Efeito Brumadinho

Construção de barragem provoca medo em moradores de Pedreira, interior de SP

Na cidade da região de Campinas, um dique de 600 metros de extensão e 50 metros de altura ficará a 800 metros do bairro Ricci e a menos de dois quilômetros do centro da cidade

Reprodução

Riscos e destruição ambiental: Moradores de Pedreira, Campinas, Amparo e Jaguariúna em mais uma atividade contra a construção de duas grandes barragens na região

Pedreira (SP) – O rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho, em 25 de janeiro – até esta quarta (13) eram 165 pessoas mortas e outras 74, desaparecidas –, aumentou ainda mais o medo e indignação dos moradores de municípios da região de Campinas, no interior de São Paulo. Desde março do ano passado, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), vinculado ao governo estadual, está construindo duas barragens na região: a Pedreira, no rio Jaguari, que ocupa áreas das cidades de Pedreira e Campinas; e a Duas Pontes, em Amparo, no rio Camanducaia. 

No último dia 5, o prefeito de Pedreira, Hamilton Bernardes Júnior (PSB), assinou decreto de embargo da obra até que o governo estadual apresente um plano de ação para o caso de emergência devido a problemas na barragem. Mesmo assim, mais de 200 manifestantes vindos de Campinas, Jaguariúna e Amparo se reuniram no sábado (9) na região central do município, para uma caminhada de protesto.

A passeata seguiu até a entrada da fazenda Ingatuba, uma antiga propriedade que já sediou lavouras de café, e é hoje o canteiro de obras do consórcio BP, formado pela OAS Engenharia e Construção e Cetenco Engenharia, responsáveis pela construção das duas barragens. A fazenda deverá ficar submersa daqui a cinco anos, tempo previsto para a conclusão do projeto e enchimento da represa.

De acordo com o Daee, será utilizada a técnica de compactação de terra para erguer a estrutura que bloqueia o rio para formação do reservatório em Amparo e em Pedreira. Será construído em concreto apenas o vertedouro, estrutura por onde o excesso de água acumulada é extravasado.

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Montagem do projeto de barragem sobre imagem área da cidade mostra a proximidade entre o dique de 52 metros de altura e a cidade de Pedreira

Esse detalhe técnico que pode passar despercebido tem maior efeito sobre a cidade de Pedreira. Com 52 metros de altura e 600 metros de extensão, a barragem será erguida a 800 metros do bairro Santa Rita, mais conhecido como Ricci, e estará a menos de dois quilômetros do centro da cidade. Classificada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente como de alto risco, em caso de ruptura – um risco inerente a esse tipo de construção – causará impactos imprevisíveis sobre Pedreira e parte de Jaguariúna em poucos segundos – um tsunami que apavora os moradores.

Pavor

“Estou apavorada, com medo. Além disso, perdi o sossego. Mal consigo dormir à noite, com tanto caminhão pesado passando na rua, transportando imensas máquinas para o canteiro de obras”, afirma a aposentada Neide Anghinone, 65 anos, moradora do Ricci. Nascida e criada no município, onde também criou seus filhos e agora ajuda a criar os netos, ela teme pela segurança de todos. “A gente sabe que o risco existe. Vivemos em pânico desde 2015, quando a barragem de Mariana ruiu, um ano após o anúncio de construção desta represa.”

Apesar de ter construído toda sua vida em Pedreira, de onde nunca pensou em se mudar, dona Neide passou a pensar diferente. E já não descarta a possibilidade de deixar sua casa se as obras da barragem forem retomadas. “O medo é tanto que já começo a pensar em me mudar daqui, deixar esta casa. Uma barragem de 52 metros de altura vai modificar a paisagem e desvalorizar nossos imóveis. Quem vai querer morar aqui?”

Jailton Garcia/RBABarragem de Pedreira moradores
A aposentada Neide Anghinone pensa em se mudar da cidade caso a barragem seja construída

Segundo ela, depois que a barragem de Brumadinho ruiu e as manifestações se intensificaram em Pedreira, os moradores foram visitados por agentes a serviço do consórcio.

Além de mostrarem que as construtoras querem se aproximar da população, anunciaram a visita, para os próximos dias, de engenheiros que farão registros das condições em que estão as casas do bairro. “Disseram que isso é para o caso de indenização por danos, como rachaduras nas paredes, por exemplo”.

O medo do rompimento da barragem não é justificado apenas pela técnica que será empregada pelas construtoras. Há ainda a desconfiança de que venham a ser usados materiais de baixa qualidade para reduzir os custos.

Ela relata que um dos seus familiares, que fornecia marmitas para os trabalhadores do canteiro de obras do consórcio BP, perdeu o cliente. “Foram em busca de um fornecedor que vendesse ainda mais barato. Se querem economizar com a alimentação dos trabalhadores, é muito provável que queiram economizar na compra de materiais também”, diz Neide.

Futuras gerações

Morador do Ricci, o aposentado Laurindo Camillo, 83 anos, também questiona a construção da barragem em Pedreira. “Eu até aceitaria, desde que fosse para geração de energia, construída nos moldes dessas grandes barragens, com estruturas de concreto. Mas do jeito que estão falando que vai ser construída, a gente fica muito preocupado”, diz.

Jailton Garcia/RBABarragem Pedreira moradores
Laurindo Camillo: ‘pelo que está sendo falado, barragem não oferece segurança. Preocupação não é comigo, mas com as futuras gerações’

O temor de Laurindo é que seus descendentes venham a ter o mesmo destino das pessoas engolidas pela lama de rejeitos da Vale. 

“Não tenho medo por mim, por que não deverei estar aqui quando a represa estiver pronta e cheia, daqui a alguns anos. E sim pelos filhos, netos, bisnetos e outros que virão”.

Sua companheira, Tereza Chinaglia, 85 anos, faz questão de manifestar sua opinião sobre a obra, que considera desnecessária. E não esconde a indignação quanto à barragem que tem entre outras justificativas a redução dos impactos de uma crise hídrica, como a de 2013, em diversos municípios paulistas.

“Tem tanto rio por aí. Por que cada um não tira água do seu próprio rio, em vez de vir tirar água do nosso?” questiona a aposentada, referindo-se ao Jaguari, que corta Pedreira. Para ela, não é correto que os moradores tenham de conviver com os riscos de uma barragem perto do quintal sem que usufruam dos benefícios. “E a maioria da água vai ser usada na refinaria de Paulínia”.

Jailton Garcia/RBABarragem de Pedreira moradores
Dona Tereza rejeita o projeto que coloca população de Pedreira em risco sem receber qualquer benefício

Estudos

De acordo com o Daee, os reservatórios formados pelas duas barragens têm o objetivo de estocar água durante a época de chuvas para regularizar a vazão do rio Jaguari, fundamental para abastecer os municípios da região.

E os estudos que levaram aos projetos foram realizados pela Petrobras, por meio da Refinaria de Paulínia (Replan), como contrapartida para o aumento de vazão outorgado para permitir sua ampliação e modernização.

A preocupação, porém, vai além da redução da vazão do rio com o desvio da maior parte da água para a represa que será formada. Assim como dona Neide, dona Tereza está preocupada com a segurança da obra. “Estamos com medo, por que não somos informados de nada. Como vamos ter a confiança de que será usado tudo de primeira qualidade?”, questiona, referindo-se à tecnologia e materiais que deverão ser utilizados.

De acordo com o Relatório de Impacto Ambiental, as barragens atendem à  ampliação da oferta de água e dos sistemas de abastecimento de diversos municípios da região, considerados vulneráveis quanto à quantidade de água disponível. 

O Daee acatou a decisão do prefeito de Pedreira e suspendeu as obras. Afirmou ainda que melhorou a comunicação com a população local e alega que a obra segue todos os requisitos estabelecidos pela legislação do setor.

 

 

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