Libertação de trabalhadores envolve empresa de irmão da senadora Kátia Abreu

Grupo de 56 pessoas foi resgatado de área com eucaliptos e carvoarias explorada por empresa que, segundo fiscalização, é de André Luiz Abreu

Carvão vegetal abastece altos fornos e faz parte de composição do ferro-gusa (Fotos: SRTE/TO)

A Superintendência Regional de Trabalho e Emprego do Tocantins (SRTE/TO) libertou 56 pessoas de condições análogas à escravidão da Fazenda Água Amarela, em Araguatins (TO). A área reflorestada de eucaliptos, que também abrigava 99 fornos de carvão vegetal, estava sendo explorada pela RPC Energética. De acordo com apurações da fiscalização trabalhista, ainda que registrada em nome de um “laranja”, a empresa pertence a Paulo Alexandre Bernardes da Silva Júnior e André Luiz de Castro Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), liderança ruralista que também é presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Dedicado à extração de eucaliptos e ao carvoejamento, o grupo produzia matéria-prima para a siderúrgica Fergumar (Ferro Gusa do Maranhão Ltda.). Instalada em Açailândia (MA), a Fergumar é dona da fazenda e recebeu os 18 autos de infração lavrados na operação – que foi concluída na semana passada. Esta não é a primeira vez que a empresa foi implicada em caso de trabalho escravo.

De acordo com a fiscalização, a constatação de condições degradantes nas frentes de trabalho e nos alojamentos, servidão por dívida, jornada exaustiva e aliciamento fundamentou a caracterização do trabalho análogo à escravidão. Uma das vítimas não tinha sequer 18 anos completos, confirma o auditor fiscal do trabalho que coordenou a inspeção, Humberto Célio Pereira.

Não havia banheiros em condições de uso. Aos trabalhadores que produziam carvão, os empregadores disponibilizaram um cercado de lona com uma lata improvisada, sem fossa, como latrina. Nos barracos em obras em que dormiam, os sanitários também não funcionavam. Na prática, as vítimas acabavam utilizando o mato para realizar suas necessidades.

Faltava água potável, tanto nos barracos como junto aos fornos. O aliciamento foi verificado por meio da atuação do “gato” (intermediador de mão de obra) Maurício Sobrinho Santos, que atraiu e recrutou trabalhadores nos municípios de Vargem Grande (MG), São João Paraíso (MG) e Boa Sorte (MG), além de Açailândia (MA), cidade que abriga a própria planta da Fergumar. A promessa, como de costume, era de condições de trabalho decente, evidentemente com a perspectiva de pagamento de fartos salários.

O esquema era consumado pelo depósito de um adiantamento em dinheiro por parte do “gato” que, dessa maneira, assegurava o vínculo dos trabalhadores. Essa verba ajudava não só a pagar o transporte dos locais de origem até o Norte de Tocantins, mas também era canalizada para o sustento das famílias dos migrantes. Além do adiantamento, o “gato” mantinha também uma cantina, na qual comercializava desde ferramentas de trabalho e equipamentos de proteção individual (EPIs), como peças de motosserra e botas, até combustíveis, produtos alimentícios, bebidas alcoólicas e itens básicos para higiene pessoal. Tudo era anotado, inclusive os custos relativos às refeições diárias, para que depois fossem descontados dos respectivos vencimentos. Por conta das subtrações, os pagamentos mensais eram inferiores ao salário mínimo. Cadernos com anotações foram apreendidos.

Apenas pela passagem de ida, os trabalhadores relatam ter pago R$ 350 cada um. Não havia fornecimento condizente de EPIs. Segundo depoimento de um dos trabalhadores, as luvas furadas oferecidas pelos empregadores colocavam em risco à saúde dos trabalhadores. Três dos resgatados admitiram ter sido atacados, por exemplo, por escorpiões. No local, não havia ainda material adequado para proceder os primeiros socorros.

Os alojamentos e as frentes de trabalho foram interditados. Além de uma construção inacabada (sem portas) e abarrotada onde viviam 17 pessoas (inclusive o “gato” e sua família), imóveis despreparados localizados na área urbana de Araguatins (TO) abrigavam outras dezenas.

A rotina os trabalhadores começava às 4h da manhã, quando eles pegavam o transporte fornecido pelo empregador para a Fazenda Água Amarela. A labuta na propriedade rural começava por volta das 6h e seguia até 16h, com uma pequena pausa de 15min para o almoço. O retorno aos alojamentos só se dava depois das 17h. Quando da libertação, eles estavam trabalhando no local há cerca de três meses. O motorista do ônibus que recolhia os empregados não era habilitado e o transporte entre as frentes de trabalho era feito em caminhões e tratores de carga, de modo completamente irregular.

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