Em São Paulo, pacientes podem esperar anos por um exame, aponta TCM

Tribunal determinou controle informatizado da demanda para consultas e exames e redução das filas. Secretaria de Saúde não atendeu solicitação

Filas na saúde pública de São Paulo, resultado de falta de planejamento e de investimentos (Foto: ©Fernando Donasci/Folhapress)

São Paulo – Aos 78 anos, dona Alice (o nome verdadeiro foi mantido em sigilo, a seu pedido) enfrenta uma maratona para marcar exames na Unidade Básica de Saúde da Sé (UBS), região central da capital paulista. Esta semana, ela tentou pela terceira vez – sem sucesso – marcar um eletrocardiograma solicitado pela própria Assistência Médica Ambulatorial (AMA) da prefeitura.

Mais uma vez, a aposentada ouviu do atendente que não há vagas. “Não sabem ainda quando vai haver”, explica. “Mandaram voltar na próxima semana”, diz a paciente. A idosa antecipou à reportagem que vai desistir de fazer o exame, apesar dos sintomas e da indicação médica de possível diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica.

Na mesma fila, Eliene Andrade, de 32 anos, tem em mãos quatro solicitações de exames de julho de 2010. Com quadro crônico de diabetes, ela precisa de ultrassonografia dos rins e vias urinárias, raio X da coluna lombar, exame de fundo de olho e da retina.

Depois do atendimento, ela sai da fila com a orientação de esperar por tempo indeterminado pela ultrassonografia dos rins e exame de fundo de olho. Os outros exames, a consulta com nutricionista e médico vascular ficaram para o mês de maio. Ao todo, a paciente teve de aguardar dez meses para conseguir parte de seus exames.

“Eu preciso de tratamento rápido porque sofro com complicações da diabetes, mas é uma dificuldade conseguir exames e especialistas”, informa. “Seis meses é o tempo mínimo (para esperar)”, estima.

A demora para ter acesso a exames e consultas não é novidade na capital paulista. Levantamento realizado pela auditoria do Tribunal de Contas do Município (TCM), em abril de 2009, a partir de amostragens, indicou que os pacientes que procuram a rede municipal de saúde podem esperar de meses a anos para conseguir um exame.

“A fila para os exames é ainda uma realidade na cidade”, afirmou Maurício Farias, conselheiro do TCM, durante entrevista à Rede Brasil Atual.

Exames como eletroencefalograma tem uma fila de espera de vinte e três meses – quase dois anos. Um estudo urodinâmico tem uma fila de espera de 41 meses – mais de três anos. O caso mais grave ocorre com as mulheres que precisam de histeroscopia. A demora média é de 512 meses, mais de 40 anos. A explicação estaria no fato de que o serviço público não dispunha do exame, mas este tornou-se exigência da política nacional de atenção integral em reprodução humana, conforme cita a ata de reunião do TCM que analisou o problema.

Conseguir uma consulta médica, dependendo da área, também pode ser difícil. Para passar por um hematologista, a demora é de três meses, proctologista, oito meses, e médico vascular e reumatologista podem demandar três meses de espera, de acordo também com o relatório do TCM.

Os procedimentos em que o tempo de espera é igual ou inferior a dois meses foram considerados normais pela Secretaria Municipal de Saúde, mas são questionados pelo órgão fiscalizador das contas do município. “Tampouco se sabe qual o critério médico/científico para estabelecer como aceitável o prazo único de dois meses para procedimentos bastante diferenciados e com significados distintos”, aponta o relatório.

Sem controle

A auditoria do TCM também detectou que o sistema responsável pelo controle informatizado de procedimentos médicos da secretaria, o Siga, não está em funcionamento em todas as unidades de saúde do município, nem integrado com equipamentos estaduais de saúde. “Não há procedimento uniforme. Muitas unidades de saúde não trabalham com sistemática”, diz o conselheiro Farias.

“Registrar os pedidos médicos que não tenham sido agendados no ato e que vão implicar em alguma fila é um procedimento aparentemente simples, mas há enorme dificuldade no cumprimento”, disse o conselheiro do TCM.

O sistema, quando estiver em funcionamento em toda rede de saúde, vai possibilitar o controle da demanda não atendida e gerar medidas para enfrentar o problema. “Se teria um quadro do déficit da oferta por unidade, microrregião, regiões, cidade”, detalha. “Não há planejamento para o déficit porque os dados da secretaria não são reais”, diz.

Sem atendimento

Em junho de 2010, o TCM analisou o estudo de sua auditoria e determinou que a Secretaria Municipal de Saúde providenciasse em 180 dias o registro e o processamento em sistema informatizado e unificado de todas as demandas de consultas e exames, para conhecer a extensão exata das filas na saúde da capital paulista.

O órgão também determinou que em 90 dias a secretaria apresentasse um projeto para solucionar, em 24 meses, os problemas constatados no tempo de oferta de exames. Até novembro de 2010, nenhuma medida havia sido adotada pela secretaria.

O descumprimento das solicitações por parte da prefeitura levou o TCM a pedir providências ao Ministério Público do Estado. Em dezembro do ano passado, o promotor de Justiça de Direitos Humanos e Saúde Pública Arthur Pinto Filho encaminhou a reclamação à Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores de São Paulo para questionar a secretaria.

Devido à reformulação das comissões da Casa legislativa, apenas em março uma nova comissão de saúde foi estabelecida. Ao saber das notificações do TCM, a atual presidenta da Comissão de Saúde, a vereadora Juliana Cardoso (PT), reagiu com indignação.  “Ao não cumprir o prazo para adotar as recomendações do Tribunal de Contas do Município, a Secretaria demonstra sua insensibilidade para resolver um problema que afeta de maneira cruel a população”, aponta Juliana.

No dia 27, a comissão de saúde da Câmara recebe representantes do Tribunal de Contas, do Ministério Público e da Secretaria de Saúde para discutir o problema.