desigual e decepcionante

ONU critica ‘mercado’ e cobra igualdade na distribuição de vacinas

Enquanto no continente africano apenas 3% da população está com a imunização completa, 10 países receberam 73% das vacinas produzidas no mundo

Pixabay
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"Não ficarei calado quando as empresas e os países que controlam o fornecimento mundial de vacinas pensam que os pobres do mundo devem se contentar com os restos”, disse o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom

São Paulo – O secretário-geral da ONU, António Guterres demonstrou preocupação com o “mercado das vacinas” no mundo. Isso, porque países ricos estocam imunizantes contra a covid-19, o que provoca escassez em nações menos favorecidas. Números apresentados por Guterres dão conta de que 73% das 5,7 milhões de doses já aplicadas no planeta o foram em apenas 10 países. Enquanto isso, no continente africano, não mais que 3% da população já recebeu duas doses de algum imunizante e estão com a vacinação completa.

“Embora as vacinas tenham sido desenvolvidas com fundos públicos, a produção de vacinas se tornou uma indústria de 100 bilhões dólares, com países de renda média gastando centenas de milhões de dólares para imunizar seu povo em um mercado de vendas”, disse o secretário-geral, em uma cúpula sobre a pandemia realizada ontem (22), em evento paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas. A reunião foi convocada pelo presidente norte-americano, Joe Biden, e não contou com a presença de representantes do Brasil.

Decepcionante

Guterres classificou a mercantilização das vacinas como “não apenas decepcionante, mas desconcertante”. Mesmo a iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) de entregar vacinas para países mais vulneráveis encontrou desafios insuperáveis. O consórcio Covax Facility, que reuniu verbas de diferentes países com essa finalidade, não conseguirá cumprir nem 30% da meta estipulada para 2021, de 2,3 bilhões de doses. O prazo foi estendido para o primeiro trimestre de 2022.

Entre as iniciativas apontadas pelo secretário-geral das Nações Unidas está o compromisso de dobrar a produção de vacinas de países como Índia, China e Alemanha, com garantia de distribuição equitativa. “O plano pode ser implementado por uma equipe de emergência que trabalhará com empresas farmacêuticas com objetivo é atingir 40% da população mundial até o final deste ano e 70% no primeiro semestre de 2022”, informa comunicado da ONU.

Ficou acertado entre líderes mundiais o esforço conjunto que inclui, além de países já produtores de vacinas, parceiros da Covax Facility, instituições financeiras internacionais e a Organização Mundial do Comércio (OMC). “Isso é necessário para resolver os problemas de propriedade intelectual e os problemas de suporte técnico aos países que podem produzir vacinas. Mas eles precisam ter certeza de que têm todas as garantias de segurança em sua produção”, disse Guterres.

A fala de Guterres com críticas ao enfrentamento da pandemia foi o ponto marcante do evento. Contudo, ele apontou positivamente para a superação da covid-19. “Temos vacinas eficazes contra a covid-19. Podemos acabar com a pandemia”, disse. Biden se comprometeu em doar no próximo ano 500 milhões de doses à Covax Facility, totalizando 1 bilhão.

Papel do Brasil

Apesar do descaso do governo de Jair Bolsonaro com a pandemia, evidenciado no fiasco de sua viagem à Assembleia da ONU, o Brasil pode ter um papel importante para o fim da pandemia. Isso, porque o país possui dois produtores estatais de imunizantes. O Instituto Butantan, que produz a CoronaVac e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), parceira da AstraZeneca. A Fiocruz também deu mais um passo nesta direção no início da semana. A entidade foi selecionada pela OMS para desenvolver uma vacina de tecnologia inovadora chamada de RNA mensageiro.

“A escolha da unidade da Fundação ocorreu devido aos promissores avanços no desenvolvimento tecnológico de uma vacina de mRNA contra a covid-19, atualmente em estágio pré-clínico. A seleção é resultado de uma chamada mundial lançada em 16 de abril de 2021, que tem o objetivo de aumentar a capacidade de produção e ampliar o acesso às vacinas contra a covid-19 nas Américas. Cerca de trinta empresas e instituições científicas latino-americanas participaram”, informou a Fiocruz.

Soberania

A OMS colocará à disposição da Fiocruz uma equipe de especialistas de todo o mundo para auxiliar no desenvolvimento do novo imunizante. Os resultados podem ser positivos não só para aumentar a oferta de vacinas no mundo. Hoje, o Brasil não domina a tecnologia de RNA mensageiro para vacinas. Os imunizantes produzidos no país são os chamados adenovírus não replicante ou vírus inativado. Este pode ser um passo importante para a soberania nacional na questão da produção de vacinas e combate a pandemias futuras.

“Esta será uma tecnologia que vem se somar à plataforma de adenovírus, utilizada na vacina Fiocruz/AstraZeneca para a covid-19. O desenvolvimento de uma vacina da Fiocruz de mRNA é um passo fundamental para que o Brasil detenha o domínio tecnológico de duas plataformas fundamentais para o avanço no desenvolvimento de imunobiológicos. Com esse projeto e o apoio da OMS, estamos reafirmando nosso compromisso com a ciência e a tecnologia a serviço da população”, afirma a presidente da entidade, Nísia Trindade Lima.


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