Itamaraty quer Mercosul mais próximo dos cidadãos

Subsecretário-geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores considera que bloco, que completa vinte anos neste sábado, é uma história de sucesso

São Paulo – O Itamaraty acredita que chegou o momento de o Mercosul ficar mais próximo das sociedades sul-americanas. Ao completar vinte anos, o bloco conseguiu aumentar substancialmente o intercâmbio comercial entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, mas é pouco notado no cotidiano desses países. 

“Precisamos criar o cidadão do Mercosul. Por isso que aprovamos ano passado o plano que vai levar a um Estatuto do Cidadão do Mercosul”, resume Antonio Simões, subsecretário-geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores, em conversa telefônica com a Rede Brasil Atual. 

Para Simões, o Mercosul é uma história de sucesso na qual o crescimento é silencioso e os problemas são barulhentos. “Só posso dizer que estamos indo para a frente, ainda que possamos ter pelo caminho um ou outro problema.” 

Ele defende a entrada da Venezuela no bloco de nações como forma de fortalecer a integração e diminuir o peso do Brasil, responsável por provocar assimetrias e cobranças por parte dos sócios menores. O embaixador acredita que o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), destinado a financiar projetos de infraestrutura especialmente em Paraguai e Uruguai, tem reduzido as diferenças, mas admite que o caminho é longo.

Leia a seguir trechos da entrevista. 

RBA – O Mercosul avançou em quais sentidos nestes vinte anos?

Creio que o Mercosul teve crescimento muito grande. Apenas para pensar em termos do comércio, que é evidentemente a coisa mais importante, o Mercosul saiu de US$ 4,5 bilhões para US$ 45 bilhões entre os sócios. Para que se tenha uma ideia, o comércio do Brasil com os Estados Unidos chega a US$ 46 bilhões, ou seja, é igual praticamente. Isso demonstra uma vitalidade. Além da dimensão do comércio do Brasil com os Estados Unidos, o comércio com o Mercosul cresceu 1.000%.

Além disso, é um comércio de produtos manufaturados de alto valor agregado. Isso é outra coisa. São empregos de carteira assinada, empregos melhor remunerados. Não tenha nada contra as exportações para a China, mas é verdade que estamos exportando minério de ferro, soja em grão, que são produtos de baixo valor agregado. No caso do Mercosul, 92% é manufaturado.

RBA – O Focem tem sido suficiente para reduzir as assimetrias entre os integrantes ou será preciso criar novos instrumentos?

Suficiente não é porque os problemas dos países da região são muito grandes. Entretanto, o Focem já está fazendo a diferença. Hoje, temos aprovados no Focem projetos que somam US$ 1 bilhão, sendo que os recursos do fundo chegam a US$ 700 milhões. São recursos a fundo perdido, não são empréstimos. Financiam, por exemplo, uma linha de transmissão que liga Itaipu ao Chaco paraguaio, atravessa o país. Temos outra linha de transmissão do Uruguai ao Brasil. Estradas, universidade sendo financiada. São projetos significativos, sobretudo nos países menores porque o fundo é direcionado para eles.

RBA – Sobre as exceções, como estão as negociações com a Argentina?

O que costumo dizer é que o crescimento do Mercosul é silencioso. Os problemas é que são ruidosos. Então, você tem muitas vezes uma impressão de que as coisas não estão indo bem, mas a verdade é que você só tem problemas quando tem uma relação de crescimento. É bem verdade que com a Argentina há sempre algum tipo de tema em discussão, mas posso atestar o seguinte: em 2010, quebramos o recorde de comércio com eles, e a expectativa este ano é quebrar novamente o recorde. Só posso dizer que estamos indo para a frente, ainda que possamos ter pelo caminho um ou outro problema.

RBA – O crescimento no número de integrantes do Mercosul facilitaria a redução de assimetrias, a redistribuição de forças?

Nesse caso o exemplo da União Europeia é muito interessante. A partir do momento em que entraram outros membros, o peso de Alemanha e Inglaterra diminuiu, o que foi positivo para o todo. Acho que a diminuição do peso do Brasil é um aspecto favorável. O Brasil sempre vai ter um peso muito grande, não temos preocupação com isso, mas os sócios ficam mais confortáveis se você realmente conseguir aprovar a entrada da Venezuela. 

RBA – Como viu a demora do Congresso brasileiro em aprovar e como vê a demora atual dos paraguaios em realizar o debate sobre a entrada da Venezuela?

No caso do Congresso brasileiro, o debate foi muito interessante. Foi algo extremamente bem discutido, pensado. No Senado, o debate foi mais vigoroso, mais vivo, com muitas sessões abertas, algumas das quais eu participei. Foi um exercício de democracia ao final do qual se percebeu que para o processo de integração que se vive hoje isso é importante. No caso do Paraguai, o Congresso deles deve decidir o que acham melhor, mas esperamos, já que trabalhamos para o processo de integração se aprofundar, que façam a aprovação.

RBA – Sobre o Parlasul, já é o momento propício para que os países realizem eleições diretas?

Com certeza. O Parlasul já funciona há algum tempo. O que foi discutido no âmbito parlamentar indica a necessidade de fazer eleições diretas. O Legislativo é quem tem a palavra nesse caso, o Executivo apenas vai seguir as decisões. Acho que vamos mudar de nível a partir do momento em que tenhamos, como tem na Europa, parlamentares eleitos somente para essa função.

RBA – Quais devem ser os outros passos para que o bloco passe a ser notado no cotidiano dos cidadãos?

O crescimento no comércio já foi muito grande, mas agora precisamos fazer o Mercosul funcionar dentro da sociedade, aproximar o cidadão do Mercosul. Precisamos criar o cidadão do Mercosul. Por isso que aprovamos ano passado o plano que vai levar a um Estatuto do Cidadão do Mercosul. Isso, junto com o Parlamento do Mercosul, vai aproximar o cidadão, vai criar elementos muito importantes, como a facilitação cada vez maior das viagens, o reconhecimento de diplomas, a previdência, uma série de coisas que vão interferir na vida do cidadão, até mesmo a placa de carro dentro do Mercosul.

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