Afeganistão: a lógica das guerras e a guerra das lógicas

Soldado norte-americano observa o pôr do sol do posto fronteiriço Terra Nova, no norte de Kandahar, Afeganistão. Generais da Otan e dos EUA no centro dos problemas (Foto: Bob Strong/Reuters) […]

Soldado norte-americano observa o pôr do sol do posto fronteiriço Terra Nova, no norte de Kandahar, Afeganistão. Generais da Otan e dos EUA no centro dos problemas (Foto: Bob Strong/Reuters)

Repercutiram com média intensidade as declarações do general David Petraeus, comandante das tropas da Otan no Afeganistão, sugerindo que a data prevista para o começo da retirada dos militares, julho de 2011, poderia ser “prematura”.

O anúncio da futura retirada fora sublinhado pelo presidente Obama no ano passado, ao enviar mais 30 mil soldados para o Afeganistão. Petraeus foi nomeado para o posto em substituição ao general Stanley McChrystal depois que este deu uma polêmica entrevista à revista Rolling Stones, criticando a política de Obama para a região e vários países que compõem as forças de intervenção no país asiático, entre eles a França.

As recentes declarações de Petraeus foram interpretadas em grande escala como um índice das dificuldades sérias que as forças da Otan têm encontrado no seu enfrentamento com os Talebãs. Mas houve também interpretações mais sutis, que apontam para um possível confronto, não tão espetacular como o de McChrystal, mas de resultados mais dramáticos, entre Petraeus e Obama.

Aparentemente, Petraeus estaria apoiado na lógica da guerra: previsões expõem cronogramas ideais, mas o que decide mesmo é a situação do enfrentamento no campo de batalha. Porém existe também uma guerra de lógicas no bastidor dessas decisões.

Petraeus era visto como um general, digamos, apolítico, se isso for possível. Entretanto o período que passou no comando das forças “aliadas” no Iraque, visto como “bem sucedido” (não sei bem por que, mas essa avaliação existe), o credenciou o suficiente para despertar o desejo em círculos republicanos que ele seja o próximo candidato a enfrentar Obama em 2012.

Ainda não dá para saber se a mosca azul picou de fato o general. Mas o fato é que ser o general que comandaria uma retirada em 2011 com ares de uma possível derrota, ou pelo menos de impasse na frente de batalha, o descredenciaria para aquilo que sua atuação anterior o credenciara.

O movimento de Obama – despertado pela necessidade de substituir McChrystal – foi duplo, e demonstrou uma certa lógica. Nomeando Petraeus, fê-lo embarcar na canoa da sua política para o Afeganistão, para o bem e para o mal. Se Petraeus não tiver sucesso em levar adiante a prevista retirada, o problema será dele. Se conseguir, a vitória fora do campo de batalha será da política do atual presidente.

De qualquer modo, analisando os episódios de um ponto de vista mais abrangente, eles mostram os sucessos e os insucessos da política norte-americana para a região.

O sucesso está na própria guerra, porque ela é necessária para manter a mobilização do império, o que inclui os aliados, em torno dos objetivos, das ações e da lealdade para com o “hegemon” – a potência dominante e líder.

O insucesso está no fato de que esta guerra vem se mostrando inviável e impopular. É curioso ver como, ao contrário dos tempos do Eixo ou da Guerra Fria, as últimas guerras vem sendo disputadas contra inimigos que os próprios Estados Unidos criaram e alimentaram. Assim foi com o Iraque de Saddam Hussein, armado pelos EUA para enfrentar o Irã; assim foi Osama Bin Laden e a Al Qaeda, e também os Talebãs, armados e incentivados pelos EUA para lutarem contra os soviéticos na guerra da década de 80.

Na década de 70 o Afeganistão teve por governo aliados da hoje extinta URSS. Quando esse governo foi derrubado e seu líder assassinado, com apoio dos EUA e do Serviço Secreto do Reino Unido, os soviéticos interferiram com uma força, inicialmente, de 100 mil homens – ao final de 1979. Na guerra que se seguiu, os EUA deram, entre outros apoios, mísseis e seus lançadores para que os Talebãs pudessem enfrentar os blindados e os helicópteros soviéticos. Muitos desses mísseis e lançadores hoje são usados contra as forças da OTAN, e com algum sucesso.

Mas os Talebãs que, quando chegaram ao poder na década de 90, depois que em 89 o Exército Vermelho bateu em retirada, derrotado, impuseram um governo islâmico tão ou mais rígido que o do Irã, têm características muito diferentes do que os outros inimigos que os EUA ajudaram a criar.

Essas diferenças começam pelo fato de que não há um “líder-alvo”, como no caso de Saddam Hussein ou de Osama Bin Laden. Os Talebãs não são uma etnia, mas sim um movimento, e têm apoio em vários países – inclusive no Paquistão, cujo Serviço Secreto recentemente foi alvo de denúncias de que os estaria ajudando, apesar desse país, oficialmente, apoiar a OTAN.

Para completar esse quadro, os Talebãs se enquadram, também, na lógica da guerra. Mobilizados desde a década de 80 – então contra os soviéticos – eles contam já com duas ou mesmo três gerações cuja única “realidade” é a guerra. Esta, como disse um analista, significa “ocupação” e “emprego”, enquanto a paz significaria “desocupação” e “desemprego”.

Quando o presidente Jimmy Carter decidiu começar a dar apoio aos guerrilheiros Mujahidin, como eram chamados na época, houve assessores seus que exultaram, prevendo que estariam atraindo o arqui-inimigo, a finada URSS, para uma armadilha: o “Vietnã deles”. Tinham razão. Mas o que não previam era que estavam ajudando a criar o inimigo perfeito: aquele que não acaba.

A única maneira de acabar com os Talebãs seria propiciar a mudança da sua natureza numa mesa de negociações. Seria isso possível? Uma porta se entreabriu recentemente com o anúncio de que possivelmente o território afegão seria rico em minérios de primeira grandeza, como o lítio e outros, em reservas bilionárias – seja qual for a moeda que exprima isso.

Mas pela atual lógica das coisas, isso, ao invés de propiciar a paz, só poderia intensificar a guerra.