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Deisy Ventura: ‘Tragédia da covid no Brasil é resultado de estratégia intencional do governo Bolsonaro’

Professora da USP e Atila Iamarino apontam indícios nas ações do governo do Brasil no combate à covid que justificam investigações sobre genocídio

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR

São Paulo – O Brasil ultrapassou ontem (24) a marca oficial de 300 mil mortos por covid-19. É o segundo país do mundo em números absolutos de vitimas e o de mais mortes diárias desde o início de março. Crescem pelo país o número de pessoas que morrem nas filas dos hospitais, já que praticamente não existem mais leitos de UTI para pacientes com covid. Faltam também medicamentos básicos para intubações, por exemplo, anestésicos. Diante de fatos e relatos tão trágicos, quem são os responsáveis pela mais grave crise sanitária da história do Brasil e pelo colapso sanitário do país?

Para responder essa pergunta, o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino promoveu um encontro virtual com a professora Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Coordenadora da pós-graduação em saúde global da instituição, ela é responsável por conduzir uma série de estudos sobre a existência de uma “estratégia institucional de propagação do coronavírus” adotada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.

Em sua pesquisa, Deisy compila e expõe com clareza os indícios nas ações do governo federal que justificam investigações sobre genocídio cometido pelo presidente. A pesquisadora identificou e catalogou ações intencionais do governo Bolsonaro no sentido de prejudicar o combate ao coronavírus e estimular sua transmissão. “Identificamos três eixos. A parte normativa, que é impressionante. Também a parte estratégica, de obstrução das ações dos governos estaduais. E o que chamamos de propaganda contra a saúde pública, que é o achado mais relevante, no meu entendimento. Mais do que declarações infelizes e provocações, é algo que vai custar caro a curto, médio e longo prazo”, afirmou, durante a conversa com o biólogo.

Estratégias de base

Explica Deisy que, já na chegada da covid ao Brasil, em março do ano passado, o governo adotou uma “estratégia de base”, que foi a de incentivar a população ao risco de contágio. “Como? Exaltando a valentia das pessoas, ameaçando com desemprego, fome. O Brasil custou a viabilizar um Auxílio Emergencial e agora ele é irrisório. A estratégia foi fazer com que as pessoas acreditassem que existia um tratamento precoce, além de contar com governadores e prefeitos em ano de eleições para ampliar o sistema de atendimento aos doentes. Com toda a vantagem de que a culpa cairia sobre eles se isso não desse certo. “

Então, o governo Bolsonaro passou a intensificar suas ações como “aliado do vírus”. “O governo federal chegou a falar em ‘guerra’ contra governadores. A estimular que governadores e prefeitos sejam atacados. Incitou a invasão de hospitais para um ataque político, tentando mostrar que a pandemia não seria grave e que hospitais não estariam ocupados. (Ordenou) operações policiais contra membros de secretarias de Saúde, contra governadores, durante a pandemia. Uma série de atos que prejudicaram as atuações dos governos locais.”

Além das declarações de que a covid não passava de “uma histeria provocada pela mídia“, de que o Brasil estava se tornando “um país de maricas” por usar máscaras, entre uma série de declarações do presidente neste sentido, também houve a judicialização do combate à covid. “O ápice da oposição ferrenha contra quem estava tentando conter a pandemia nos estados e municípios foi a ação da Presidência no STF contra governadores. Chegaram a esse ponto, judicializar estados que estão fazendo algo que já deveriam ter feito”, lembra a especialista.

Guerra ideológica

Essas ações coordenadas pelo núcleo bolsonarista encontraram eco na sociedade por meio das estratégias de comunicação sempre usadas pelo grupo político do presidente. Ou sejam: disseminação em massa de desinformação, mentiras, fake news e difamação. “A propaganda contra a saúde pública é um combustível. É um discurso político que utiliza argumentos morais, religiosos, ideológicos, econômicos, para encorajar as pessoas a não aderirem às medidas de saúde pública. Todas elas, não só a restrição de atividades. Mas também uso de máscaras, vacinação.”

“Em paralelo, o governo começou um ativismo político contra profissionais de Saúde e também contra governadores e prefeitos através da base de deputados do governo, das milícias digitais, incitação de empresários para que pressionem contra medidas. Notícias falsas, informações sem comprovação. Tudo isso erodindo uma história de saúde pública no Brasil”, completa Deisy.

Pior caminho

Por fim, Atila lamentou a marca dos 300 mil mortos e apontou para um horizonte de continuidade da tragédia. Ele antecipa que as mortes diárias devem superar as 4 mil nos próximos dias. Atila também reafirmou sua posição de que existe culpa e intencionalidade pela gravidade a que chegou a atual crise sanitária pela covid no Brasil. “Tenho dificuldade de separar ignorância de má fé. Nunca sei dizer se são coincidências infelizes ou parte de um plano. O que vemos hoje é um plano estratégico sendo aplicado. Não é acidente”, disse.

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