Fim de conferências seria retorno a políticas públicas obscuras, afirma especialista

Modelo de eventos de debate de políticas públicas setoriais ampliou o número de conselhos municipais, o que indica maior participação da população

Conferências como a de Saúde Mental aproximam sociedade dos gestores, avaliam especialistas (Foto: Wilson Dias/Agência Brasi)

São Paulo – Interromper a política de conferências públicas como modelo de participação social no país significaria um retorno a políticas públicas obscuras e centralizadas do passado. A avaliação é de Kazuo Nakano, especialista em políticas públicas do Instituto Pólis, em relação às críticas do candidato à Presidência da República José Serra (PSDB), sobre as conferências.

“Seria um retrocesso não ter esses canais. Já vivemos esse momento das políticas públicas obscuras, centralizadas, verticais, de cima para baixo no Brasil e sabemos que não é bom”, aponta o arquiteto urbanista do instituto, em entrevista à Rede Brasil Atual.

Para a assessora do Programa Nacional Direito à Cidade, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Regina Fátima Ferreira, o candidato que aventar a possibilidade de acabar com as conferências será alvo de “uma grande pressão social”. “Um candidato a presidente ou a governador que desconhece esse processo ou não o considera legítimo, é um candidato completamente desarticulado com a realidade brasileira”, afirma.

O especialista do Instituto Pólis defende que as conferências são essenciais como canal organizado de participação dos diferentes grupos de interesse da sociedade na formulação e avaliação das políticas públicas. “A ideia das conferências é ter um espaço de interação, diálogo e negociação para decisões coletivas que incidam no desenho, nos objetivos, nas estratégias das diferentes políticas públicas do Brasil.”

Entre as consequências positivas, a realização das conferências aumentou os canais de participação que estão sendo assimilados em todo país. “O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrou que aumentou o número de municípios com conselhos de vários tipos, aumentou a realização de conferências nos municípios e estados”, revela o consultor.

Até mesmo os problemas de organização das conferências – eventos de grande complexidade por reunirem pessoas de todos os estados do país – representam aprendizado e prática de cidadania. “Nas políticas públicas entre participar e não participar é melhor fazer, por mais que o contexto seja adverso ou negativo”, defende Nakano.

Regina analisa que na questão urbana, justamente a população que não tem acesso à moradia, transporte público de qualidade e saneamento deve discutir o que melhor atende sua necessidade. Trabalhando em conjunto com outros atores como os trabalhadores e os empresários da construção civil. “São os diversos representantes que atuam na questão urbana que podem estar contribuindo para a formulação de uma política que se aproxime mais da resposta e de resultados concretos aos problemas que a gente enfrenta na cidade”, acredita.

O Brasil, segundo ela, é tido como exemplo para todo o mundo na área. “A experiência não é perfeita, mas é bastante avançada e é exemplo para o resto do mundo em termos de discussão de políticas públicas através dessas instâncias de participação e controle social”, conta.

Sociedade desconfiada

A falta de mecanismos de participação social leva ao distanciamento entre os gestores públicos e a população, inclusive por falta de confiança. “Essa falta de canal para os diversos setores da sociedade civil interagirem com o estado, com os grupos que estão no governo, isso tem  uma consequência muito grave e principalmente gera muita desconfiança”, afirma Nakano.

“O Estado vai fazendo as ações, vai realizando os investimentos sem ter essa possibilidade de colocar pra sociedade e saber o que a sociedade pensa. Isso vai gerando uma desconfiança por parte dos setores da sociedade que é o que está acontecendo no município de São Paulo”, lembra.

São Paulo, de acordo com Nakano, é um caso emblemático da falta de diálogo da gestão pública com a sociedade. “Abrir mão da política de conferências seria um retrocesso que experimentamos no estado e no município de São Paulo, onde vemos como isso tem efeitos negativos na vida das pessoas”, aponta o pesquisador.

“Na política de assistência social estamos nos deparando com uma situação cada vez mais grave de vulnerabilidade das pessoas, dos moradores de rua e a gente não consegue ter sequer um canal para discutir esses problemas e pensar qual política de assistência social seria necessário pra isso”, denuncia Nakano.