diálogo

São Paulo quer acordo com governo para que médicos dos SUS façam perícia médica

Ideia é acelerar o processo e garantir a opinião de profissionais do SUS, instituição com trabalhadores em seu conselho de controle social

Pedro França/Agência Senado

Decreto federal já sancionado pela presidenta Dilma garante que segurado passe por perícia pelo SUS

São Paulo – A prefeitura de São Paulo vai iniciar um diálogo com o Ministério da Saúde para que o município seja o primeiro do país a permitir que médicos do Sistema Único de Saúde realizem perícias médicas do INSS para concessão de auxílio-doença, de acordo com secretário municipal de Saúde, Alexandre Padilha, que estará reunido hoje (29) com o ministro interino da Saúde, José Agenor Alvares, para discutir o tema.

A ideia é colocar em prática em São Paulo um decreto federal, já sancionado pela presidenta Dilma Rousseff em 15 de março, que garante o segurado que for encaminhado para perícia médica do INSS após afastamento do trabalho superior a 15 dias passe por avaliação de um médico do INSS ou do SUS.

Para ser implementado em nível federal, ainda é preciso aprovar uma portaria conjunta do Ministério da Previdência Social e da Saúde que operacionalize o processo. “Independente da portaria, São Paulo já se colocou à disposição para implantar essa experiência inovadora. Ela acelera o processo, já que o segurado não precisa passar pelo perito do INSS depois do serviço de saúde, e garante a opinião de profissionais do SUS, que tem trabalhadores no seu conselho e no seu controle social”, disse Padilha.

A notícia foi anunciada em um debate sobre acidentes de trabalho, promovido pela CUT-SP e pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região na tarde de ontem, quando se comemora Dia mundial em Memória às Vítimas de Acidente de Trabalho. Dos 4,9 milhões de trabalhadores que se acidentaram ou adoeceram por conta do trabalho em 2013, só 703 mil acessaram a Previdência.

“Essa medida é muito importante para que o trabalhador não fique refém da clínica ou do convênio pagos pela própria empresa”, disse a presidenta do Sindicato dos Bancários, Juvandia Moreira. “Queremos entender por que o trabalhador está adoecendo? E temos que discutir também que modelo de Estado queremos para o trabalhador. Os direitos conquistados com muita luta, como os que asseguram os trabalhadores em caso de acidente, podem se perder. Não vamos permitir que esse golpe nos trabalhadores se concretize.”

No fim do ano passado, o PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, divulgou um documento chamado “Uma ponte para o futuro”, contendo premissas que deveriam ser seguidas pelo governo federal. Para movimentos sociais e sindicais, tais medidas representam um retrocesso social e um ataque aos direitos trabalhistas, em um indicativo do que poderá ser um eventual governo Temer.

Além disso, tramitam no Congresso Nacional pelo menos 50 projetos que pretendem retirar direitos dos trabalhadores, de acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Um deles é o Projeto de Lei 30, que legaliza a terceirização de todas as atividades de uma empresa, o que atualmente é proibido pela Justiça. O texto já foi aprovado pela Câmara e agora está no Senado.

Ao todo, oito em cada dez acidentes de trabalho no Brasil ocorrem com trabalhadores terceirizados, que respondem ainda por quatro em cada cinco mortes em decorrência de acidentes laborais, de acordo com dados da CUT.

“A maioria no nosso parlamento, a grande imprensa e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não têm compromisso com a garantia de direitos, que demanda a distribuição de riquezas”, continuou Padilha. “O documento ‘Uma ponte para o futuro’ desobriga estados e municípios de um investimento mínimo em saúde”, disse.

O secretário também criticou a proposta de cobrança por procedimentos do SUS de acordo com a faixa de renda do usuário, sugerida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), em agosto do ano passado, na “Agenda Brasil”, documento entregue ao Planalto com 28 medidas para enfrentar a atual crise econômica. “Na prática, os equipamentos de saúde vão acabar se organizando para atender quem paga.”

“O Brasil não pode continuar financiando as políticas públicas com impostos dos trabalhadores e dos pequenos empreendedores, que proporcionalmente são quem paga mais”, disse Padilha. “Se para criar o SUS nos inspiramos nos sistemas de saúde europeus, precisamos do sistema tributário deles, com taxação de grandes fortunas e de grandes heranças.”

O coordenador de Saúde do Trabalhador na Secretaria Municipal de Saúde, Ricardo Menezes, reforçou que os movimentos sociais não podem permitir a retirada de direitos. “Querem restabelecer o padrão de exploração de mão de obra anterior dos governos Lula e Dilma”, disse no evento. “Não conseguimos ainda superar um modelo da ditadura militar, que faz com que a empresa controle a saúde do trabalhador, pelo convênio médico.”

“Quem anda atua na saúde do trabalhador é o empregador, como no começo do capitalismo”, concordou a advogada do sindicato dos bancários, Maria Leonor Jakobsen. “O empresariado brasileiro ainda tem um ranço cultural forte da escravidão, que nega qualquer direito de informação ou participação para os empregados. Não vamos permitir que um governo ilegítimo desmembre direitos sociais. Não podemos permitir retrocessos.”

A médica e pesquisadora do Fundacentro, Maria Maeno, criticou a subnotificação de acidentes de trabalho. “Depois de anos de sistemas informatizados continuamos sem saber quantos acidentes de trabalho temos nem o que os provoca”, disse. “Quais as empresas que matam e adoecem? Isso é um segredo guardado a sete chaves. O Estado não divulga os dados da Previdência Social para os brasileiros.”

A especialista reforçou que a situação pode piorar com mudanças previstas na forma de preencher os formulários relativos aos acidentes de trabalho, previstas para janeiro de 2017. Atualmente, as informações são prestadas separadamente à Previdência Social, à Receita Federal e ao Ministério do Trabalho. Com a mudança, devem ser unificadas em uma mesma plataforma, o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial).

As empresas utilizarão a plataforma para notificar acidentes de trabalho, devendo informar, por exemplo, quais fatores de risco a empresa oferece, qual foi o agente causador do acidente e que parte do corpo foi lesionada. “Que empresas vão declarar essas coisas e afirmar que oferecem riscos e condições ruins de trabalho?”, questionou.