MPF começa a investigar queima de corpos de desaparecidos políticos

Procurador da República considerou 'coerentes' declarações de ex-delegado

São Paulo – O Ministério Público Federal (MPF) em Campos (RJ), na região conhecida como Norte Fluminense, abriu investigação para apurar a informação de que pelo menos dez corpos foram incinerados na usina de Cambaíba durante a ditadura. Está previsto para a semana que vem o depoimento de um ex-funcionário da usina, citado no livro “Memórias de uma Guerra Suja”, que traz declarações do ex-delegado do Dops Cláudio Guerra. O procurador da República Eduardo Santos de Oliveira observa que o livro é tratado apenas como referência, mas, ao conhecer o ex-agente, disse que ele respondeu “todas as perguntas com muita firmeza e riqueza de informações”.

Em 28 e 29 de maio, Eduardo e mais três procuradores ouviram Guerra durante mais de oito horas na sede do MPF no Espírito Santo. “Agora vamos começar efetivamente algumas oitivas, para ter um cenário mais concreto”, diz o procurador, que no início do mês fez uma recomendação à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República no sentido de demarcar e proteger a área na usina de Cambaíba, hoje abandonada. A intenção é fazer uma perícia no local. Também se pretende ouvir as pessoas citadas no livro. O procurador disse ter “profunda preocupação com a integridade física” de Guerra devido às declarações do ex-delegado.

O MPF pretende levá-lo até o local. “No caso específico da usina, ele sustenta que não matou nem torturou”, lembra Eduardo Oliveira. No livro, Guerra afirma que foi responsável por levar dez corpos de desaparecidos políticos, mortos sob tortura em outros locais. A usina pertencia a Heli Ribeiro Gomes, ex-vice-governador do Rio de Janeiro – a família contesta as afirmações do ex-delegado. Ainda pelo relato do livro, dois funcionários da Cambaíba, conhecidos como Vavá e Zé Crente, “eram os responsáveis pelas queimadas”. Um desses funcionários, Herval Gomes da Silva, o Vavá, já se dispôs a falar sobre o episódio.

Mais adiante, os dois jornalistas responsáveis pelo depoimento de Guerra – Marcelo Netto e Rogério Medeiros – também serão ouvidos pelo Ministério Público. Para Oliveira, as declarações do ex-delegado aos quatro procuradores chamaram a atenção pela riqueza de detalhes. “Foram coerentes com a narrativa do livro e coerentes entre si”, comenta, lembrando que as informações são o ponto de partida da apuração. “Nosso papel é investigar e tentar jogar luz nessa história”, afirma.

O entendimento do MPF é de que os agentes públicos que cometeram crimes durante a ditadura agiram como representantes de todo o Estado, não apenas do segmento militar, submetendo-se à jurisdição federal. Oliveira integra o grupo de trabalho chamado Justiça de Transição, para investigar violações de direitos humanos durante a ditadura e responsabilizar os agentes do Estado por essa prática. A iniciativa está alinhada à sentença da.orte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil por violações de direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos durante a Guerrilha do Araguaia.