Chavistas vencem disputa constitucional e Maduro assume presidência interina

Investidura do vice-presidente como chefe de Estado até as próximas eleições está marcada para hoje, depois das cerimônias fúnebres em homenagem a Hugo Chávez

Nicolás Maduro recebeu das mãos de Hugo Chávez a incumbência de conduzir a revolução bolivariana em sua ausência (Foto: MinCI/Venezuela)

São Paulo – Tal como ocorreu quando estava em Cuba recuperando-se de uma cirurgia, a morte de Hugo Chávez abriu uma nova disputa em torno dos sentidos da Constituição Bolivariana de 1999. Se há dois meses a briga se dividiu entre as interpretações possíveis dos artigos 231 e 233, agora as discussões se concentram no artigo 233, que dispõe exclusivamente sobre a sucessão presidencial na “ausência absoluta” do chefe de Estado.

A morte do presidente se enquadra nesse quesito. Diante dela, há duas opções. Se o mandatário morrer nos primeiros quatro anos de governo, novas eleições deverão ser convocadas dentro de 30 dias para que o povo escolha um novo mandatário. Se a morte vier depois de quatro anos, o vice-presidente assume e termina o mandato, que na Venezuela é de seis anos.

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No caso específico de Hugo Chávez, seu falecimento se deu menos de dois meses depois do início de seu quarto período constitucional, que começou no último 10 de janeiro. Portanto, não restam dúvidas de que será necessário convocar novas eleições em, no máximo, um mês. De acordo com declarações oficiais, é o que será feito. A discórdia, porém, está em outro aspecto do artigo 233.

A Constituição diz com bastante clareza que, se o presidente da República morre antes de tomar posse, quem deve assumir o governo e convocar um novo pleito é o presidente da Assembleia Nacional. Se a morte ocorre depois da posse, o poder fica temporariamente com o vice-presidente até a realização das eleições. O vencedor da contenda eleitoral deverá terminar o período constitucional para o qual seu antecessor foi eleito. No caso, governará até 10 de janeiro de 2019.

Justiça

Hugo Chávez deveria ter tomado posse de seu no mandato no último 10 de janeiro. Obviamente, porém, depois da delicada cirurgia que realizou em Havana, Cuba, não tinha condições de se deslocar a Caracas para cumprir a cerimônia. A oposição pressionou as instiuições venezuelanas fazendo uma interpretação do artigo 231 desfavorável ao presidente. Os chavistas acusaram-na de querer dar um golpe de Estado enquanto Hugo Chávez lutava pela vida. E defenderam que a vontade do povo, manifestada pelas eleições de outubro, era soberana.

As dúvidas foram desfeitas por uma longa sentença publicada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) da Venezuela em 9 de janeiro, um dia antes da data marcada para a posse. O veredicto adiou indefinidamente a realização da cerimônia, vista como um ato importante, mas que não poderia suplantar o resultado das urnas.

“A posse é um formalismo que, sim, é necessário e deve ser cumprido, mas este formalismo de nenhuma maneira pode interromper a continuidade administrativa ou o início do mandato”, afirmou a presidenta da máxima corte venezuelana, Luisa Estella Morales, lembrando que o STJ tem a última palavra sobre os sentidos da Constituição do país. “É inadmissível que a falta de sincronia entre a investidura do presidente e o início do período constitucional provoque a extinção do governo.”

“Não sabemos quando ocorrerá a juramentação, mas será no momento em que cesse a causa sobrevinda, que é conhecida por todos”, continuou a magistrada, em referência ao câncer que acometeu Hugo Chávez. “Na perspectiva dos direitos humanos, sabemos que o presidente tem pleno direito a cuidar de sua saúde. Pediu permissão à Assembleia Nacional para isso e no STJ estamos ajudando a preservar esse direito fundamental.”

Novas questões

A determinação da corte venezuelana autorizou o início do quarto mandato de Hugo Chávez, que foi nomeado “presidente em funções” apesar de sua convalescência, mas foi clara ao dizer que o presidente não tomou posse – e que deveria fazê-lo assim que fosse possível. Infelizmente, porém, o homem escolhido pelo povo para governar a Venezuela acabou falecendo. E a posse não se concretizou.

Portanto, como reza o artigo 233 da Constituição, quem deveria assumir a presidência da República de maneira interina por 30 dias, até as próximas eleições, é o presidente da Assembleia Nacional. Atualmente, o cargo é exercido por Diosdado Cabello, um dos nomes mais fortes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), braço eleitoral do chavismo. Mas não é o que vai ocorrer.

Após a realização da cerimônia fúnebre em homenagem a Hugo Chávez, com a presença de 33 chefes de Estado da América Latina, África e Ásia, o vice-presidente Nicolás Maduro deve ser investido interinamente como presidente. A justificativa é o apego à Constituição e à sentença ditada pelo STJ há dois meses. Afinal, se a corte reconheceu Hugo Chávez como “presidente em funções”, seu vice poderia assumir o poder em obediência aos ditames constitucionais.

“É muito claro o que devemos fazer: investir o companheiro Nicolás Maduro como presidente da República para que convoque eleições nos próximos 30 dias”, afirmou o chefe da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello. “Temos um grande desejo de cumprir as instruções do comandante.” Antes de viajar a Cuba, no dia 9 de dezembro, Chávez passou sua herança política a Nicolás Maduro. “Esqueçam o que diz a oposição, que eu devo assumir”, continuou Cabello. “O chavismo está unido.”

Constituição Bolivariana da Venezuela

Artículo 233. Serán faltas absolutas del Presidente o Presidenta de la República: su muerte, su renuncia, o su destitución decretada por sentencia del Tribunal Supremo de Justicia, su incapacidad física o mental permanente certificada por una junta médica designada por el Tribunal Supremo de Justicia y con aprobación de la Asamblea Nacional, el abandono del cargo, declarado como tal por la Asamblea Nacional, así como la revocación popular de su mandato.
Cuando se produzca la falta absoluta del Presidente electo o Presidenta electa antes de tomar posesión, se procederá a una nueva elección universal, directa y secreta dentro de los treinta días consecutivos siguientes. Mientras se elige y toma posesión el nuevo Presidente o la nueva Presidenta, se encargará de la Presidencia de la República el Presidente o Presidenta de la Asamblea Nacional.
Si la falta absoluta del Presidente o Presidenta de la República se produce durante los primeros cuatro años del período constitucional, se procederá a una nueva elección universal, directa y secreta dentro de los treinta días consecutivos siguientes. Mientras se elige y toma posesión el nuevo Presidente o la nueva Presidenta, se encargará de la Presidencia de la República el Vicepresidente Ejecutivo o la Vicepresidenta Ejecutiva.
En los casos anteriores, el nuevo Presidente o Presidenta completará el período constitucional correspondiente.
Si la falta absoluta se produce durante los últimos dos años del período constitucional, el Vicepresidente Ejecutivo o Vicepresidenta Ejecutiva asumirá la Presidencia de la República hasta completar dicho período.