Surto de diarreia é prova da negligência da Sabesp, diz ONG do Guarujá

Vigilância em Saúde admite contaminação; prefeitura do Guarujá nega. Em nota, Sabesp diz que não há nenhum problema com a qualidade da água

São Paulo – Encafifada com a falta de pressão da água em suas torneiras, Andrea Amorim, moradora do Guarujá, litoral de SP, chamou a Sabesp. O funcionário, que só veio duas semanas após a solicitação, abriu o cavalete. A causa do problema era um sapo entalado no cano.

“Além de podre, o bicho estava se desmanchando. Seus pedaços estavam passando pela peneira”, conta a moradora. “Isso é um desrespeito com a nossa saúde e com os cidadãos que pagam caro por um serviço porco e nojento. O episódio acabou com o Natal de minhas crianças que, com nojo, não comeram nada da nossa ceia. A sensação é de humilhação por pagar por um serviço propalado como de qualidade e que, na verdade, tem origem no brejo”. Dias depois, segundo ela, a água continuava com cor de urina e cheia de areia.

Outro lado: Sabesp contesta

Em nota, a Sabesp afirma que não há qualquer problema com a qualidade da água entregue na cidade, que é potável e atende aos padrões estabelecidos pela portaria 518 do Ministério da Saúde. Diz ainda que, como atividade rotineira em todo o seu sistema de abastecimento, 18 mil análises são realizadas todo mês em mais de duas mil amostras coletadas em diferentes pontos do sistema, sendo 125 delas no Guarujá, e que, especificamente na região da Baixada Santista, são feitos mais de 1.800 testes bacteriológicos mensais.

A empresa reitera que é infundada e irresponsável qualquer afirmação sobre problemas na qualidade da água distribuída no município, inclusive pelos riscos de provocar pânico. “A população pode e deve consumir com tranqüilidade a água que chega à sua casa pelas redes de abastecimento e deve ter o cuidado com fontes não seguras que podem, estas sim, ter a água contaminada e representar um risco real à saúde e à vida”, conclui a nota.

 O episódio ocorreu no último dia 23 de dezembro. Coincidência ou não, poucos dias depois começaria mais um surto de vômito e diarreia na cidade, que desta vez afetou pelo menos 1.700 moradores e turistas, entre eles a atriz Maria Fernanda Cândido e Ronald, filho de Ronaldo, o Fenômeno. Por causa da repercussão e da suspeita de surtos nas cidades litorâneas vizinhas, nesta quarta-feira, dia 13, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), colheu amostras de água de praias do Guarujá e Santos para análises.

Embora a direção da Vigilância em Saúde no município tenha admitido que a água contaminada está entre as prováveis causas do surto, a prefeitura do Guarujá inocenta o liquído que a Sabesp retira do rio Jurubatuba, em Santos, e distribui à população sem antes filtrar ou decantar. Por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que as causas do problema não são conhecidas e que as autoridades municipais aguardam os resultados dos testes realizados pelo Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo.

O secretário de meio ambiente, Elio Lopes de Oliveira, não acredita que o surto seja culpa exclusiva da água – senão haveria esse tipo de problema o ano todo, segundo diz. Mas admite que a qualidade do abastecimento deixa muito a desejar. “Como não há estação de tratamento na cidade, o procedimento se limita ao uso de cloro. A falta de filtragem e decantação, aliás, faz com que na época chuvosa haja acúmulo de matéria orgânica e a água também fica barrenta”.

A Rede Brasil Atual procurou a Sabesp para comentar a denúncia da ONG. Por meio da assessoria de imprensa, a empresa informou que sua posição oficial é a que está expressa em nota em sua página na internet (leia box acima).

Para a organização não-governamental Princípios – Agência Nacional para o Desenvolvimento e Ação Social, do Guarujá, os episódios de diarreia e vômito expõem a antiga negligência da Sabesp. Segundo a coordenação, que acompanha laudos emitidos pela Vigilância Sanitária Municipal, Instituto Adolfo Lutz e pela própria companhia, nos três últimos anos, a água está imprópria. As amostras apresentam coliformes totais e fecais acima do que a legislação permite.

O advogado da ONG, Sidnei Aranha, conta que em 2007 entrou com liminar em ação civil pública, pedindo que a companhia reduza a contaminação da água por coliformes fecais (bactérias presentes nas fezes) e termotolerantes (que evidenciam contato com o esgoto). Pela legislação, é permitido um máximo de 5% desses microorganismos nas amostras colhidas. No Guarujá, porém, os níveis de contaminação estavam acima do permitido em dez das 14 análises realizadas.

A Justiça acatou o pedido que exige ainda que a empresa entregue, diariamente, laudos medindo a qualidade da água e realize campanha publicitária esclarecendo a população sobre doenças causadas pelo consumo de água suja, sob pena de multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento de cada um dos itens. O juiz determinou ainda que a prefeitura entregasse à Justiça o contrato de concessão de serviços pela companhia, a planilha de arrecadação e o número de atendimentos relativos a doenças causadas pela contaminação. As determinações não foram cumpridas.

Em 2008, a Justiça acatou novo pedido de liminar, com as mesmas determinações da primeira, porém elevando o valor da multa para R$ 200 mil para cada dia de descumprimento. A companhia continua contestando judicialmente as ações e com isso adia as providências necessárias.

No final de janeiro do ano passado, depois que Gesner de Oliveira, presidente da companhia, foi finalmente intimado pela 3ª Vara Cível do Guarujá a fornecer água potável e de qualidade, a empresa apresentou o projeto de construção da estação de tratamento de água Jurubatuba. A obra deverá será construída em Vicente de Carvalho. Estão previstas adutoras de água bruta e tratada, um reservatório com capacidade de 10 milhões de litros e tecnologia avançada em sistema de floculação, flotofiltração e desinfecção com capacidade para produção de 2 mil litros de água tratada por segundo.
Para Aranha, as diarreias podem ser a ponta de um iceberg. Segundo ele, a água contaminada pode estar causando outras doenças mais graves. “Estamos preocupados com a forte relação entre águas que recebem muito cloro e o surgimento de câncer”, diz. Estudos mostram que a reação química entre o material orgânico em decomposição na água, como folhas, por exemplo, e o cloro, gera uma classe de subprodutos chamada trialometanos.

Muitos deles, como o clorofórmio, bromodiclorometano, clorodibromometano e bromofórmio são comprovadamente carcinogênicos. Isto é, causam câncer em diferentes espécies animais e, pelo que tudo indica, em humanos também. Os tipos de tumor associados às substâncias são os de bexiga, reto, cólon, linfoma não-Hodgkin e de mama.

Desde os anos 1970, muitos estudos têm avaliado os efeitos negativos das águas clorificadas sobre a saúde humana, o que tem gerado mudanças na legislação de diversos países. Como explica o advogado, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos analisou amostras de água provenientes de 113 estações  de tratamento e detectou a presença de 27 compostos orgânicos causadores de doenças, entre eles os trialometanos.

Esses compostos também estão associados a problemas reprodutivos, como abortos espontâneos, natimortos, defeitos congênitos, retardo no crescimento intra-uterino, menor estatura ao nascer, menor circunferência craniana e icterícia neonatal.

“Atualmente está em vigor a portaria nº 518, do Ministério da Saúde, que fixa também o teor máximo total de trialometanos na água potável. Quanto maior a dosagem de cloro, maior será a probabilidade de formação desses subprodutos perigosos”, explica Sidnei Aranha. Por isso, em 2009, foi ajuizada outra ação, desta vez exigindo a apresentação dos laudos que apontem a quantidade de trialometanos na água ofertada.

Como a ONG entende que há comprovada ineficiência da Sabesp na prestação do serviço de tratamento e distribuição da água – que é um bem público e essencial –, está ingressando na Justiça com uma outra medida cautelar. O objetivo é pedir a suspensão do pagamento da conta de água em todo o município, até que a empresa comprove a execução correta do serviço para o qual foi contratada pela prefeitura. “E se nada for feito, pretendemos denunciar a empresa na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos”, diz Sidnei Aranha. “Porque a Sabesp, há muito, deixou de ser caso a ser resolvido em institutos de defesa do consumidor e se transformou em ameaça à vida de milhões de pessoas”.

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