Prefeitura de São Paulo desrespeita direitos de pessoas com altas habilidades, diz associação

Entidade paulista, especializada em projetos educacionais de estímulo a superdotados, acusa a Secretaria Municipal de Esportes de omissão e descaso

O cancelamento de um projeto de educação inclusiva, com enfoque em altas habilidades corporais, para detectar na comunidade crianças com talentos acima da média, encomendado pela própria Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação mostra o desrespeito aos direitos dessas pessoas. Esta é a constatação da Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação (APAHSD), que reúne especialistas, pais e familiares de alto habilidosos no desenvolvimento de ações de apoio e de promoção de políticas públicas voltadas a esse público.

O projeto foi pedido em outubro de 2007, depois de uma palestra proferida por técnicos da entidade aos professores do Centro Olímpico. Segundo Gabriela Vanini Toscanini, gestora da APAHSD, o documento foi entregue no final de novembro daquele ano à assessoria do secretário Walter Feldman. E dias depois representantes da entidade e da secretaria se reuniram duas vezes. Como a promessa de um novo contato, ainda naquele ano, não foi cumprida, a equipe voltou a procurar o órgão público várias vezes. Ela conta que no último encontro foram questionados alguns itens do projeto, que deveriam ser adequados, mas mesmo assim saíram de lá com um manual de convênios da Secretaria, que entre outras coisas lista todos os documentos necessários para a assinatura do convênio.

Segundo a entidade, duas outras reuniões foram marcadas logo após a tomada das providências. Mas nenhuma delas aconteceu. Depois de vários telefonemas e desencontros, em agosto de 2008 a associação recebeu um e-mail de uma assessora técnica do gabinete do secretário, que não tinha participado dos encontros para o andamento do projeto. A mensagem diz que, apesar da relevância indiscutível da proposta, o ambiente ideal para sua realização é o escolar e que os custos são elevados.

Para Ada Cristina Garcia Toscanini, presidente da Associação, indivíduos com altas habilidades não estão só dentro de escolas, onde, aliás, há um tempo mínimo destinado às atividades corporais e não há equipamento adequado. Além disso, os clubes-escolas são frequentados por crianças de todas as idades, inclusive da faixa entre 6 e 7 anos, idade em que as crianças têm maior interesse em desenvolver atividades esportivas. Então, a que apresentasse a alta habilidade para esportes seria convidada a participar de treinamentos específicos.

“Indivíduos com altos talentos têm necessidades especiais específicas, que geralmente são ignoradas pela família e pelos professores. Sem estímulo para desenvolver suas habilidades eles passam a ter problemas de socialização e são incompreendidos. Por que então negar oportunidade para a detecção e desenvolvimento dessas potencialidades?”, questiona Ada.

Outro especialista da entidade, Alexandre Barbosa Valdetaro ressalta que uma das razões da falta de políticas voltadas para esse público é justamente o desconhecimento da população com altas habilidades, sejam elas corporais, musicais, intelectuais ou artísticas. “Se não houver a detecção desses talentos, não haverão políticas públicas que as beneficiem. Por isso o projeto é tão importante”, diz.  

Procurado pela reportagem da Rede Brasil Atual, o secretário Walter Feldman admitiu falhas na comunicação entre a Secretaria e a APAHSD durante todo o processo e reiterou que o foco da pasta, no momento, é estabelecer e consolidar “programas para desenvolver políticas públicas básicas”. E que “a proposta de nossa equipe técnica é a implantação e o refinamento de projetos especializados à medida em que essas políticas públicas se sedimentem, e não antes disso, o que certamente propiciará maior possibilidade de êxito ao processo.”

Entre as leis que garantem os direitos da pessoa com altas habilidades está a 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Segundo os artigos 58, 59 e 60, a expressão “necessidades educacionais especiais” pode ser utilizada para se referir a crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua elevada capacidade ou de suas dificuldades para aprender.

Superdotados são ignorados no Brasil

Futuros líderes em potencial no campo da ciência, economia, política e da cultura, entre outros, crianças e adolescentes com altas habilidades – também chamada de superdotação – estão em toda parte: nas escolas, nos clubes e até nas ruas, vítimas da evasão escolar.

Segundo referenciais teóricos utilizados por especialistas, 20% de toda a população mundial tem alguma habilidade acima da média. Longe da figura de gênio ou nerd, são pessoas comuns, que também tiram notas baixas e muitas vezes sequer conhecem o seu potencial.

A psicóloga Jane Farias Chagas, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, é autora de uma pesquisa com pré-adolescentes e adolescentes de baixa renda do Distrito Federal. Segundo ela, o rendimento escolar de superdotados é similar ao dos outros alunos. Dos jovens com altas habilidades avaliados, 42% já tinham sido reprovados ou estavam defasados em relação à idade/série. Entre os outros alunos, essa taxa chega a 50%.

Para ela, o dado é explicado por fatores socioeconômicos, tédio do estudante, má organização do currículo escolar e despreparo dos professores. Como não encontram condições para explorar seu potencial, ficam frustrados e muitos até desistem de estudar. E justamente por causa do desempenho acadêmico insatisfatório, muitos superdotados passam despercebidos. “É necessário um olhar mais apurado para perceber o potencial dessas crianças e dar um acompanhamento correto”, afirma a psicóloga. “Mais retraídos e com baixa auto-estima, muitos desses talentos serão desperdiçados se pais e professores não entenderem que notas baixas não são sinônimos de incapacidade”.

Segundo Jane, nem pais nem professores estão preparados para detectá-los principalmente porque ainda não há conhecimento suficiente sobre o assunto e o que já se sabe é pouco disseminado. Sem contar que muitas vezes as informações disponíveis são confusas e carregadas de mitos.

Há sinais clássicos para os quais os pais devem estar atentos. Crianças que demonstram habilidades não esperadas para a sua faixa etária, como ler precocemente; que aprendem com facilidade a tocar algum instrumento musical ou dominar elementos numéricos; que dominam movimentos cinestésicos, como pular, dar cambalhotas, dançar; desenham com traços firmes e cheios de detalhes; são criativas e dão muitas respostas a um dado problema; têm imaginação vívida; curiosidade e desejo por correr riscos certamente estão entre os 20% da população formada por superdotados. “Essas habilidades não precisam ser extraordinárias, mas acima da média”, diz Jane.

Para os pais que suspeitam que os filhos têm altas habilidades, ela recomenda procurar um atendimento especializado, indicado por psicólogos. E em casa, devem incentivá-los, responder às suas exigências, permitir que se envolvam nas atividades que lhes deem  prazer e promover a interação com outras pessoas de sua área de talento. “Os pais devem ter altas expectativas sobre o desenvolvimento das habilidades dos filhos, porém sem um nível de cobrança muito intenso”, ressalta.

Ela destaca ainda que, nas escolas regulares, nem sempre há condições de identificar alunos com altas habilidades porque é grande o desconhecimento das características de crianças superdotadas. Muitos confundem superdotação com genialidade e prodigialidade – casos extremos e raros. Além disso, na maioria dos casos os currículos ainda são fechados e inflexíveis, os professores se limitam a transmitir conteúdos e não dão espaço para a demonstração de talentos que não sejam acadêmicos. “O talento não emerge onde não há um clima que favoreça a criatividade e a expressão da diversidade das potencialidades humanas”.

Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, o curso de formação de professores oferece disciplinas específicas sobre altas habilidades. Mas, segundo especialistas, o conteúdo nem chega a ser ministrado porque a prioridade é para o ensino de crianças com deficiências. Um avanço, na opinião de Jane, são os Núcleos de Atividades para Altas Habilidades (NAAH), criados em 2005 pelo Ministério da Educação em parceria com estados e municípios. O objetivo desses centros é fornecer capacitação para professores na detecção e acompanhamento aos superdotados, além de atender alunos e seus familiares.

No Estado de São Paulo, o NAAH funciona como um polo de capacitação de professores. Denise Arantes, coordenadora do núcleo, conta que o trabalho iniciado há três anos possibilitou a detecção de 1498 estudantes – o que ainda é pouco, levando-se em conta que só a rede estadual tem mais de 5 milhões de alunos. “Eles são incluídos em atividades especiais na própria escola ou estimulados a participar de olimpíadas estudantis e de projetos em parcerias com universidades”, explica Denise.

 

Mitos sobre pessoas com altas habilidades

As superdotação é uma questão genética e o ambiente tem pouca importância para o desenvolvimento de habilidades e competências;

O superdotado tem recursos intelectuais suficientes para desenvolver por conta própria o seu potencial superior;

O aluno com altos talentos apresenta um excelente desempenho acadêmico em todas as disciplinas curriculares, além de ser excêntrico, emocionalmente instável e isolado socialmente;

O potencial superior se desenvolve apenas em contextos de nível sócio-econômico médio ou elevado.

Fonte: Denise de Souza Fleith, Educação de Alunos Superdotados – Desafios e Tendências Atuais, Universidade de Brasília.

 

Direitos do superdotado

• Saber mais sobre o seu talento;

• Aprender uma coisa nova a cada dia;

• Desenvolver seu talento com paixão sem ter que pedir desculpas;

• Ter uma identidade para além do seu talento;

• Se sentir bem quando vivencia experiências de sucesso;

• Errar;

• Buscar ajuda no desenvolvimento de seu talento;

• Ter muitos amigos;

• Escolher quais áreas de talento deseja se aprofundar e se especializar;

• Não ter que demonstrar seus talentos o tempo todo.

Fonte: Associação Nacional para Crianças Dotadas e Talentosas, Estados Unidos.