‘CPI vai além da PEC do Trabalho Escravo’, afirma deputado

Claudio Puty (PT-PA) diz contar com a aprovação da PEC do Trabalho Escravo ainda este ano para trabalhar a CPI de acordo com as necessidades na legislação

Avanço econômico do Brasil deve também conter exploração de trabalhadores em condições de escravidão (Foto: Arquivo RBA)

São Paulo – Prestes a ser composta e a ter seus trabalhos iniciados, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo, assinada este mês pelo presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), foi idealizada para complementar a legislação brasileira acerca do combate ao trabalho em condições análogas à escravidão. O autor da proposta, deputado Cláudio Puty (PT-PA), disse contar com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Trabalho Escravo para nortear os trabalhos da CPI de acordo com a necessidade “pós-aprovação” da emenda.

A PEC citada por Puty está na fila da Câmara desde 2004 em razão da pressão exercida por membros da bancada ruralista. A proposta prevê o confisco de propriedades em que o trabalho escravo for encontrado e a destinação das mesmas para reforma agrária. Por este motivo, os representantes do agronegócio no Legislativo pressionam pelo retardamento da votação, argumentando que possíveis brechas na lei podem resultar em desapropriações injustas. O Palácio do Planalto, porém, avisou que pretende votar a matéria este ano.

A medida foi aprovada no Senado e encaminhada à Câmara no final de 2001, onde foi aprovada em primeiro turno três anos mais tarde, e até agora espera a votação definitiva. “Existe uma bancada muito conservadora na Câmara que representa interesses muito arcaicos e que tem tenta negar a própria existência do trabalho análogo ao escravo”, ressaltou o deputado.

Confira a entrevista dada à Rede Brasil Atual :

RBA – Como foi a criação desta CPI diante de negativas durante o ano passado?

Cláudio Puty – Eu sou do Pará , um dos estados com mais recorrência de trabalho análogo à escravidão  por ser uma área de dimensões territoriais muito grande, com ausência do Estado e em área de fronteira agrícola. Também uma fronteira de exploração de recursos naturais, e tudo isso baseado em forma muito precária de trabalho, com excesso de mão de obra e falta de controle de qualquer de garantia de trabalho decente. Então, quando iniciei o mandato, no ano passado, eu propus logo essa CPI com dois objetivos. O primeiro era para engrossar o movimento para aprovação da PEC do Trabalho Escravo e o segundo movimento é para identificar, para além da PEC, porque há outras coisas a serem feitas para abolir essa forma de trabalho degradante.

Então é para darmos uma olhada de maneira aprofundada nas novas características de trabalho escravo. Nós temos visto nas áreas urbanas, na cadeia produtiva de algumas lojas importantes, como a Zara. O intuito é ver as novas características, ver como o Estado brasileiro está equipado pra combater o trabalho escravo. Que tipo de legislações posteriores à aprovação da PEC seriam necessárias para isso. Enfim, como o Legislativo pode propor ao Brasil medidas para além da PEC  e saber se essa forma de trabalho degradante tem se renovado.

RBA – A gente pode dizer que o lobby de empresas grandes fizeram uma investida contrária à aprovação da CPI no ano passado, por isso a primeira negativa da criação da comissão?

É difícil afirmar. Na realidade existe uma bancada muito conservadora na Câmara, que representa interesses muito arcaicos e que tenta negar a própria existência do trabalho análogo ao escravo. Já foi reconhecida por todos os últimos presidentes, inclusive a Presidenta Dilma, no Fórum Social Temático, quando se comprometeu a concentrar forças para a aprovação da PEC.

Enfim, é largamente reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho. Então não pairam dúvidas sobre sua existência. Obviamente é uma disputa política, afirmando que é uma mera informalidade do campo, que é o discurso que tenta justificar. Mas eu não posso dizer que são braços organizados por essas grandes empresas. Nem acho que isso seja representação do agronegócio pós-moderno.

Mas é fundamental que o Brasil se mantenha livre. É preciso cercear esse tipo de trabalho, porque precisamos tirar do mercado as empresas que recorrem a esse tipo de trabalho, que na realidade são as empresas menos produtivas, até do ponto de vista econômico. Então quem precisa recorrer a esse tipo de anomalia não merece estar no mercado.

RBA – Os trabalhos ainda não começaram, mas já se tem previsão de como vão ser estudados os casos, separando situações das áreas rurais das áreas urbanas?

Assim que os partidos indicarem os membros, se define quem vai ser o presidente e quem vai ser o relator, ou seja, nós não chegamos ainda a esse ponto. Não se sabe quem é o presidente. Eu espero ser porque fui o proponente, mas ainda não está definido.

Não temos ainda o cronograma porque não se sabe quem serão os membros. Acredito que situações de trabalho escravo urbano e rural serão investigadas. Mas o primeiro passo é atualizar todo mundo sobre regramentos e convenções da OIT, falar um pouco do histórico do trabaho escravo no Brasil. Ouvir Ministério Público do Trabalho, auditores fiscais, a Comissão Pastoral da Terra, e aí vamos passar às investigações urbanas e rurais, o que leva a isso, se são fatos distintos ou há semelhanças. Vamos investigar.

RBA – A criação desta CPI pode ser considerada um marco no combate ao trabalho escravo contemporâneo?

Eu espero. Isso vai depender muito da composição. Nós temos de ver como os partidos mais conservadores vão encarar essa CPI. Se vão obstruir ou vão ter uma postura de colaboração, que é indicar as pessoas para que seja feito um debate franco. Eu não acredito que interesse a alguém a produção baseada  em degradação do trabalho humano.