conflitos no campo

Com Bolsonaro, fogo vira arma de ruralistas contra camponeses e indígenas

Sob o atual governo, as queimadas cresceram na região de expansão da fronteira agrícola do agronegócio, atingindo principalmente comunidades tradicionais

Divulgação MST GO
Divulgação MST GO
Incêndio destruiu tudo em uma área ocupada por famílias sem terra em Formosa (GO), em setembro

São Paulo – Desde que Jair Bolsonaro (PL) chegou ao poder, em 2019, o fogo criminoso tem sido usado por ruralistas para expulsar camponeses e indígenas. Em 2021, foram registrados 142 conflitos envolvendo o incêndios criminosos em 132 comunidades em todo o país, atingindo 37.596 famílias, conforme levantamento de pesquisadores da terceira etapa do Dossiê Agro é Fogo, lançado este mês. O documento traz relato de casos e sistematização de artigos que demonstram essa estratégia para a expulsão de comunidades tradicionais de seus territórios, ampliando assim as principais fronteiras do agronegócio pelo país.

Segundo o dossiê, naquele ano os estados com maior número de conflitos por fogo foram Mato Grosso do Sul (26 ocorrências), Mato Grosso (22), Bahia (14) e Rondônia (10). Juntos, concentram metade (50,7%) das ocorrências. Mato Grosso chegou a registrar mais de 7,4 mil quilômetros quadrados de incêndios, o equivalente à cidade de São Paulo.

As principais vítimas são os povos indígenas. Em Mato Grosso, das 10 áreas protegidas mais desmatadas entre agosto de 2020 e julho de 2021, seis pertencem ao povo Xavante. Além destes, ribeirinhos, comunidades quilombolas, camponesas e famílias sem-terra também são afetados.

A maior parte dos conflitos causados por aliados de Bolsonaro envolvendo fogo no Brasil (54%) está localizada no Cerrado. Na Amazônia Legal, que envolve nove estados do Brasil localizados na bacia Amazônica, 44% das comunidades sofreram com conflitos causados por incêndios criminosos.

Com governo aliado, ruralistas batem recorde de destruição

O desmatamento no país destruiu cerca de 42 mil quilômetros quadrados de matas nativas, entre 2019 e 2021, os três primeiros anos do governo Bolsonaro. A área, correspondente ao estado do Rio de Janeiro, reflete um desastre ambiental sem precedentes, conforme o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil, divulgado pelo Projeto MapBiomas.

O documento mostra também que no ano passado o desmate foi 20% maior que no ano anterior, indicando que o atual governo bateu recorde sobre recorde de destruição. A partir do levantamento foi possível constatar que a agropecuária foi responsável por 97% do desmatamento no país. Isso causa destruição não somente ambiental, mas que recai sobre a vida dos povos que vivem nessas regiões.

Além disso, o orçamento secreto nas mãos de ruralistas contribui para o crescimento de queimadas. Em 2021, o total de gastos com emendas destinadas ao orçamento secreto (R$ 10,79 bilhões) alcançou mais de quatro vezes os valores destinados ao meio ambiente.

“O descontrole das queimadas e do desmatamento é expressão do desmonte da política de fiscalização ambiental do atual governo, sendo esse desmonte do orçamento uma peça importante, mas não única”, diz Alessandra Cardoso em artigo publicado no Dossiê. Segundo ela, o controle da máquina orçamentária por grupos que querem destruir o meio ambiente é fundamental para tornar a violência contra as comunidades tradicionais algo sistemático.

Sem-terra são alvos de aliados de Bolsonaro

Casos de incêndio em áreas ocupadas por famílias sem-terra foram registrados recentemente em Goiás, Tocantins, Bahia e Rio de Janeiro. Em agosto, um incêndio destruiu casas, plantações, sistemas de irrigação e a rede elétrica no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira, localizado em Macaé (RJ). Mais de 60 famílias vivem no local, ocupando uma área de mais de 1,6 mil hectares. O local ficou destruído pelas chamas, que se alastraram rapidamente devido à seca e aos fortes ventos na região.

Não se sabe ao certo a origem do fogo, investigações seguem em curso. Porém, as famílias denunciam que o retardo dos bombeiros em atender as famílias durante o incêndio ampliou os estragos de sua destruição.

Ao mesmo tempo em que denunciam a falta de infraestrutura das estradas que facilitam acesso ao local, agregado a delonga da construção de casas de alvenaria previstas no projeto de desenvolvimento da área, foram agravantes de risco e destruição, já que o fogo sob os barracos minaram as chances de salvaguarda das moradias.

Estratégia definida

Em 12 de setembro, as 280 famílias do acampamento Dom Tomás Balduíno, em Formosa (GO), foram vítimas de um incêndio que atingiu suas casas, quintais produtivos, roçados e até a barraca de uma igreja evangélica da comunidade. De acordo com as famílias, o ataque está ligado a fazendeiros da região, que estão insatisfeitos com a presença delas na área.

Segundo relatos, trata-se de uma estratégia de ação bem definida. Primeiro, os fazendeiros fazem a derrubada das árvores maiores, de modo a formar montes de vegetação. Estes montes, chamados de “lerões”, são queimados em seguida, dando origem aos incêndios.

No início de outubro, o acampamento Clodomir Santos de Morais, em Ipueiras (TO), foi atacado com fogo. Plantações das famílias agricultoras foram destruídas, assim como parte da vegetação nativa. Foi a segunda vez que o acampamento foi incendiado em menos de um mês. O outro ocorreu em 21 de setembro.

No último dia 12, mais de 20 pistoleiros atacaram o acampamento Antônio Maeiro, na Chapada Diamantina (BA). Pistoleiros atearam fogo nas plantações e barracos, forçando as famílias a sair de suas casas. O acampamento é referência na produção de alimentos sem veneno e as plantações foram todas dizimadas pelo ataque. As famílias foram agredidas e ameaçadas, tendo de se refugiar na mata em torno do acampamento para não serem alvejadas.


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