Marco global

COP15: movimentos pedem compromisso do Brasil com a preservação da biodiversidade 

Mais de 100 entidades e movimentos populares propõem à representação brasileira assumir compromisso com ações contra o desmatamento, o garimpo ilegal, a privatização das unidades de conservação e pela reconstrução e fortalecimento dos órgãos de fiscalização

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Os movimentos reivindicam a retomada do protagonismo em ações em prol da biodiversidade, o que inclui os povos originários e tradicionais

São Paulo – Movimentos e entidades de defesa do meio ambiente reivindicam à representação brasileira na 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15) o compromisso com a preservação da biodiversidade. Para isso, querem ações de enfrentamento do desmatamento e do garimpo ilegal e à privatização das unidades de conservação. E de reconstrução e fortalecimento dos órgãos de fiscalização para o respeito aos povos.

Ao todo, são mais de 100 organizações e movimentos da sociedade civil que assinam a carta de posicionamento. Trata-se de conjunto com recomendações para a participação brasileira nesta conferência que começou ontem (7) e termina dia 19 em Montreal, Canadá.

O evento reúne os países signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). O tratado da Organização das Nações Unidas e um dos mais importantes instrumentos internacionais do meio ambiente. Seu objetivo é estabelecer novos compromissos com a conservação e o uso sustentável da biodiversidade na próxima década. Além de líderes mundiais, participam da conferência pesquisadores, organizações sociais e representantes de povos tradicionais de várias partes do mundo. 

A carta de posicionamento resulta da articulação de propostas camponeses, agricultores familiares, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, e comunidades quilombolas. Além de cientistas populares, movimentos sociais e sindicais e coletivos urbanos. 

Denúncia de retrocessos ambientais no Brasil

Foi elaborada no âmbito do Grupo de Trabalho de Biodiversidade (GT Bio) da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). E tem como objetivos denunciar políticas e processos em curso no Brasil. Políticas essas que afetam os territórios tradicionais e a biodiversidade. E também apresentar recomendações da sociedade civil, em prol de um país social e ambientalmente justo.

“Os absurdos que a gente tem visto aqui são gigantes, e a gente não pode fazer intervenções, apenas os estados-parte. O Brasil tem feito posicionamentos arbitrários, horríveis, e a gente não pode fazer nenhuma intervenção, por hora”, disse Cristiane Pankararu, integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do GT Bio da ANA. A liderança está em Montreal com parte da delegação da sociedade civil brasileira.

“O que tenho percebido é que, quem está no comando, podendo dar suas opiniões e sugestões, está fazendo tudo arbitrariamente. Os povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e outras organizações de base não foram ouvidos”, acrescentou. 

Quem decide políticas desconhece ataques à biodiversidade

Cristiane ressaltou a importância da manifestação da sociedade civil brasileira na COP15. Em especial quando é crescente pressão de atividades ilícitas sobre terras indígenas, unidades de conservação e a biodiversidade. “A carta foi feita a muitas mãos e traz os anseios dos coletivos sociais, com todos os pontos sendo construídos a partir dos movimentos de base, tentando inclusive dialogar com outros países.”

“Quem está decidindo demonstra total desconhecimento de quem são esses coletivos porque fazem sugestões abusivas, colonialistas, tutelares e que nos segregam cada vez mais. É um conjunto de ideias que faz com que nós tenhamos a obrigação de ceder os nossos saberes tradicionais, tanto na gestão dos espaços como os saberes que alimentem a indústria farmacêutica, de perfumaria, cosméticos e outras”, afirmou.

Esta será a primeira vez que o Brasil pode votar nos debates do Protocolo de Nagóia porque ratificou este instrumento em 2021. Segundo a coordenadora do Programa Iguaçu da Organização Terra de Direitos e integrante do GT Bio da ANA, Naiara Bittencourt, esta edição da COP é muito importante.

“Nela haverá a reavaliação das metas da década da biodiversidade, as chamadas Metas de Aichi, que foram consideradas fracassadas. Por isso, as discussões estão acirradas sobre estipulação de novas ações e como vão ser implementadas pelos países”, disse.

Biodiversidade e direitos de comunidades tradicionais

E também porque os olhos do mundo estão sobre o Brasil. “A delegação oficial brasileira ainda responde à gestão de Jair Bolsonaro, mas os olhos mundiais estão atentos ao governo de transição. Por isso é fundamental que a sociedade fique alerta a esta agenda e cobre que o Brasil tenha uma posição de proteção da sociobiodiversidade e dos direitos de povos e comunidades tradicionais”, disse Naiara.

Nesta edição da conferência sobre biodiversidade devem ser definidas metas para a próxima década para a conservação, proteção, restauração e gestão sustentável da biodiversidade do mundo. Um desafio e tanto, já que as metas anteriores fracassaram. Para complicar, o debate e metas também se debruçam sobre o cumprimento de dois protocolos sobre temas correlatos: o de Cartagena, sobre biossegurança, e o de Nagoya. Este trata da repartição dos benefícios do uso da biodiversidade.

As organizações e movimentos sociais também reivindicam a retomada do protagonismo brasileiro na COP15. E defendem a participação dos povos, nas negociações internacionais sobre a pauta e na adoção de medidas de proteção e preservação da biodiversidade. 

“O Brasil deve voltar a ter protagonismo, como país megadiverso, na promoção de iniciativas que promovam a diversidade biológica, os sistemas agrícolas tradicionais e o uso e manejo destes recursos aliados ao conhecimento e à cultura dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares. Essa retomada deve afastar a privatização de bens comuns e as iniciativas do capitalismo verde e financeirização da natureza, pois só acumulam capital e excluem os povos das florestas, das águas e do campo”, diz trecho da carta. 

A carta da sociedade civil brasileira para a COP15 da biodiversidade está disponível em português, inglês e espanhol.

Redação: Cida de Oliveira