Polícia usa a força para reprimir manifestação na USP

Para dirigente sindical e deputado que acompanhou negociações, reitora não tem condições de seguir no cargo; Suely Vilela atribui episódio a 'grupo radical'

A entrada da PM no campus foi um dos motivadores para que professores e estudantes aderissem à greve. Na imagem, a Reitoria cercada pela Guarda Universitária e pela PM (Foto: Paula Sacchetta)

Estudantes, funcionários e professores da Universidade de São Paulo (USP) foram surpreendidos nesta terça-feira (9) pela ação da Polícia Militar, que utilizou a força para reprimir uma manifestação que acabaria em assembleia em frente da reitoria.

Os manifestantes realizaram no período da tarde o “trancaço”, que consiste em bloquear o acesso ao Portão 1 do campus. Segundo participantes ouvidos pela Rede Brasil Atual, a repressão foi iniciada depois do fim do ato, quando todos retornavam para a parte interna da Cidade Universitária.

“Estávamos voltando em passeata até de maneira dispersa e de forma covarde a Força Tática começou a jogar bombas na gente”, disse o diretor do Sindicato dos Funcionários da USP (Sintusp), Aníbal Ribeiro Cavali.

A estudante de Letras Patrícia Alves conta que estava no Conjunto Residencial da USP (Crusp) quando começou a repressão. “A Tropa de Choque fez uma formação em frente à Reitoria e fechou a entrada do prédio. Com bombas, os estudantes e funcionários foram sendo acuados até o prédio do Departamento de História e Geografia”, disse.

Em nota, a Polícia Militar afirmou que houve confronto, iniciado quando um grupo foi cercado por manifestantes, “os quais, de mãos dadas, isolaram policiais militares ao centro de forma ameaçadora e hostil”. Intitulado “Defesa da democracia”, o texto aponta que a PM foi chamada ao campus para cumprir ordem judicial emitida depois de “manifestação ilegal, ocorrida em data anterior, em que houve depredação do patrimônio público e atentado à liberdade de trabalho daqueles que não queriam aderir à greve”. A instituição defende que há limites “quanto à atuação indiscriminada e violenta de manifestantes” e nega que a ação tenha tido caráter violento.

Defendendo o “primado da lei”, a PM considera que teve “atuação técnica e profissional, objetiva sempre garantir a segurança, a tranquilidade e a salubridade das pessoas envolvidas no movimento”. No comunicado, a polícia considera que as pessoas que repudiam a entrada de policiais no campus estão agindo de maneira autoritária e é preciso “refletir sobre quem está violando os direitos democráticos”. Encerra o texto: “a atuação de um pequeno grupo que não coaduna com o interesse da maioria, de maneira desordeira e antidemocrática, atenta contra a liberdade de trabalho e depõe contra a finalidade social da Universidade de São Paulo”.

O professor Pablo Ortellado, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades, fez por um grupo de emails um relato do episódio: ” Quando chegamos na altura do gramado, havia uma multidão de centenas de pessoas, a maioria estudantes correndo e a tropa de choque avançando e lançando bombas (…). A multidão subiu correndo até o prédio da História/ Geografia, onde a assembleia havia sido interrompida e começou a chover bombas no estacionamento e entrada do prédio. Sentimos um cheiro forte de gás lacrimogêneo e dezenas de nossos colegas começaram a passar mal devido aos efeitos do gás (…) A multidão de cerca de 400 ou 500 pessoas ficou acuada neste edifício cercada pela polícia e 4 helicópteros. O clima era de pânico. Durante cerca de uma hora, pelo menos, a explosão de bombas e o cheiro de gás invadia o prédio”.

Críticas duras à reitora

Durante a noite, uma comissão de docentes, alunos e dois deputados estaduais do PSOL, Carlos Gianazzi e Raul Marcelo, conseguiu ser recebida pelo vice-reitor, Franco Lajolo, que se comprometeu a retirar a Tropa de Choque do campus. A professora Zilda Iokoi, do Departamento de História e Geografia, que integrou o grupo, exige que a Reitoria peça desculpas à comunidade pelos fatos. 

O deputado Carlos Gianazzi afirmou à reportagem que se trata de uma vitória momentânea do movimento e que o episódio “maculou completamente a imagem da Universidade de São Paulo, do governador José Serra e da administração da reitora”. Para o parlamentar, Suely Vilela perdeu o controle da Universidade ao convocar a entrada da PM: “a Tropa de Choque jogou bombas e ela nada fez. Ficou escondida durante quatro, cinco horas até nos receber para uma conversa. Estamos convocando a reitora e o secretário de Segurança Pública [Antônio Ferreira Pinto] para que prestem explicações na Assembléia Legislativa. Ela não tem mais condições de exercer o cargo, perdeu completamente a autoridade”.

A mesma avaliação é feita por Magno Carvalho, diretor do Sintusp, que considera que a repressão foi orquestrada. Ele afirma que durante a manhã funcionários foram avisados por integrantes da própria Reitoria de que hoje a PM faria uma repressão no campus. Para o diretor, os fatos corroboram a versão, uma vez que um grupo de policiais provocou alguns manifestantes e, quando houve uma reação verbal aos xingamentos, a Tropa de Choque foi acionada e imediatamente entrou na Cidade Universitária. “Foi mais de uma hora de perseguição, uma verdadeira praça de guerra. Um grupo de professores foi tentar negociar o fim da violência e acabou recebido com bombas. Desde 1979 que a polícia não entra no campus, mas uma repressão como essa não ocorreu nem no pior momento da ditadura”, afirma. Ele aponta ter ouvido de diretores de unidades que a reitora não terá apoio para seguir no cargo.

No relato enviado por email, Pablo Ortellado considera que a situação é gravíssima. “Hoje me envergonho da nossa universidade ser dirigida por uma reitora que, alertada dos riscos – eu mesmo a alertei em reunião na última sexta-feira –, autorizou que essa barbárie acontecesse num campus universitário. Estou cercado de colegas que estão chocados com a omissão da reitora.”

Pelo menos três pessoas foram detidas. Um deles é Claudionor Brandão, ex-diretor demitido e que foi um dos motivos para o início da greve dos funcionários. Os três foram liberados mediante a assinatura de um termo circunstanciado por desacato, resistência à prisão e dano ao patrimônio público.

A Reitoria emitiu nota atribuindo o episódio a um “grupo radical de manifestantes” que realizou a “depredação do patrimônio público, resultando em cenas inadmissíveis dentro do ambiente universitário, no qual o diálogo deve ser sempre privilegiado”.

Greve

USP

Os funcionários da USP estão em greve há mais de um mês por reajuste salarial e pela recontratação de Brandão. Estudantes e professores aderiram à paralisação na última semana depois de recorrentes entradas da Polícia Militar no campus.

Além disso, os professores reclamam que o Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) interrompeu as negociações sem explicação. Em nota emitida antes da repressão, o Cruesp informou que só retomaria as conversas depois do encerramento de “ações coercitivas prejudiciais ao pleno funcionamento das atividades institucionais”.

Atualmente presidido pela reitora da USP, Suely Vilela, o conselho alega que o Fórum das Seis refutou a participação na reunião convocada para 25 de maio e que é preciso agir “de forma responsável e sem demagogia ao conceder reajustes salariais sem comprometer as atividades de ensino, pesquisa, extensão e administração”.

Colaboraram Fábio Brandt, Paula Sacchetta e Thiago Domenici