#Chegadeagrotóxicos

Só mobilização popular consegue barrar o ‘Pacote do Veneno’

Inconstitucional e rejeitado pela população, entidades de saúde, meio ambiente, consumidor, direitos humanos e pequenos agricultores, PL é encomenda do setor de agrotóxicos à bancada ruralista

Flickr/GWP

O ‘Pacote do Veneno’ prevê facilidades para o registro, fabricação, venda e utilização de agrotóxicos

São Paulo – Os deputados da bancada ruralista, maioria na Comissão Especial constituída para analisar os 27 projetos de Lei que visam facilitar ainda mais as regras para registro, fabricação, comercialização e utilização dos agrotóxicos, elevando as vendas no país que é o maior consumidor mundial – o chamado “Pacote do Veneno – seguem firmes na defesa dos compromissos assumidos com os fabricantes desses produtos. Irredutíveis nas reuniões desta terça e quarta (8 e 9), fizeram de tudo para impedir acordos propostos por parlamentares contrários aos projetos para a realização de audiências públicas, com participação da população e entidades. Na próxima terça-feira (15), a Comissão volta a debater, pela última vez, o substitutivo apresentado pelo relator, o deputado ruralista Luiz Nishimori (PR-PR), totalmente favorável aos projetos. A votação deve acontecer no dia seguinte.

Integrantes da Comissão, os deputados da oposição Alessandro Molon (PSB-RJ), Ivan Valente (Psol-SP), Nilton Tatto (PT-SP) e Elvino José Bohn Gass (PT-RS) tentaram aprovar requerimentos para a participação de representantes de setores da saúde e meio ambiente na próxima reunião ordinária, para trazer mais esclarecimentos aos deputados que ainda tenham dúvidas. Por exemplo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ambos vinculados ao Ministério da Saúde, e Ibama, do Ministério do Meio Ambiente. 

No entanto, a presidenta da Comissão, a também ruralista deputada Tereza Cristina (PSB-MS) negou. Com apoio do relator Luiz Nishimori e outros colegas de bancada, alegou que a participação não está prevista no regimento da Comissão.

 Molon, uma das vozes mais firmes contra o pacote, destacou que, ao contrário, não há no regimento nada que impeça a participação desses especialistas. O argumento levou o relator à artimanha de propor encontro com a oposição e esses representantes em reunião separada, fora da agenda. E para ganhar tempo, disse que a partir desse encontro, que pode ser no gabinete, poderia vir a fazer mudanças em seu relatório.

O que a oposição defende – e os ruralistas evitam – é mais debate em torno de um tema polêmico que divide até mesmo setores do governo. Trabalhadores do Ministério da Agricultura, da Saúde e do Meio Ambiente, além de órgãos a eles vinculados, são contrários. Além disso, desde que o “pacote do veneno” começou a ganhar velocidade na tramitação, mais de 100 entidades se manifestaram formalmente contra essas mudanças – para pior – na atual lei dos agrotóxicos (Lei 7.802/89). É o caso do Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos e Transgênicos, Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Ministério Público Federal (MPF), Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (Aprodab) entre outros.

Todas elas defendem o apoio a propostas de redução do uso até que os agrotóxicos sejam banidos, em um processo gradual como já acontece em muitos países. E incentivos à transição do atual modelo para a chamada agroecologia, que vai além da produção de alimentos orgânicos, livres de veneno, englobando a reforma agrária para que mais famílias possam produzir alimentos para atender a toda a demanda – e não apenas a uma elite que pode pagar mais caro por eles. 

O deputado Nilto Tatto, que entregou à Tereza Cristina as 100 mil assinaturas contra a aprovação do pacote, coletadas por meio da plataforma #ChegaDeAgrotóxicos, destacou que as mudanças na atual lei só atendem aos interesses das indústrias de agrotóxicos, que estão entre os sustentadores da bancada ruralista. “Flexibilizar ainda mais as regras dos agrotóxicos não interessa à sociedade, que vai ficar ainda mais exposta aos agrotóxicos, com riscos ainda maiores que os atuais de doenças, como intoxicações, câncer e malformações, entre outras; não interessa ao país, que terá mais gastos com saúde e nem à agricultura brasileira. Países estrangeiros, para onde vão as exportações brasileiras, estão aumentando as restrições aos agrotóxicos”, disse à reportagem.

Na sessão, ele questionou os reais interesses da maioria da Comissão, formada por ruralistas ou ligada a eles, que se dizem preocupados com o desenvolvimento da agricultura nacional, “que sofreria retrocessos” sem a aprovação do pacote. E destacou os benefícios que o setor de agroquímicos já usufrui no país, como incentivos fiscais, quando deveria pagar pelos prejuízos que traz à saúde pública e meio ambiente. Estimativas indicam que, por baixo, o Brasil deixa de arrecadar todo ano R$ 1,3 bilhão, recurso que poderiam ser utilizados em pesquisa e incentivos à transição agroecológica.

Fazendo uma análise das perdas dos trabalhadores com a reforma trabalhista, que passou a permitir, entre outras coisas, que mulheres grávidas trabalhem em ambientes insalubres, o deputado Bohn Gass disse que a situação vai piorar com  a aprovação dos projetos resumidos no substitutivo. “Como ficarão agora essas gestantes, podendo aplicar mais e mais venenos nas lavouras?”, questionou o parlamentar, que vem de família de agricultores.

A situação é grave. Em pesquisas realizadas em diversos municípios, o professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) encontrou agrotóxicos até no leite materno. Outras pesquisas mostram que esses produtos atravessam a placenta e prejudicam o desenvolvimento do feto. Não é à toa que diversos estudos, como aqueles feitos pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em áreas de pulverização aérea no estado, apontem crescimento no número de casos de malformações congênitas. Dado semelhante ocorre no interior do estado de São Paulo, de domínio da produção canavieira banhada a agroquímicos despejados de avião, conforme o Fórum Paulista de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos e Transgênicos. 

Autor de projeto de lei que obriga informações nos rótulos de alimentos sobre agrotóxicos utilizados em sua produção, o deputado Ivan Valente defendeu a mobilização da sociedade como única maneira de impedir a aprovação do pacote conduzida com velocidade pela numerosa e poderosa bancada ruralista. “A única chance que temos de barrar o PL do Veneno é a mobilização popular. O descalabro do aumento do uso de agrotóxicos na alimentação do brasileiro é um projeto que só visa o lucro dos grandes latifundiários e dos ruralistas do Congresso. Não podemos permitir a aprovação em detrimento da nossa saúde”, destacou à reportagem.

Além de pressionar os deputados, é possível assinar o manifesto por meio da plataforma #ChegaDeAgrotóxicos

O trator da Comissão

Constituída em abril de 2016 pelo deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que foi cassado, condenado e preso por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão, a Comissão é formada em sua maioria por ruralistas. Entre eles, os autores de projetos incluídos no “Pacote do Veneno” Covatti Filho (PP-RS)  e Luis Carlos Heinze ( PP-RS),  além de Valdir Colatto (PP-RS), autor do polêmico projeto que autoriza a caça de animais silvestres.

Entre todos os projetos, têm destaque os PLs 6.299/02, de autoria do ministro da Agricultura Blairo Maggi (PP), apresentado quando era senador, que modifica as regras para a cadeia dos agrotóxicos com o objetivo de facilitar o registro, liberação e venda desses produtos.

E o PL 3.200/2015, de Covatti Filho, que praticamente exclui a Anvisa e o Ibama do processo de registro de agrotóxicos. Isso porque institui a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNfito), composta por integrantes titulares indicados pelo Ministério da Agricultura.

Em dois anos, a Comissão realizou oito audiências públicas. A de março de 2017 trouxe defensores da aplicação de agrotóxicos do Canadá, Estados Unidos e Austrália. A indústria interessada, os ruralistas e o próprio Ministério da Agricultura também foram contemplados na maior parte delas. No entanto, não há sinais de participação de trabalhadores rurais, diretamente expostos a essas substâncias, e nem dos consumidores, que cada vez mais exigem alimentos saudáveis, livres de veneno.

Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a aprovação do pacote é tida como certa nos setores diretamente interessados, como os fabricantes de agrotóxicos e sementes transgênicas. Tanto que já há disputa entre os aspirantes à presidência dessa nova comissão, a CTNFito. Um deles é o ex-presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Edivaldo Domingues Velini, envolvido em conflitos de interesse com empresas do setor de transgênicos e agrotóxicos, como a Monsanto, Basf, Syngenta, Dow, Arysta, que financiaram muitas de suas pesquisas. Essa relação ilegal e histórica na CTNBio talvez explique a aprovação de todos os pedidos de transgênicos feitos até hoje. Um relacionamento, aliás, que tem tudo para se repetir em uma eventual CTNFito.

No vídeo abaixo, de origem desconhecida, o revoltante mau trato a um animal durante aplicação de veneno. Assista: