Governo quer formar cooperativas com detentos, diz Paul Singer

Parceria entre Senaes e Ministério da Justiça incluiria também egressos do sistema carcerário. Na terceira parte da entrevista, Singer discute as trasnformações sociais e a crise econômica internacional

Singer: “O sistema de crédito capitalista luta heroicamente pelo lucro máximo jogando, porque é um jogo” (Foto: Gervásio Baptista/Agência Brasil)

Formar redes de cooperativas de presos e egressos do sistema penitenciário brasileiro é o alvo de um programa planejado pelo governo federal. Em uma parceria entre a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), o objetivo seria organizar economicamente as pessoas detidas.

Na terceira parte da entrevista, o economista Paul Singer, da Senaes, discute ainda as transformações provocadas pelo tripé política de valorização do salário mínimo, Bolsa Família e aposentadoria rural. “Essas três coisas levaram metade dos pobres a deixar de serem tão pobres. Não ficaram ricos, mas conseguem colocar os filhos na escola, alimentá-los com duas ou mais refeições por dia, se possível três; esse filhos provavelmente vão ter mais oportunidades do que seus pais tiveram”, afirma.

 

Entrevista

Paul Singer

Economista e titular da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes)

Singer comenta ainda a crise econômica internacional e o comportamento de bancos dos Estados Unidos, preocupados apenas com seus lucros, a ponto de já adotarem novas formas de produtos estruturados. Uma das principais causas da crise atual foram os derivativos de crédito de hipoteca sem análise adequada de risco.

Confira os principais trechos:

RDB – A crise internacional que veio à tona em 2008 seria uma mostra das consequências do uso do crédito e do dinheiro acima de tudo como negócio em busca de lucro? O sistema bancário internacional não despreza demais a função social do crédito?

O sistema de crédito capitalista luta heroicamente pelo lucro máximo jogando, porque é um jogo, é um cassino. E a crise ainda continua, embora tenha dado uma diminuída no ímpeto. Eu li no New York Times que bancos americanos que acabaram de ser recuperados à custa de bilhões, bilhões e bilhões, já estão fazendo especulação muito semelhante à das hipotecas, que deu origem a essa crise. Eles estão comprando títulos de seguros de vida de pessoas idosas ou doentes, ou os dois. O cara tem um seguro de 1 milhão eles oferecem 400 mil. Você me vende sua apólice, e em vez dos seus herdeiros ganharem 1 milhão você recebe 400 mil em vida. Essa apólice é vendida aos fundos de pensão e a outros especuladores, empacotada em títulos, exatamente como era feito com as hipotecas, os sub-prime.

RDB – Não fica claro qual é o risco.

Sabe qual é o risco nesse caso? É o velhinho doente não morrer.

RDB – Logo, logo vai surgir um mercado de matador de velhinhos…

Sei lá o que vai acontecer. Mas é o tipo da coisa que é um exemplo concreto do que você falou, não tem nenhum sentido social. É um jogo em que os bancos que inventam essa vão ganhar alguns bilhões de dólares, a estimativa é uns 500 bilhões.

RDB – O problema é que quando o cassino quebra, sobra pra todo mundo, para o apostador e para quem tem nada a ver com isso, já que a vida no planeta é subordinada à forma como a máquina capitalista controla e movimenta o mundo.

Ele controla, mas ao mesmo tempo se descontrola. Os bancos criam isso e depois remuneram seus dirigentes com bilhões de dólares. É uma coisa louca. O (Barack) Obama está vendo se cria uma legislação limitando isso, mas enfim é outra briga que está se lançando. O capitalismo está numa fase de autodestruição. Essa crise não é brincadeira. O empobrecimento de gente nos Estados Unidos e na Europa é de milhões de pessoas que perderam o emprego e não vão conseguir tão logo outro. As pessoas perdem a casa, a família, enlouquecem, uma situação trágica. Não é tão trágica como nos anos 30, porque as políticas anticrise foram efetivas.

RDB – O Brasil agiu com precisão? Não poderia ter sido mais ousado em relação à queda dos juros, por exemplo?

“O fato concreto é que o Lula conseguiu que os bancos públicos suprissem o crédito que os bancos privados resolveram engavetar. Nossos bancos privados, que não tiveram prejuízo nenhum, também engavetaram o crédito com medo, houve um terrorismo” – Paul Singer

O Brasil saiu comparativamente muito bem. A situação aqui felizmente já era melhor desde o início, porque nossos bancos não estavam nessas especulações malucas, não compraram o sub-prime e outros títulos chamados derivativos, então nenhum dos nossos bancos privados quebrou e nos Estados Unidos nenhum dos bancos privados deixou de quebrar. O Brasil entrou incólume e só foi atingido pela queda (de atividade) do mercado internacional. Foi aí que a crise nos atingiu e agora nós estamos recuperando. O Brasil se saiu extremamente bem, sobretudo porque temos enormes bancos públicos, e outros países não têm mais.

RDB – Aqui os “sábios” costumam dizer que nós temos um Banco Central muito competente, o problema é que o ministro da Fazenda e o presidente da República atrapalham.

Bem, para mim isso conta em favor do ministro da Fazenda e do presidente… O fato concreto é que o Lula conseguiu que os bancos públicos suprissem o crédito que os bancos privados resolveram engavetar. Nossos bancos privados, que não tiveram prejuízo nenhum, também engavetaram o crédito com medo, houve um terrorismo, lembra? “A crise vai nos atingir”, “ninguém sabe o que vai acontecer”. A nossa economia foi atingida por uma certa queda de crédito, então o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o BNDES entraram com muito dinheiro. Como metade do sistema bancário é pública, a situação é essa.

RDB – Se não estivessem numa disputa comercial tão contaminada com os bancos privados, poderiam ser mais arrojados na função social do crédito?

Essa é uma boa pergunta. O Banco do Brasil tem acionistas privados, tem de ser lucrativo. E eu acho que banco público não é para ser lucrativo, o lucro deve ser para a sociedade. A Caixa Econômica não tem acionistas privados, ela dá lucro para o Tesouro, mas não é essa função.

RDB – Voltando à economia solidária, as parcerias com as universidades têm ajudado a melhorar o outro gargalo dos empreendimentos coletivos, que é o conhecimento?

O Fórum de Pró-reitores de Cultura e Extensão participa do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (Proninc). O programa existe desde 1997, e as incubadoras de cooperativas populares estavam em 30 universidades antes mesmo de chegarmos ao governo. Hoje, nós temos 84. É política, inclusive, do Ministério da Educação apoiar a extensão universitária especificamente de incubadoras.

RDB – Seria um meio de a universidade pública cumprir seu papel de contribuir para o desenvolvimento da comunidade?

“Vamos levar cooperativas para dentro das cadeias para que os próprios cumpridores de sentença possam se organizar economicamente. É um direito que eles têm, trabalhar, sustentar suas famílias. Vamos tentar ajudar as famílias também, os egressos e os que estão em regime semiaberto a organizar cooperativas. A ideia é ter uma cooperativa na cadeia e outras fazendo rede para que os produtos possam ser bem distribuídos” – Paul Singer

Exatamente. Há uma expansão grande das incubadoras, muitas ainda vão ser criadas no Brasil nas áreas em que há mais pobreza, porque curiosamente as incubadoras eram no Rio de Janeiro, em São Paulo, Porto Alegre, enfim, mais nas capitais e muito menos onde realmente a demanda é maior. Então estamos ajudando a criá-las no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. E essas incubadoras são hoje mobilizadas e direcionadas pelas políticas da Senaes. Uma política que acho importante e que eu ainda não mencionei é nossa parceria com o Ministério da Justiça no Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) especificamente na parte desse programa que se chama “Prevenção à Violência através do Desenvolvimento”. Nós vamos levar cooperativas para dentro das cadeias para que os próprios cumpridores de sentença possam se organizar economicamente. É um direito que eles têm, trabalhar, sustentar suas famílias. Vamos tentar ajudar as famílias também, os egressos e os que estão em regime semiaberto a organizar cooperativas. A ideia é ter uma cooperativa na cadeia e outras fazendo rede para que os produtos possam ser bem distribuídos, envolver as famílias dos trabalhadores, dos presos. Há todo um processo de desenvolvimento local nessas áreas que o Ministério da Justiça mapeou nas chamadas áreas violentas, inclusive, com banco comunitário. É um lindo programa que nós estamos desenvolvendo junto com o Ministério da Justiça.

RDB – O governo se comunica muito mal ou os meios de comunicação têm muita má vontade, professor? Por que essas coisas acontecem e ninguém fica sabendo?

Eu também acho. De vez em quando eu me belisco, “será que eu estou exagerando?” Acho que não, estou te contando o que eu sei. A verdade é essa. Muita coisa bacana que acontece no país não é conhecida porque a mídia tem uma preferência por notícias ruins. Em parte por conflito político-ideológico com o próprio governo, em parte porque são as trágicas e espetaculosas que dão audiência.

RDB – Notícia boa não é boa mercadoria?

Notícia ruim vende muito mais. Nós estamos agora vivendo uma coisa que eu acho muito importante. Os brasileiros desconhecem um Brasil positivo e que está efetivamente mudando para melhor, mas muito melhor – e eu não estou falando da economia solidária, que é só uma parte disso. A principal eu diria que é o conjunto formado por salário mínimo, Bolsa Família e aposentadoria rural. Essas três coisas levaram metade dos pobres a deixar de serem tão pobres. Não ficaram ricos, mas conseguem colocar os filhos na escola, alimentá-los com duas ou mais refeições por dia, se possível três; esse filhos provavelmente vão ter mais oportunidades do que seus pais tiveram. Isso, a meu ver é, não digo tudo, mas uma boa parte do que se deseja. Nós temos provas disso, uma parte muito bem organizada do governo é essa do Bolsa Família. E quer saber de mais uma coisa que me animou muito? Sabe quantas famílias já receberam e que já deixaram de receber Bolsa Família? Entre 2 e 3 milhões.

RDB – Deixaram por quê?

Porque agora não estão precisando mais, porque o nível de renda que alcançaram os exclui do perfil do programa. Porque a vida dessas famílias mudou. Vamos dizer que uma família que não tinha uma renda e alguém conseguiu trabalhar por um salário mínimo. Esse salário mínimo já é suficiente para que a família esteja acima do limite. Alguns tentam esconder, mas nem todos fazem isso. Então eles deixam, abrem mão, “olha, muito obrigado agora não precisamos mais”.

RDB – É um sinal de…

É um sinal positivo, casa com tudo que nós sabemos. O Nordeste cresceu no primeiro mandato do Lula duas vezes a média nacional, isso é muito. O Sul cresceu a metade da média nacional. Quer dizer houve uma redistribuição regional, territorial da renda altamente progressista. Como a maioria dos que utilizam o Bolsa Família é do Nordeste, se o Nordeste cresce podemos supor que uma parte dessas famílias deixa de precisar. Há muito esforço no governo de abrir portas para que as pessoas do Bolsa Família possam deixar o programa. E ao mesmo tempo o programa não tem limite no tempo, que eu acho uma coisa maravilhosa.

RDB – Programas para promover a conquista da autonomia junto do Bolsa Família são debatidos?

Sim, existe hoje no Ministério do Desenvolvimento Social uma Secretaria de Inclusão Produtiva principalmente voltada aos beneficiários do Bolsa Família. Estou veementemente aconselhando a não se limitar a eles, sabe por quê? Porque se é muito difícil você ajudar uma família num meio em que a maior parte das pessoas é muito pobre, também é muito difícil desenvolver alguma atividade econômica num mercado em que quase ninguém tem dinheiro. Agora, se você fizer uma ação para toda a comunidade atingindo os que têm Bolsa Família e os que não têm, viabiliza um banco comunitário, agências de desenvolvimento, incubadoras. Com essas ações você consegue, como no caso do conjunto Palmeiras, tirar essa gente da miséria e os que têm Bolsa Família também entram nessa e param de precisar dele.

RDB – Muitas políticas públicas inovadoras acontecem graças a setores da sociedade que se organizam. Por outro lado, existem ações paradas porque governos tiveram de interromper ou abandonar parcerias em coisas que dependem dessas organização da sociedade civil para andar. Por quê?

As razões imediatas são fáceis, mas o que está por trás é mais difícil de entender. Há um entendimento que de os convênios, ou seja, as parcerias seriam veículos de corrupção, quer dizer, os recursos são desviados das suas finalidades. A título de se coibir isso foram criadas tantas exigências que na prática estrangulam essas políticas. Todos os ministérios estão sendo atingidos. Isso foi discutido dentro do governo federal e está melhorando, porque o Sistema de Gestão de Convênios (Siconv), do Ministério do Planejamento, com o passar do tempo fica menos falho, as principais falhas são localizadas e acabam sendo corrigidas, mas vai levar décadas até restaurar a situação anterior.

RDB – As CPIs são um instrumento legítimo que o Congresso tem para detectar um problema, investigar como ele aconteceu, sugerir punições para culpados e soluções para que o problema não volte a acontecer. A CPI das ONGs funcionou?

Isso eu não vou saber responder. Eu até fui convidado para ir a essa CPI, mas o convite não se reiterou, e como tenho mil coisas a fazer também não fui atrás. Mas não estou informado, a verdade é essa. Ela está meio morta essa CPI, as CPIs são movidas a denúncias e a repercussão na imprensa. As denúncias chegam aos membros da CPIs eles colocam na imprensa, é onde existe certa vida. Agora tem CPIs que estão praticamente dormentes e eu desconfio que esta deva ser uma delas, pelo menos na mídia não aparece há meses já.

RDB – Parou de proporcionar palanque?

É. Ou pode ser que estejam trabalhando em silêncio e estejam produzindo o que você está falando. Tomara.