Cinema nacional

Filme debate os limites entre sanidade metal e loucura

Documentário de Fernanda Fontes Vareille, 'A Loucura Entre Nós' acompanha o dia a dia de usuários do hospital psiquiátrico Juliano Moreira e da ONG Criamundo (BA) para discutir 'o que é ser normal'

Gabriel Teixeira/Divulgação

Os personagens do filme se refletem sobre como a sociedade olha para a pessoa em estado de sofrimento mental

Quais são as fronteiras entre o que é considerado normal e o que é visto como loucura? O documentário A Loucura Entre Nós, de Fernanda Fontes Vareille, acompanha usuários do hospital psiquiátrico Juliano Moreira e da ONG Criamundo em seus caminhos na tentativa de resgatar conexões sociais. O longa-metragem de 76 minutos estreou quinta-feira (4) em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, seguindo agora para mais dez cidades: Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Niterói, Porto Alegre, Recife e São Luís.

O filme foi livremente inspirado no livro homônimo do médico psiquiatra Marcelo Veras, sobre sua experiência à frente do Hospital Juliano Moreira e sobre a organização não governamental (ONG) Criamundo, que trabalha pela inclusão social e econômica de pessoas provenientes do sistema público de saúde mental na Bahia. Não se trata, porém, de uma obra sobre a instituição psiquiátrica, mas sim sobre pessoas em estado de sofrimento mental que se questionam sobre as barreiras que as separam do que é considerado “normal”.

Elisângela e Leonor

Durante quatro anos, a equipe do filme – composta de apenas quatro pessoas – acompanhou o dia a dia de internos e funcionários da instituição baiana, penetrando as galerias e, em especial, na vida de duas mulheres de realidades sociais bem diferentes. Leonor e Elisângela são os personagens-chave do filme, que abrem ao público as portas de suas subjetividades, seus questionamentos acerca da loucura e momentos de crise e de lucidez profundas.

“Eu nasci no dia em que a Igreja Católica convencionou ser o dia do nascimento de Jesus Cristo, 25 de dezembro. Até nisso eu tinha sentimento de culpa de ter nascido no dia 25 de dezembro, de tão baixa que é a minha autoestima. Agora não, minha autoestima está em cima: eu não sou Jesus Cristo. Atenção, galera! Eu sou uma mulher, eu não sou Jesus Cristo e não vou me crucificar. Eu já fui crucificada inúmeras vezes, por mim mesma e pelos outros”, declara Leonor na oficina de artesanato do Criamundo.

Hospital Juliano MoreiraTanto Leonor quanto Elisângela se questionam o tempo todo sobre suas “loucuras”, sobre como a sociedade olha para a pessoa em estado de sofrimento mental e os preconceitos que, assim como as grades, separam os que são considerados diferentes. Em uma das cenas mais intensas do filme, Elisângela, em surto, se desespera ao dizer que tudo o que ela quer é trabalhar e ter dignidade.

“O filme é sobre a linha tênue que existe entre a loucura e a normalidade. E o Criamundo foi um excelente ponto de partida para acharmos isso. Porque são pessoas que tiveram histórico de internamento no hospital psiquiátrico, mas hoje em dia estão na tentativa de se integrar ao mercado de trabalho. Alguns deles conseguiram se integrar no mercado de trabalho formal. O meu documentário não é sobre a loucura e os conceitos que envolvem a loucura. É muito mais sobre aqueles seres humanos que estão ali naquele hospital, com aquelas histórias que eu conto, aqueles encontros durante aquele período de quatro anos”, afirma a diretora do filme.

Ao mesmo tempo que o longa lança um olhar delicado e sensível sobre o assunto, em alguns momentos ele expõe (aparentemente) sem necessidade pacientes e seus familiares. É o caso da mãe de Elisângela que, completamente sem graça, se deixa filmar logo após ter internado a filha, e também quando a família e a filha pequena de Elisângela vão visitá-la. Havia mesmo necessidade de mostrar, sem filtros, uma criança diante de uma mãe em sofrimento?

Fora esta questão, A Loucura Entre Nós acerta em cheio ao fazer com que as trajetórias de duas mulheres tão diferentes se encontrem em meio a tanta subjetividade. Ao projetar vozes de pessoas que são “exiladas” da sociedade pelo fato de serem e agirem diferente, o longa-metragem contribui enormemente com a discussão sobre a reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial no Brasil. Trata-se de um mergulho profundo nas contradições da razão.

Trailer “A loucura entre nós” from Aguas de Março Filmes on Vimeo.

 

A Loucura Entre Nós
Direção: Fernanda Fontes Vareille
Roteiro: Fernanda Fontes Vareille e Marcelo Veras
Produção Executiva: Fernanda Fontes Vareille e Amanda Gracioli
Direção de Produção: Amanda Gracioli
Direção de fotografia e assistente de direção: Gabriel Teixeira
Técnico de som e assistente de câmera: João Marcos Tatu
Montagem: Juliana Guanais e Juliana Veras
Trilha original: Laurent Perez Del Mar
Gênero: documentário
Duração: 76 minutos
País: Brasil
Ano: 2015