Só falta a Globo escalar Galvão Bueno para narrar o julgamento do ‘mensalão’

Imprensa assedia Thomaz Bastos no julgamento do STF: em vez de seriedade, espetáculo para o horário nobre das TVs (José Cruz/ABr) Gurgel tropeça na bola e Gilmar apita: penaaaaalidade máxima! […]

Imprensa assedia Thomaz Bastos no julgamento do STF: em vez de seriedade, espetáculo para o horário nobre das TVs (José Cruz/ABr)

Gurgel tropeça na bola e Gilmar apita: penaaaaalidade máxima! E aí, Arnaldo? Olhando o replay não foi pênalti contra o time do PT, mas do ângulo que o juiz Gilmar estava, ele pode ter confundido, ele não viu”.

A cobertura dos barões da mídia no julgamento do chamado “mensalão” está mais para o oba oba das promoções de lutas de UFC do que para noticiário político sério. Requentam os velhos bordões e chavões martelados durante sete anos, sem buscar aprofundar, nem informar a verdade.

Mas vamos lá. Como é o sistema político brasileiro? Permite coligações de partidos? Sim. O financiamento de campanha eleitoral é exclusivamente público? Não. Os partidos são obrigados a passar o chapéu no empresariado, se quiserem concorrer com chances.

É óbvio que partidos coligados também precisam de dinheiro para financiar a campanha de deputados, senadores, prefeitos, vereadores etc. O empresariado sempre prioriza doações para quem tem poder de mando, ou seja, para o partido cabeça de chapa. Logo é natural que partidos coligados também exijam que o cabeça de chapa repasse parte das doações. E, até prova em contrário, foi isso – e apenas isso – que Delúbio Soares fez. Seu erro, já admitido, foi ter o operado o chamado caixa 2.

A função de Delúbio era fechar as contas partidárias. Ele buscava doações ou empréstimos e cumpria os acordos entre os partidos para disputarem eleições, e não para garantir a governabilidade do governo Lula. O próprio Delúbio não tinha obrigação e nem como saber o que era feito do dinheiro depois que ia para outros partidos ou candidatos. E nem o que era feito do dinheiro antes de entrar como doação ou empréstimo – afinal como saber o que se passava dentro da gestão das empresas privadas com as quais mantinha contato?

A lei é assim. É uma porcaria de lei, porque empreiteiras, bancos e até bicheiros (!) financiam campanhas, em geral buscando vantagens futuras nos governos. Os governantes eleitos têm que ser muito populares, como foi Lula, para ter como resistir aos ataques de corruptores sem ser derrubado (como tentaram) e ainda ser reeleito.

Mesmo resistindo, como o Estado brasileiro é grande (e tem que ser, para sermos uma grande nação e haver democracia popular), lobistas acabam conseguindo se infiltrar pelas bordas. Mas são casos à parte, são elos fracos da corrente que se rompem, e que órgãos como a CGU (Controladoria Geral da União) vivem tendo que expulsar do serviço público, e que a Polícia Federal vive tendo que fazer a faxina – limpezas que, diga-se, passaram a ser muito mais frequentes desde o primeiro governo Lula.

A lei não prevê caixa 2, é claro, mas também sempre tratou o caixa 2 como uma infração menor, o que acabou se tornando sinônimo de tolerância e uma prática disseminada nas campanhas eleitorais. Basta ver que o mensalão tucano teria passado despercebido e estaria funcionando até hoje, se Lula não tivesse sido eleito. Só quando descobriram o caixa 2 do PT é que desvendaram, por tabela, o mensalão tucano (e mesmo assim, com uma enorme má vontade em aprofundar as investigações, com medo de atingir Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin).

O leitor deve perguntar: e a turma que deu dinheiro, fez de graça? As intenções podem ser as mais diversas e escusas possíveis, como pode ser também de quem doa oficialmente pelo caixa 1. Daniel Dantas investiu fortunas em publicidade nas empresas de Marcos Valério, e acabou sendo preso durante o governo Lula. As próprias empresas das quais Valério era sócio sofreram devassa da Receita Federal e da Polícia Federal. O Banco Rural também.

Estamos acostumados com políticos demagogos, que dão tapinhas nas costas do eleitor pobre, quando ele pede emprego ou bens materiais. Talvez nunca tenhamos visto gente que faça algo parecido com grande financiadores de campanha, por isso muita gente acha difícil acreditar. Mas então, por que razão o mensalão tucano funcionou tão bem desde a década de 90, e não funcionou no governo Lula?

À luz dos fatos, é razoável considerar se os petistas aceitaram doações para campanha via caixa 2, mas recusaram retribuir com dinheiro público. Talvez, justamente por contrariar interesses, é que todo o escândalo veio à tona. Porém, em vez de focar no que aconteceu realmente, que foi o caixa 2 (coisa que também comprometeria justamente os corruptores, com interesses contrariados), havia o interesse da oposição e da imprensa demotucana em forjar boatos de que a origem do dinheiro seria público e, em vez de caixa 2, haveria compra de votos parlamentares.

São estas outras vertentes desta história que são censuradas do noticiário, por interesse eleitoreiro dos barões da mídia em favorecer seus aliados demotucanos – e daí vem a opção pela cobertura espetaculosa e “esportiva” de um julgamento jurídico de um processo político.

Se o Procurador-Geral conseguir provar, não por ilações, mas com provas materiais, que alguém meteu a mão em dinheiro público para favorecer os financiadores do chamado “mensalão”, teremos que aceitar a condenação de quem tenha sido responsável pelo delito. Mas condenar quem não cumpriu as supostas expectativas de corrupção de financiadores de campanha, será uma completa inversão de valores.