Sem acordo, votação do Código Florestal fica para próxima semana

Apesar de empenho pessoal de ministros em conversas ao longo de todo o dia, falta de consenso em torno de redução de áreas de preservação trava debate

Aldo Rebelo participou de reunião da bancada do PT, a maior da Câmara, e que manifestou contrariedade a uma discussão feita de afogadilho (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

São Paulo – A falta de acordo entre governo e líderes de partidos na Câmara dos Deputados adiou para a próxima terça-feira (11) a votação das mudanças no Código Florestal. Mesmo com uma série de reuniões realizadas ao longo de todo a nesta quarta-feira (4), não foi possível superar as divergências em torno do tema.

Mais cedo, o relator do projeto de lei 1876, de 1999, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), havia indicado que o Palácio do Planalto quer mexer no ponto que prevê a redução das Áreas de Preservação Permanente (APPs). O governo não quer que a recomposição das matas em APPs deixe de ser obrigatória em áreas consolidadas com agricultura e pecuária, como prevê o relatório atual.

Outra questão é a possibilidade de dispensar de preservação os proprietários de áreas de até quatro módulos fiscais. Neste caso, como o tamanho do módulo fiscal muda de estado para estado, a mesma medida poderia beneficiar agricultores familiares, como é o desejo do governo, e grandes proprietários que simplesmente descumpriram a lei.

Apesar do fracasso em se votar o texto, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), manteve o discurso de que há consenso em torno da grande maioria dos temas. “Há 98% de acordo com o relator, não adianta polarizar em um texto que está quase consensual”, declarou. 

O desfecho desta semana de conversas contraria o Planalto, que havia manifestado o desejo de ver votado ainda nesta quarta o relatório de Rebelo. “É um último esforço para a conclusão de um grande pacto sobre o novo código”, afirmou o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, após a reunião com os líderes partidários.  “O melhor é que, no Código Florestal, não tenham vencedores nem vencidos”,  havia declarado mais cedo Luiz Sérgio, um dos vários representantes do Executivo que se envolveram diretamente, ao longo do dia, nas negociações.

O anseio dos ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário era assegurar mudanças que reduzissem os riscos implicados pelo texto atual à política de redução do desmatamento. Um dos problemas é dispensar de recomposição os proprietários de áreas de até quatro módulos fiscais. 

Ao mesmo tempo, o PV ingressou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir a votação do PL 1876, de 1999. O partido argumenta que a decisão de votar em sessão extraordinária um projeto de lei ordinário que possa ser transformado em medida provisória contraria resolução da Câmara.

O PSOL avisou que já formulou uma ação para apresentar ao STF caso o projeto seja aprovado sem o devido tempo para analisar o texto. As alterações promovidas por Rebelo foram apresentadas apenas na segunda-feira (2), prazo que para a bancada do PSOL é insuficiente para uma leitura detalhada do relatório. Além disso, foi aprovado na terça-feira (3) no fim da noite o requerimento para que o projeto tivesse tramitação de urgência.

O professor José Antonio Aleixo, secretário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), reclama que os pontos principais previstos no relatório mudam a cada instante. Ele se refere em especial às Áreas de Preservação Permanente (APPs). O texto inicial de Rebelo previa uma radical redução das APPs às margens de rios, o que poderia provocar assoreamento e redução dos leitos. Após pressão de organizações socioambientais e do governo, o parlamentar paulista aceitou aumentar a exigência, mas deixou de fora aqueles que já realizaram o desmatamento.

No fim de abril, a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) divulgaram estudo no qual pedem ao menos mais dois anos de debate em torno do Código Florestal para chegar a uma proposta que contemplte as necessidades do setor agrícola e da preservação ambiental. “A posição da ABC e da SBPC é que hoje existe uma questão que mostra que essas propostas não têm fundamentação científica”, afirma Aleixo.

Outra mudança sobre a qual não houve acordo diz respeito à possibilidade de somar as APPs e as áreas de reserva legal a fim de cumprir os limites de preservação exigidos para cada bioma. A alteração inserida por Rebelo esta semana foi abertamente criticada pela bancada do PT na Câmara, que considera que a medida é um incentivo ao desmatamento.

“Um dos pontos que chamam a atenção é a inclusão da possibilidade de desmatar APPs para produção de alimentos, o que desvirtua a regra de proteção dessas áreas”, destaca Raul do Valle, coordenador do Instituto Socioambiental, em comunicado emitido pelo SOS Florestas. “Outra novidade foi o fato de criar diferenciação entre pequena propriedade e pequena propriedade familiar, que suposto objetivo de atender as demandas da agricultura familiar, mas que abre a possibilidade de várias flexibilizações para muito além desse público”, afirmou.