Paixões corporativas impedem debate racional sobre PEC 37, diz relator

Projeto que reduz poder de investigação do Ministério Público provoca discussões acaloradas entre promotores e policiais e sobre o nível de corrupção das corporações

Fábio Trad (PMDB-MS), relator da PEC 37, defende que o MP contribua na apuração de alguns casos (Foto: Lúcio Bernardo Jr/Câmara dos Deputados)

São Paulo – O deputado federal Fábio Trad (PMDB-MS), relator do substitutivo à Proposta de Emenda Constitucional 37, que atribui às polícias Civil e Federal a titularidade sobre investigações, reduzindo o poder do Ministério Público nesse aspecto, afirmou que paixões corporativas, com policiais de um lado e promotores de outro, impendem um debate racional sobre o tema.  

“A briga é tão grande entre corporações que se perdeu o foco”, critica Trad. Seu relatório mantém o previsto no artigo 144 da Constituição, que atribui à polícia o poder de investigação, mas permite ao Ministério Público que participe dos inquéritos como linha auxiliar. 

“Em meu relatório, defendo que o MP possa contribuir subsidiariamente na apuração de alguns casos, como em crimes contra a administração pública, crimes perpetrados por organizações criminosas e crimes cometidos por agentes políticos”, disse Trad. 

A batalha em torno da PEC 37, de 2011, recrudesceu na semana passada, com a campanha promovida pelos ministérios públicos estaduais e federal contra a proposta. A PEC acrescenta um parágrafo ao artigo 144, prevendo que “a apuração das infrações penais (…) incumbe privativamente às polícias federal e civis dos estados e do Distrito Federal”.

Segundo o procurador de Justiça em São Paulo e presidente da Associação Paulista do Ministério Público (APMP), Felipe Locke Cavalcanti, a campanha dos procuradores objetiva “sensibilizar a população da gravidade da situação que a PEC 37 criará, se aprovada”. Abaixo-assinado lançado pelos promotores em dezembro, com meta de 1,3 milhão de adesões, tem perto de 200 mil signatários. 

“A sociedade quer mais investigação para coibir a impunidade. A polícia não consegue apurar por falta de estrutura. Além disso, a PEC 37 favorece a banda podre da política e a corrupção. É contra a sociedade e a favor dos bandidos”, afirma Locke Cavalcanti. Para o procurador, com a situação atual, o delegado tem de presidir o inquérito.

“Mas é o que eles não fazem. Nem furtos e roubos são investigados. Por exemplo, a máfia dos fiscais. A polícia já sabia que existia, mas não tomava providência”, lembra, citando episódio ocorrido na cidade de São Paulo há mais de 20 anos, na administração Celso Pitta (1997-2000), herdeiro político de Paulo Maluf (PP). Para Cavalcanti, a PEC beneficia políticos que enviam dinheiro ao exterior, “como Maluf”.

O presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, George Melão, diz que a campanha contra a PEC 37 usa meias-verdades e argumentos falsos. “Eles classificam a proposta de forma pejorativa como ‘PEC da Impunidade’, alegando que quem apoia a proposta é a favor da impunidade, e que a Polícia Civil, por ser corrupta, não tem condições de fazer seu serviço. Dá impressão que o MP é o único órgão impoluto na face da terra, o que não é bem verdade”, ironiza. 

“Para mostrar isso temos o caso do ex-senador Demóstenes Torres, o daquele procurador em Brasília envolvido em extorsão, entre outros”, diz Melão. Demóstenes, que era procurador em Goiás e senador pelo DEM, foi cassado após envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Já o ex-procurador-geral do Distrito Federal Leonardo Bandarra é acusado de participar de esquema de corrupção que derrubou o então governador José Roberto Arruda (2007-2010), também do DEM. “Onde há o ser humano existe corrupção, pessoas boas e ruins. Não adianta o MP se arvorar com o título de impoluto.”

STF

A expectativa do relator Fábio Trad é de que a PEC seja votada em maio. Paralelamente, o assunto também é debatido no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de um caso envolvendo o ex-prefeito de Ipanema (MG) Jairo de Souza Coelho e o MP de Minas Gerais. O julgamento no STF foi interrompido em junho de 2012 por pedido de vista do ministro Luiz Fux, o qual, porém, antecipou seu voto favoravelmente ao Ministério Público. Votaram também a favor do poder de investigação do MP Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Ayres Britto. Posicionaram-se contra Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski. 

“O tribunal já disse reiteradamente que o MP pode investigar”, diz Felipe Locke Cavalcanti. George Melão rebate: “É um argumento malicioso esse, para dizer que o MP tem o poder de investigar. O que o STF decidiu no passado? Decidiu pela validade da participação do MP em casos específicos em que a defesa pediu a nulidade do processo e o MP participou das investigações, mas com a polícia. As decisões citadas (por Locke Cavalcanti) se deram para evitar que artimanhas da defesa botassem criminosos na rua.” 

O próprio presidente do STF, Joaquim Barbosa, fiel ao seu estilo, já se pronunciou sobre a PEC 37: “Acho péssimo. A sociedade brasileira não merece uma coisa dessas”, declarou recentemente. Para Melão, a posição é esperada. “É óbvio. Ele é oriundo do MP”, lembra o delegado. Joaquim Barbosa foi membro do Ministério Público Federal de 1984 a 2003.

Controle e equilíbrio

Pela Constituição, a polícia é controlada pelo Ministério Público. Uma das questões que se colocam é: quem controlará o Ministério Público se a PEC 37 for derrubada ou se o STF definir que o MP deve ter a atribuição atualmente reservada à polícia judiciária? 

“O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) controla os promotores”, responde Locke Cavalcanti. Ele justifica dizendo que o CNMP é composto não apenas por promotores, mas também por advogados e juízes. O deputado Fábio Trad discorda. “É um órgão do MP. O presidente do conselho é um promotor. O órgão é ligado ao MP. É um conselho do MP para controlar o MP”, diz o relator.

Em artigo que está divulgando a favor da PEC 37, o autor da proposta, deputado Lourival Mendes, fala do desequilíbrio dos julgamentos se a emenda for rejeitada no Congresso. “Se a parte acusatória for quem produz as provas, logicamente serão produzidas as provas que interessem à acusação, com vistas à condenação. A defesa ficará prejudicada. Quem garante que o órgão acusador (MP) irá se preocupar com as provas de defesa?”, questiona o parlamentar.

 “Não haverá esse desequilíbrio. O advogado de defesa pode e deve acompanhar a investigação”, argumenta Locke Cavalcanti.

 

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