Conhecimento

Instituto Cajamar: origens da formação de movimentos sociais

Local funcionou como polo de cursos e eventos nos anos 1980 e 1990, sob desconfiança empresarial

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Imagens do Cajamar, que durante duas décadas abrigou cursos de formação para dirigentes e assessores

São Paulo – No início dos anos 1990, uma visita incomum modificou a rotina do Instituto Cajamar, no município de mesmo nome, a aproximadamente 50 quilômetros da capital paulista. Era o então presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiesp), Mário Amato, em uma época em que representantes dos trabalhadores e dos empresários se olhavam mais a distância. E o Instituto Cajamar, hoje desativado, era visto com certa desconfiança por líderes patronais e pelo próprio governo.

“Chegamos a pegar cara da polícia lá, do Dops, infiltrado”, conta o ex-coordenador Osvaldo Bargas, lembrando do período da ditadura. “Demos uma dura e botamos pra fora.” Depois disso, foi instalada uma cerca no local. Também ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e ex-secretário nacional de Relações do Trabalho, Bargas recorda que, durante certo tempo, circulavam boatos sobre a finalidade do instituto. Eram tempos, ainda, de abertura política, com ecos da ditadura, sempre com lupa em qualquer atividade relacionada a movimentos sociais.

“Escola ideológica”

“A direita falava que lá era escola ideológica. Um dia, eu desafiei os empresários a ir lá”, recorda o dirigente. Em certo momento da visita, se ouviu o barulho de bombas, vindo de uma pedreira próxima. Ele aproveitou para ironizar os boatos, afirmando aos visitantes que o ruído era de treinamento de guerrilha.

Instituído em 1986 e com funcionamento regular até 1997, o Cajamar nada mais era do que um instituto destinado à formação sindical e política. Ali eram realizados cursos e eventos em geral. “Era um sonho nosso ter uma escola (de formação)”, recorda Bargas, que viu pela primeira vez o local, à margem da rodovia Anhanguera, ao retornar um debate no Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas. Voltou uma semana depois, encontrou uma pessoa que o apresentou ao caseiro. Lembra que esse primeiro contato foi com um ex-músico, mais conhecido como Netinho. Era Luiz Franco Thomaz, do grupo Os Incríveis.

Local de memória

As memórias do Cajamar foram reavivadas recentemente, depois que a Cooperinca, cooperativa que geria o local, anunciou o fim de suas atividades. Mas as recordações do local são muitas, e coincidem com um período de reorganização de sindicatos e movimentos sociais, finda a ditadura. Recentemente, os professores Valter Pomar (Universidade Federal do ABC) e Paulo Pontes (Federal do Rio de Janeiro) publicaram texto conjunto no site do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (Lehmt) lembrando das origens do local.

“Na época, as “casas de encontros” onde se realizavam atividades de educação popular eram geralmente de propriedade de igrejas; o Instituto Cajamar se diferenciava como um grande espaço laico, dedicado às atividades de formação política”, escrevem os pesquisadores. Eles fazem referência a relatório militar, de 1987, com informações, fantasiosas, sobre futuras “aulas” de sabotagem, instalação de bombas, piquetes e até luta armada. A ditadura já havia acabado formalmente, mas para setores militares a Guerra Fria continuou.

Importância histórica

Os autores lembram ainda que o educador Paulo Freire presidiu o instituto, indicado como presidente de honra. Entre os coordenadores, Bargas, Wladimir Pomar, Gilberto Carvalho e Augusto Campos. A primeira atividade, em 1986, teve como tema a participação popular na Assembleia Constituinte, responsável pela Carta promulgada em 1988.

Para Bargas, o Cajamar não supriu a demanda do movimento sindical e social. Havia pouco investimento interno em formação, segundo ele, e às vezes os cursos eram demasiadamente teóricos, na sua avaliação. Para o ex-dirigente, faltava discutir temas mais ligados ao dia a dia sindical, como negociação coletiva. Mas ele ressalta a importância história do instituto. “Acho que atendeu aquele momento.”

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Já na segunda metade dos anos 1990, o instituto passou a ser administrado pela cooperativa agora desfeita. Nesse período, foram feitas parcerias, como a realizada no final de 2011 com a Federação dos Trabalhadores do Ramo Químico (Fetquim-CUT), para construção de salas e auditório. Uma atividade de maior porte ocorreu em 2013, com um curso de extensão universitária destinado a assessores sindicais de entidades ligadas a CUT, em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O Cajamar sempre foi um núcleo de conhecimento.