado pela OAS e Cetenco, e tiveram o estudo de impacto ambiental (EIA) realizado pela mesma empresa. Em agosto de 2016, o então presidente do Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo Ricardo Salles, pressionou a aprovação do EIA. Isso apesar das graves falhas e omissões do projetos. Salles era o secretário estadual do Meio Ambiente.

Entre elas, não levar em consideração um laudo da Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Campinas, que apresenta o alto risco – 27 em uma escala de 0 a 30 – da barragem de Pedreira, que está sendo construída em um terreno de instabilidade de rochas, que pode se movimentar devido à pressão da própria barragem e também pelo reservatório de 3 bilhões de litros de água. O maciço está sendo erguido a 1.200 metros do centro da cidade.

Porteiras abertas

“Estamos na luta contra as barragens desde 2014 e já presenciamos muitos absurdos do governo do estado de São Paulo. O PSDB vem passando por cima das leis desde que entrou no poder. Por interesses criam outras leis, cancelando a anterior. É o caso da barragem de Pedreira. Existia uma lei que protegia a Área de Proteção Ambiental Campinas. Mas, com a desculpa de a obra ser de interesse público, mudam a lei para poderem aprovar a barragem. Então não precisa ter lei… O PSDB, que tem como cria o ministro do Meio Ambiente que abre as porteiras para acabar com as leis de proteção ambiental, tem que entender que após a inclusão social nas redes sociais o povo não é mais bobo”, diz o ambientalista.

No discurso de Alckmin e de Doria para justificarem as duas barragens, os seus reservatórios devem beneficiar mais de cinco milhões de pessoas em 23 municípios da Bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Entre eles, os municípios de Amparo e Pedreira. No entanto, nenhum dos dois projetos prevê a construção de adutoras para distribuição da água armazenada a essas cidades.

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