Desenvolvimento em foco

Motor híbrido a etanol: o desenvolvimento produtivo no Brasil

Devemos apostar numa estratégia de desenvolvimento a partir de uma matriz energética brasileira, com a sustentabilidade ambiental, social e econômica

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Representantes dos metalúrgicos e da Volks durante visita a produção de etanol em Piracicaba, no ano passado: “Se não discutirmos a transição no setor automotivo, no futuro não teremos indústrias e empregos na cadeia de produção a combustão nem em novos propulsores”, alertou Wellington Damaceno.

O presente artigo aborda o tema das mudanças na propulsão veicular, com especial destaque para a expansão da eletromobilidade, bem como desafios e oportunidades para a urgente formulação de uma política nacional relativa ao tema no Brasil. Em especial, postulamos pela solução híbrida que combina propulsão elétrica com a rota tecnológica do etanol, que nos conduziu anteriormente aos motores flex e se apresenta como uma configuração adequada ao contexto brasileiro, com potencial de adoção também em outros países relevantes no mercado automotivo. Este material é uma síntese da nota técnica publicada na 21ª Carta de Conjuntura do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo, Inovação e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs), disponível aqui.

O setor automotivo brasileiro possui expressiva cadeia produtiva, tanto do ponto de vista da geração de empregos, quanto do impacto econômico e nas atividades de pesquisa, desenvolvimento, engenharia e inovação. Em números, são 1,2 milhão de empregos diretos e indiretos (2020), cerca de 2,5% do PIB nacional (2019), geração de R$ 62,5 bilhões em tributos (2020), com exportação de R$ 38,5 bilhões (2021), além de R$ 2,8 bilhões em investimentos em pesquisa e desenvolvimento (2016/19), com 27 montadoras produzindo no país — o 9º maior produtor mundial de veículos e o 7º mercado consumidor (2021).

Tais números evidenciam a importância e a preocupação com uma mudança disruptiva neste setor, que sem o devido debate com a sociedade pode impactar em toda a nossa estrutura econômica e social. Não considerar o país nas estratégias e soluções para a redução de emissões dos veículos, decreta a gradativa diminuição da produção, vindo a reduzir cada vez mais nossa importância como player no cenário mundial. Ao passo que nos tornaremos dependentes da importação de produtos que temos totais condições de fabricar no Brasil.

A defesa da sustentabilidade deve levar em conta a defesa e preservação do meio ambiente, a cultura de não poluição e novas práticas sociais.

Também são necessárias políticas públicas sobre objetivos e metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa e normas para a comercialização de produtos cada vez mais eficientes e menos poluentes. Dito isso, a sustentabilidade também deve ser do ponto de vista social e estrutural. Isso não pode implicar na desestruturação do tecido industrial e sua substituição por importação. É possível atingir metas de preservação e recuperação do meio ambiente com desenvolvimento de soluções brasileiras, mantendo a capacidade produtiva e incentivando a reconversão industrial para atendimento das novas demandas e necessidades.

A solução do etanol como instrumento de redução das emissões de poluentes e cumprimento dos compromissos assumidos com a agenda de enfrentamento da mudança climática faz todo sentido. Segundo dados da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, se compararmos um veículo com motor três cilindros movido a etanol com um motor elétrico puro, abastecido com eletricidade gerada a partir de fontes como as usinas termoelétricas, o primeiro já tem um nível de emissões menor, se levamos em conta o cálculo do poço à roda, que considera o nível de emissões desde a geração da energia propulsora até a emissão pelo veículo. Se levarmos em conta um veículo híbrido-etanol essa vantagem se torna maior, já que nestas condições o nível de emissões deste estaria em 14 gramas de CO2/Km, enquanto um veículo elétrico puro poderia chegar a 82 gramas de CO2/Km.

Além das melhorias que o motor convencional pode receber com o intuito de reduzir seus níveis de emissão e avançar na eficiência energética, o desenvolvimento da tecnologia híbrido-flex amplia as oportunidades da pesquisa e desenvolvimento nacional, já que agrega tecnologias conhecidas à própria evolução dos motores elétricos e baterias, podendo levar em consideração as vantagens competitivas locais.

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Quanto a cadeia produtiva, sobretudo de autopeças para o Powertrain, estes setores podem ser muito afetados a depender da transição pela qual passaremos. Somente se compararmos o trem de força de um veículo a combustão interna com o veículo elétrico, estima-se que este tenha cerca de 60% (segundo dados do DIEESE, subseção Metalúrgicos ABC) a menos em componentes. Esse dado já é extremamente preocupante, mas pode ser ainda mais crítico, pois parte considerável dos novos componentes tecnológicos não é fabricada no Brasil.

Em termos de distribuição e abastecimento, sobretudo num País com as dimensões continentais como o nosso, o veículo híbrido-etanol oferece a vantagem de utilizar a mesma estrutura de postos de serviço existentes. Dessa forma, enquanto cresce a oferta e disponibilidade de locais para abastecimento elétrico juntamente com a evolução no tempo necessário para carga e a consolidação de uma indústria para a produção desses equipamentos no País, avançamos num modelo combinado de tecnologias, utilizando a eletrificação sem dependência de uma fonte externa acoplado à utilização de um combustível menos poluente.

As associações e empresas do setor sucroenergético estão levando a tecnologia dos motores a etanol para outros Países. Mesmo fazendo parte do cotidiano do brasileiro há mais de quatro décadas, o etanol nunca ganhou protagonismo em outros Países como fonte alternativa para propulsão veicular, se limitando a compor a mistura na gasolina

Etanol e energia

Essas entidades têm procurado exportar a tecnologia veicular, os produtos, além de incentivar o cultivo da cana-de-açúcar e a tecnologia para produção do etanol nestes países. Porém, devemos estabelecer compromissos que assegurem que não haverá aumento nas áreas de cultivo da cana-de-açúcar, sobretudo àquelas voltadas a produção de alimentos e agricultura familiar. E ainda, que teremos assegurados os volumes do combustível, sobretudo com o aumento da demanda, em face da popularização destas iniciativas de propulsão veicular combinadas com o etanol. Esse último tem relação direta com a produção e comercialização do açúcar e não poderíamos ficar reféns da flutuação dos preços de mercado, para se garantir que esta política seja eficiente.

Em termos de desenvolvimento tecnológico e transição para a eletrificação, há ainda a possibilidade de utilizar o etanol para a geração de energia elétrica a partir do desenvolvimento de veículos movidos a célula de combustível a etanol. Neste caso, há a vantagem de uma bateria menor, já que esta seria constantemente recarregada pelo etanol no tanque do carro, e a facilidade em abastecer o veículo, como os tradicionais à combustão.

Oportunidade

Temos uma oportunidade valiosa de desenvolvimento tecnológico nacional, redução da necessidade de importação e possibilidades de exportação intelectual e industrial, além da preservação e ampliação dos empregos e do tecido produtivo. Para tanto, são necessárias políticas públicas com amplo debate com a sociedade e elaborada no sistema multi-hélice. É urgente indicar prioridades como a preservação do meio ambiente, a geração de emprego e renda, programas de qualificação profissional, incentivo à pesquisa, desenvolvimento e inovação, além de programas de reconversão industrial.

O Brasil não deve excluir nenhuma tecnologia disponível para a propulsão veicular e deve conviver com todas elas. Entretanto, este artigo visa a demonstrar que podemos apostar numa estratégia de desenvolvimento a partir de uma matriz energética brasileira, com potencial positivo nos empregos e na melhoria da remuneração dos trabalhadores, do aproveitamento da capacidade instalada para produção dos veículos e componentes, do fortalecimento da cadeia de fornecedores locais e reconversão de empresas e investimentos em ciência e tecnologia. Precisamos garantir que o Brasil possa avançar no compromisso com a sustentabilidade ambiental, social e econômica.


Wellington Messias Damasceno é diretor de políticas industriais do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, trabalhador na Volkswagen (SBC), advogado e pós-graduado em Direito e Relações do Trabalho. Pesquisador voluntário do Observatório Conjuscs.

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