Ex-presidente da CTNBio aparece em plateia de debate para defender biotecnologia

Representante da Anvisa lamenta que Walter Colli mantenha postura intransigente e especialista internacional afirma que argumentos de professor são os mesmos da Monsanto

O ex-presidente da CTNBio fez uma defesa da seriedade dos pesquisadores nacionais ao aparecer “de surpresa” em debate na capital paulista (Foto: Elza Fiúza. Agência Brasil)

São Paulo – O ex-presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Walter Colli, roubou a cena em debate realizado nesta segunda-feira (26) em São Paulo. Colli, que presidiu até o começo deste ano a entidade responsável pela liberação de novas variedades de transgênicos para plantio e comercialização, estava na plateia e só foi notado na fase de perguntas que sucedeu uma conferência sobre agrotóxicos e organismos geneticamente modificados (OGMs).

Houve certa surpresa quando se soube que o professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) estava no evento em que, até então, sobravam críticas a transgênicos e observações sobre as conexões entre esses e o uso de agrotóxicos.

Durante a gestão de Colli foi promovida a maior parte das liberações dos 21 OGMs hoje permitidos no mercado (quatro variedades de soja, onze de milho e seis de algodão). Ele sempre se mostrou favorável à biotecnologia e tratou de impor ritmo relativamente rápido à aprovação de novas variedades – foram 19 nos últimos dois anos –, contando para isso com uma composição extremamente favorável.

Colli dedicou suas últimas sessões à frente da CTNBio à ideia de aprovar o fim da Resolução Número 5. Tal resolução visa manter o monitoramento do transgênico após a chegada ao mercado, tentando garantir a descoberta de eventuais efeitos que não surgiram durante a fase de testes, ou seja, tentando assegurar que o consumidor não terá sua saúde afetada.

“Muitas vezes as coisas enganam. A verdade demora a aparecer. Avanços nem sempre significam avanços. Sem se colocar previamente a favor ou contra, mas de maneira lúcida procurar ver aquilo que cada coisa tem de bom”, disse durante a fase inicial de debates o médico Isac Jorge Filho, do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), uma das entidades organizadoras do evento.

Michael Hansen, figura principal da discussão e cientista sênior da Consumers Union, uma das maiores entidades de defesa do consumidor dos Estados Unidos, lembrou a necessidade de uma maior regulação do setor. Como ocorre no Brasil, no país do Norte os primeiros anos de utilização de transgênicos trouxeram uma redução no uso de agrotóxicos, mas logo em seguida o caminho foi inverso.

Hoje, as duas nações – também as maiores produtoras de transgênicos – são as que mais utilizam esse tipo de substância no mundo, com o Brasil na liderança. “Não se trata de remover todos os pesticidas do mercado, mas de reavaliar quais são tóxicos e, nestes casos, banir. De todo modo, é mais útil entender como funciona o ecossistema para não precisar usar pesticidas”, afirmou.

Os pesquisadores lembraram que, durante muitos anos, o mundo usou sem restrições o DDT, primeiro pesticida moderno. Só na década de 1960 começaram a surgir os primeiros estudos mostrando efeitos nocivos da substância, proibida nos Estados Unidos em 1972 e no Brasil em 1985.

A bola da vez no campo das indagações é o glifosato, princípio ativo de diversos herbicidas de ampla utilização comercial, sendo o Roundup, da Monsanto, o mais famoso. Há diversas suspeitas que recaem sobre a relação entre o produto e a saúde humana, como a reprodução indevida de células e o aumento nas taxas de abortos espontâneos e de má formação fetal.

Michael Hansen apresentou durante o debate uma série de pesquisas que mostram a atuação pouco criteriosa dos órgãos governamentais de regulação, que se baseiam apenas em resumos de estudos para fazer a liberação de plantio e de comercialização.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apresentou ao Conselho Nacional de Biossegurança, órgão que está acima da CNTBio, a contestação à aprovação de três variedades de milho. A resposta, em todos os casos, foi negativa, apontando que não cabe à Anvisa ocupar-se do tema. Há menos de um ano, a agência passou a se ocupar de fiscalizações sobre uso indevido de agrotóxicos. Agora, há um esforço para tentar rever a utilização de certas substâncias no mercado nacional. “Muitas vezes as operações de fiscalização têm impacto maior fora do Brasil, com queda no preço de ações. E aí vem a repercussão, que é sermos acusados pela bancada ruralista”, lamentou Letícia Rodrigues, gerente Geral de Toxicologia da Anvisa.

No ataque

A exposição de tantos dados contrários à biotecnologia deixou Colli claramente irritado. O ex-presidente da CNTBio pediu o microfone e disparou:

– Tenho 71 anos. Comecei minha atividade de pesquisa científica em 1963. Portanto, faz muito tempo. E posso garantir que a maioria dos membros da CTNBio não fazem um grupo de amigos porque nós nos conhecemos depois que fomos nomeados. São pessoas que são especialistas em várias áreas do conhecimento. Sou a única pessoa, por enquanto, que falou algo ao contrário dos demais. Se alguma coisa existe, precisa ser estudada. Mas muitos dos trabalhos que foram estudos pelo doutor Hansen foram, sim, lidos e contestados pela grande maioria da literatura internacional. Para cada paper (slide) desse aí, apresento cem papers contrários.

Em sua resposta, Michael Hansen pediu que Colli passasse a ler os estudos mostrados ali na apresentação e solicitou que fossem mostradas contestações científicas às pesquisas. Uma delas, da Áustria, mostrava que camundongos expostos a variedades transgênicas de milho tinham a taxa de fertilidade reduzida com o tempo. “Há quem diga que esses camundongos deveriam ter sido excluídos dos testes. Mas, se tiveram normalmente a primeira gestação e só depois passaram a ter problemas, não vejo argumento algum para excluir. Essa é uma crítica que faz a Monsanto”, declarou.

Letícia Rodrigues, da Anvisa, garante não ter se surpreendido com o tom usado por Colli. “Só não sabia que ele continuava, mesmo depois de ter saído da CTNBio, tão defensor da biotecnologia. Mas esse tipo de conduta tinha também durante a presidência dele, muitas vezes impedindo e inviabilizando a apresentação do pensamento contrário”, afirmou à reportagem.

Pouco depois da fala de Colli, foi a vez de uma pesquisadora sentada ao lado dele se manifestar. Ela defendeu que o Brasil deveria eliminar a rotulagem de alimentos transgênicos, como há tempos tenta fazer a bancada ruralista por meio do Congresso, e que, se a União Europeia garantiu a segurança de certos OGMs, é motivo suficiente para que nos sintamos seguros. A pesquisadora, que fez questão de frisar ter obtido o título de PhD em alguma especialiade, em vez de apresentar-se pelo próprio nome, afirmou ainda que Roleta Genética, livro de Jeffrey Smith que reúne vasta documentação sobre os riscos oferecidos pelos transgênicos, é uma obra cômica, e chamou de louco o ex-governador do Paraná, Roberto Requião, que desenvolveu uma política a favor de orgânicos e contra OGMs, afirmando que ele deve ter comido “mamona tóxica”.

Tanto ela quanto Colli deixaram o auditório na região central de São Paulo depois de fazerem suas observações, que geraram rebuliço na plateia. Saíram sem ouvir Hansen: “Os estudos não comprovam que os transgênicos não são seguros mas, olhando os dados, não se pode dizer que sejam seguros”.