Primeiros mártires homenageados são os da luta pela terra

Após uma década da morte do padre João Bosco Penido Burnier, romaria passou a ser organizada a cada cinco anos (Foto: Douglas Mansur) Em 1976, o padre João Bosco Penido […]

Após uma década da morte do padre João Bosco Penido Burnier, romaria passou a ser organizada a cada cinco anos (Foto: Douglas Mansur)

Em 1976, o padre João Bosco Penido Burnier e o bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, retornavam de um enconto com indígenas quando foram informados que duas mulheres estavam sendo torturadas. Uma era irmã e, a outra, a nora de um sitiante que atirou contra um soldado que viera assassinar seu filho.

Um conflito que, como muitos na história do Brasil, teve como início a disputa pela terra. Presas, foram forçadas a ajoelhar no milho e em tampas de garrafa para que confessassem o paradeiro do sitiante. Quando Burnier foi à delegacia cobrar a liberdade das mulheres, foi chamado de “comunista” e “subversivo”, e sofreu um tiro. Socorrido por Casaldáliga, não resistiu aos ferimentos e morreu.

Dez anos após a morte de Burnier, o Casaldáliga deu início à romaria, que celebra sua sexta edição neste fim de semana em Ribeirão Cascalheira, no Mato Grosso. Neste ano, também são lembrados os 40 anos da prelazia, responsável por lutar pelos direitos de indígenas, ribeirinhos e camponeses.

“É o sonho de um outro mundo, de um outro país, de uma outra igreja onde os povos possam viver em justiça, em igualdade, com acesso a comida, a água”, conta o padre Laudimiro Borges Mirim, que viveu em Ribeirão Cascalheira entre 1986 e 2001.

Ele está na cidade há três meses para ajudar nos preparativos da romaria, que mobiliza toda a cidade de 8.800 habitantes e trará até cinco mil pessoas de outros estados e países à região do Araguaia, famosa pelos grupos de resistência à ditadura militar. Durante alguns dias, todos os cidadãos abrem suas casas para acolher os visitantes e as refeições são feitas de maneira comunitária, na praça central do povoado.

É também um momento para que as crianças tenham contato com a história local por meio do resgate da memória oral. Ao longo da semana, durante todas as noites há encontros em pontos que contam a história da cidade. Lá, as pessoas com mais idade narram aquilo que se lembram sobre os episódios de repressão. “A romaria é o momento de fazer memória, contar essa história e não deixar que seja esquecida”, analisa Mirim.

Além de Burnier, os romeiros celebram a memória de todos que tenham caído lutando pelo respeito à vida. O tema deste ano convoca a lembrar que, sob o ponto de vista do catolicismo, todos são testemunhas de Deus na Terra. “Isso é ir até as últimas consequências para que haja Justiça, para que os direitos dos povos, da juventude, do povo da roça, dos negros, dos indígenas sejam respeitados.”

A execução do padre Burnier foi reconhecida pelo Estado brasileiro apenas no fim da última década. Os assassinos, apesar de haver testemunhas dos fatos, continuam soltos.

João Peres e Douglas Mansur viajam a Ribeirão Cascalheira (MT) para acompanhar a Romaria dos Mártires. Os relatos e fotografias são publicados neste blogue, criado exclusivamente para a cobertura