A contribuição do FSM para as questões do futuro

Como foi informado anteriormente, o Fórum Social Mundial em 2010 é descentralizado, vai ocorrer ao redor do mundo, na forma de fóruns regionais ou temáticos, e ao longo de todo […]

Como foi informado anteriormente, o Fórum Social Mundial em 2010 é descentralizado, vai ocorrer ao redor do mundo, na forma de fóruns regionais ou temáticos, e ao longo de todo o ano, e por isso alguns dos temas surgidos em Porto Alegre certamente contribuirão às discussões em outros lugares.

Neste fim de semana, por exemplo, Salvador deu continuidade aos debates, entre os dias 20 e 31 de janeiro – a Rede Brasil Atual acompanhou. Como balanço final dos trabalhos na capital gaúcha, separamos alguns dos assuntos que serão apresentados em outras partes do planeta e podem estar presentes na reunificação, em 2011, no Senegal.

Pós-capitalismo

O tema, que ganhou força com a crise financeira, manteve papel central neste ano, já com algumas derivações. Esteve presente nos discursos de diversos painéis a noção de que estamos vivendo uma crise civilizatória, na qual o sistema econômico é um dos pilares que estão por ruir. Essa crise afeta também as relações culturais, ambientais e sociais.

Como bem definiu o pensador português Boaventura de Sousa Santos, ainda não se sabe o que será o pós-capitalismo. “Há uma diferença no Fórum dos que pensam que a solução é o capitalismo benévolo, outros que pensam que a solução é ambiental, outros que pensam que deve ser num contexto pós-capitalista. O que é certo é que todos estão hoje convencidos no Fórum de que não podemos perder oportunidades de melhorar a vida das pessoas agora. Não temos de esperar uma aurora brilhante adiante porque, se não atuarmos já, provavelmente o ‘lá adiante’ não existirá”.

Bem Viver

A importância de não separar temas ambientais dos sociais e políticos fortaleceu-se a partir de Belém (2009) e este ano foi um dos guias da pauta. É consenso que não se pode tratar os assuntos divorciados entre si, como se o aquecimento global nada tivesse a ver com o sistema capitalista.

Dentro disso, outro assunto surgido no Fórum do ano passado foi citado em diversas discussões. Houve até  mesmo uma importante mesa sobre o Bem Viver. A conclusão é  de que, para o Bem Viver, um conceito indígena, não é preciso preencher os requisitos econômicos do sistema atual.

Mercia Andrews, ativista sul-africana, lembrou de uma província de seu país extremamente rica na produção de frutas e vinhos, mas com uma enorme concentração de terra e situações de extrema pobreza. Uma pesquisa conduzida por ela mostrou que a maioria das pessoas considerava que, para viver bem, bastaria uma pequena faixa de terra na qual pudessem produzir subsistência e uma escola próxima para os filhos.

Obviamente, o conceito e as necessidades variam de acordo com a região e a situação.

Valorizar o tradicional

O tema do Bem Viver surgiu a partir da inserção dos povos andinos no debate. As sociedades originárias de Bolívia, Peru e Equador cultivam o respeito à natureza (Mãe Terra ou Pachamama) há muitos séculos e sabem que não pode haver divórcio entre ambiente e os modos de vida.

Sobre isso, duas intervenções foram interessantes. A primeira delas foi de Roberto Espinoza, do Fórum Crise de Civilização, do Peru, que fez duras críticas à atuação de empresas brasileiras nos países da América do Sul. Ele citou projetos da IIRSA, iniciativa de integração continental que tem megaprojetos ligando o Atlântico ao Pacífico ou instalando hidrelétricas em regiões amazônicas.

“Para sair da crise financeira se requer mais petróleo, mais mineração, mais pressões sobre a Mãe Terra. A alternativa de desenvolvimento sustentável tem de render contas de sua incapacidade de parar o suicídio planetário”, completou.

A outra intervenção relevante no sentido do Bem Viver foi de Segundo Churuchumbi, da Confederação dos Povos Quéchua do Equador. Ele basicamente falou de algo que todos vinham reconhecendo como fundamental: a valorização dos conhecimentos tradicionais como alternativa ao atual modelo.

“Respeitar Pachamama (o planeta, numa tradução livre) significa a não-contaminação da água, do ar, de nosso solo, nossa casa, nossa vida. Não ao saqueio insustentável dos recursos naturais. Se seguirmos no atual modelo, a vida vai desaparecer desse planeta”, afirmou.

Boaventura de Sousa Santos destacou que a transição da natureza capitalista à natureza solidária – ou da Mãe Terra – é uma das cinco mudanças necessárias para chegar ao pós-capitalismo. O professor da Universidade de Coimbra manifestou que será na América Latina que deverá surgir uma globalização alternativa e que, para isso, o Brasil precisa reconhecer seu papel e deixar de omitir-se.

Se é preciso valorizar os conhecimentos tradicionais, está bem encaminhada a realização do próximo Fórum no Senegal. O continente africano é, possivelmente, o que melhor preservou esses conhecimentos, que até hoje passam de geração em geração pela cultura oral.

Papel da sociedade

A construção da próxima etapa, até  agora chamada de pós-capitalista, não será fácil – e muitos acreditam que sequer virá. De toda maneira, foi consenso neste Fórum um tema que já havia surgido anteriormente, que é da construção da hegemonia de baixo para cima, ou seja, da sociedade civil para o Estado.

Nesse ponto entra a importância da articulação entre os movimentos de maneira a formar um diálogo que, segundo alguns dos fundadores do processo Fórum Social Mundial, ainda não ocorreu efetivamente.

“Se você olhar os temas da nova agenda, não estamos falando dos temas ‘clássicos’ da esquerda. Não estamos falando só do Estado, estamos falando em repensar o Estado e se o Estado tem de ser a forma de organização. É uma forma hegemônica que parte do Sul para o Sul. O reconhecimento de que a transformação se faz com os movimentos, a partir deles e da articulação deles, é uma ideia que já é a construção de uma nova hegemonia”, assinala Moema Miranda, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Além disso, considera-se que a construção da nova hegemonia só será possível caso se faça justiça com o passado, ou seja, deixe-se de lado de uma vez por todas os preconceitos, como o sexismo, o colonialismo e o racismo.

“O Fórum Social Mundial está no território intermediário entre o que já não é e o que ainda virá a ser. O velho e o novo se disputam permanentemente”, assinalou a feminista uruguaia Lilian Celiberti.

Em resposta a João Pedro Stédile, do MST, que havia apontado a luta antiimperialista como foco, ela afirmou: “A diversidade nos coloca frente a nossas próprias contradições. A luta antiimperialista não basta. Precisamos da luta antirracista, antipatriarcal. A hierarquização das lutas é um dos temas que se colocam em disputa no Fórum”.

Possível ou necessário?

Mais uma das questões levantadas por Boaventura de Sousa Santos é de que é preciso superar dois problemas ao mesmo tempo. Por um lado, luta-se pela formação de um novo modelo de mundo. Por outro, pela superação de injustiças do atual contexto, como a desigualdade social, a exclusão e a miséria.

Dentro disso ganha a cada ano mais seguidores a ideia de que os países devem parar de crescer. Ou seja, desenvolvimento econômico deixaria de ser o discurso-base para atingir melhorias sociais.