Papel mundial do Brasil traz mais responsabilidade em relação aos direitos humanos

Em entrevista à Rede Brasil Atual, coordenador da Anistia Internacional afirma que crescimento econômico não pode ser feito sobre violações de direitos

Cela com capacidade para 36 presos abriga 281 no Departamento de Polícia Judiciária de Vila Velha, no Espírito Santo (Foto: Wilson Dias. Agência Brasil)

Tim Cahill, coordenador da Anistia Internacional para assuntos brasileiros, aponta que o país avançou em alguns pontos, como a confirmação pelo Supremo Tribunal Federal da demarcação de terras da Reserva Raposa Serra do Sol e a discussão dos crimes de tortura cometidos durante a ditadura. Ainda assim, há um centro profundo de violações de direitos humanos “naquela junção onde há uma falta de implementação dos direitos civis e políticos e uma negação dos chamados direitos econômicos, sociais e culturais”, afirma Cahill.

No geral, o relatório divulgado na quinta-feira (28) pela entidade atenta para o fato de que o mundo inteiro passa por um momento delicado em relação aos direitos humanos: a crise econômica, ao gerar pobreza, coloca em risco conquistas sociais e deixa ainda mais vulneráveis aqueles que já estavam sujeitos a violações. No Brasil, um relatório do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas mostra que, mesmo em meio à turbulência econômica, o caminho de redução dos índices de pobreza não sofreu desvios até o momento.

Entrevistado pela Rede Brasil Atual, o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência, Nilmário Miranda, chamou atenção para o fato de o documento repetir vários dos pontos elencados no ano passado, o que pode ser um sinal de dificuldades em resolver determinados problemas. Para ele, resolvida a questão de Raposa Serra do Sol, o principal tema indígena passa a ser das aldeias de Dourados, no Mato Grosso do Sul, em que há miséria e conflito pela posse de terras. O ex-ministro aponta que, nesse caso, o Poder Executivo tomou diversas atitudes, mas a continuidade do processo de melhoria depende de decisões do Judiciário.

Problema semelhante vive a política de segurança pública, que em muito depende dos estados. Nilmário Miranda destaca que o Governo Federal conseguiu avanços importantes, como a implementação pela Secretaria Nacional de Segurança Pública de programas de treinamento de policiais. O ex-ministro aponta que foge à esfera federal se os policiais, em seus estados, estão cometendo abusos. Elogiando o trabalho da Anistia Internacional, ele lembra que, para as entidades de defesa dos direitos humanos, não interessa se o responsável é a União, os estados ou os municípios, mas que as violações sejam combatidas.

É isso o que afirma Tim Cahill. O coordenador da instituição ressalta que o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais de direitos humanos e que, por isso, cabe ao Estado a função de fazer cumprir esses convênios. Mas ele adverte que “estamos vendo sistematicamente que os governos estaduais estão falhando na sua responsabilidade em garantir os direitos humanos em todas as áreas, seja no acesso a direitos econômicos e sociais, acesso à educação, à saúde, seja quanto a garantir que eles [os direitos] não são abusados pelos agentes do Estado”.

Sobre a situação específica do Espírito Santo, em que problemas das mais diversas origens em presídios têm sido denunciados nas últimas semanas, Tim Cahill lembra que há dez anos a Anistia Internacional elaborou um relatório falando das violações: “claramente, o fato de que esses problemas persistem hoje mostra uma negligência profunda por parte do estado. Crimes horrorosos de esquartejamento dentro do sistema carcerário, tortura sistemática, condições extremamente precárias, o uso de presídios microondas [contêineres]”. Nilmário Miranda destaca que os presídios são um problema do país como um todo. Agora, Espírito Santo está em foco, mas na sequência pode haver denúncia em qualquer outro estado, como já foi o caso de Rondônia.

Crescimento econômico

No relatório, o órgão lembra que, apesar do crescimento econômico, persistem os problemas de ordem social como a profunda desigualdade. Tim Cahill afirma que “temos recebido seguidamente denúncias de casos de projetos econômicos de desenvolvimento que estão impactando sobre comunidades. Acho que temos que reforçar ao Brasil que a Anistia reconhece e aplaude o momento de crescimento, que o país tem muito para contribuir em nível internacional, mas reforçamos a necessidade de o governo brasileiro reconhecer que tem muitas responsabilidades para assegurar os direitos humanos de todos”.

O coordenador da entidade lembra os avanços promovidos pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, como a ampliação do debate sobre a punição de crimes cometidos durante a ditadura militar. O ex-ministro Nilmário Miranda acrescenta que a questão fundiária no Pará, tida como a mais problemática, melhorou bastante na gestão de Ana Júlia Carepa, “que age em consonância com o Governo Federal”. O plano de erradicação da tortura e o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) são dois outros pontos apontados como positivos por Miranda.

Ele destaca que, ao longo dos três anos em que esteve à frente do ministério (2003-2005), aprendeu que direitos humanos são “um problema de difícil solução porque envolve várias unidades federativas, envolve uma cultura de violência. O importante é ter projetos de enfrentamento desse problema. É uma solução de médio e longo prazo, mas não pode haver nem estagnação nem retrocesso. Não pode haver acomodação. A lógica é procurar enfrentar problemas e, ainda que as conquistas sejam lentas, que sejam permanentes”.