Confusão

Enquanto ministro vai ver cantor, técnicos dizem que não viram plano de vacinação

Ministério da Saúde afirma que eles foram consultados, mas não tinham poder de decisão

Divulgação
Divulgação
Governador Ibaneis (à dir.),o ministro Pazuello (ao lado dele) e o cantor Zezé di Camargo (centro): plano tornado público ontem sofre críticas

São Paulo – O plano de vacinação contra a covid-19 divulgado ontem (12), além de ter sido considerado insuficiente, não foi sequer visto por técnicos que participaram da discussão interna. “Nos causou surpresa e estranheza que o documento no qual constam os nomes dos pesquisadores deste grupo técnico não nos foi apresentado anteriormente e não obteve nossa anuência”, afirmam. A nota é assinada por 36 pesquisadores.

Depois da confusão, neste domingo (13) o Ministério da Saúde disse que eles foram consultados para participar de debates, mas “sem qualquer poder de decisão”. Enquanto o documento era tornado público pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Eduardo Pazuello se encontrava para almoço na casa do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). O encontro contou com a presença do cantor sertanejo Zezé di Camargo, que forma dupla com o irmão Luciano. Todos posaram para fotos, sem usar máscaras.

‘Nós não vimos o documento’

Ainda ontem à noite, a epidemiologista Ethel Maciel usou a rede social Twitter para comentar o episódio. “Nós, pesquisadores que estamos assessorando o governo no Plano Nacional de Vacinação da Covid-19, acabamos de saber pela imprensa que o governo enviou um plano, no qual constam nossos nomes e nós não vimos o documento. Algo que nos meus 25 anos de pesquisadora nunca tinha vivido!”, afirmou Ethel. Ela é também professora da Universidade Federal do Espírito Santo.

Segundo o ministério, o Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19, elaborado pela Secretaria de Vigilância em Saúde, foi entregue eletronicamente na sexta-feira (11) ao STF e à Advocacia-Geral da União (AGU). Mas será “apresentado e detalhado à população” na próxima quarta-feira (16). E poderá “sofrer modificações durante o seu processo de implementação”.

Atraso significa vidas

Na nota, os pesquisadores pedem “esforços do Ministério da Saúde para que sejam imediatamente abertas negociações para aquisição de outras vacinas que atendam aos requisitos de eficácia, segurança e qualidade, inclusive com laboratórios que reúnam condições de produção e oferta de doses de vacina e com outras empresas também com oferta de vacinas seguras e eficazes”. Eles lembram que um atraso na vacinação significa vidas perdidas e que é preciso usar a ciência para tomar decisões. “Essa é a mais importante tarefa de nosso tempo e todos os esforços devem ser envidados para a sua realização oportuna, segura e efetiva”, acrescentam.

Em artigo publicado na revista Época, a economista Monica de Bolle manifestou preocupação com a forma como o governo lida com a questão. “Em nota recente, o Observatório Covid-19, rede da qual faço parte, avaliou o plano do governo brasileiro como um ‘esboço rudimentar’ repleto de falhas e lacunas. Diz a nota: ‘São marcantes a falta de ambição, de senso de urgência e de comprometimento em oferecer à população brasileira um plano de vacinação competente, factível, que contemple as diversas vacinas em teste no Brasil, com transparência e em articulação com estados e municípios'”, escreveu.

“Diante desse quadro, é razoável imaginar que, em algum momento, clínicas e redes privadas façam acordos com os laboratórios responsáveis pelas vacinas de última geração, disponibilizando-as para a população que pode pagar por elas. O restante da população brasileira, os vulneráveis, os trabalhadores essenciais, as cuidadoras, as pessoas que precisam sair para trabalhar, ficarão a ver navios. Essa é a mesma população que hoje não poderá contar com o auxílio emergencial a partir de 1º de janeiro de 2021 e é também a população que depende do SUS. O SUS, por sua vez, ficará sem os recursos de que necessita, porque no dia 1º de janeiro voltará a valer a camisa de força do teto de gastos, já que o Decreto de Calamidade que o suspende também haverá de expirar.”


Leia também


Últimas notícias