Vida ou morte

Audiência debate responsabilidade dos ônibus na poluição do ar de São Paulo

“Se não houver uma mudança efetiva, vamos morrer só por respirar', disse representante da Associação Brasileira do Veículo Elétrico. Audiência discutiu projeto que propõe reduzir emissões de poluentes

Cesar Ogata/Secom

Frota de São Paulo tem apenas 212 carros movidos por algum tipo de energia limpa

São Paulo – A audiência pública para debater o Projeto de Lei (PL) 300/2017, de autoria do vereador e presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (DEM), começou na noite de quinta-feira (17) de forma mais polêmica do que o esperado. Isso porque o vereador apresentou no início de sua explanação uma nova versão do texto, desconhecida por todos os presentes. O fato causou indignação no público e nos próprios integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que estavam preparados para debater o PL que propõe adiar por 20 anos o prazo para que as empresas de ônibus da cidade de São Paulo adotem combustíveis limpos em sua frota.

“Fomos surpreendidos com um novo projeto, um substitutivo ao projeto que o vereador apresentou no começo do ano. Tivemos 15 minutos para ler e ele consegue ser ainda pior que o projeto original. Isso porque fala da redução de emissões e não mais da transição de combustíveis fósseis para não fósseis. Além disso, é uma redução pífia, que propõe 10 anos para reduzir 20% de gás carbônico (CO2) e 60% de óxido de nitrogênio (NOx). A gente precisaria de metas muito mais ousadas se quisermos realmente melhorar o ar da cidade”, afirmou Ricardo Borges Martins, coordenador de mobilizações da organização Minha Sampa, que no início do dia de ontem promoveu um protesto distribuindo máscaras cirúrgicas pela cidade.

Martins também criticou o fato de o novo PL não apresentar sanções às empresas que não cumprirem o cronograma. Foi justamente a ausência de multas e sanções o fator responsável pelo não cumprimento da Lei 14.933/2009, que determina que toda frota municipal de ônibus deve ser 100% abastecida por combustíveis renováveis a partir de 2018. De acordo com a lei aprovada há oito anos, a transição deveria ter ocorrido ao ritmo de 10% ao ano, porém, praticamente nada foi feito. Atualmente, dos 14.511 ônibus que circulam na cidade, apenas 212 veículos são movidos por algum tipo de energia limpa.

Milton Leite se comprometeu a incluir sanções às empresas numa nova redação do projeto de lei. Para o coordenador de mobilizações da Minha Sampa, o único aspecto positivo da proposta do presidente da Câmara Municipal é a volta da inspeção veicular, embora o PL não especifique como será feita e nem quanto custará.

Durante as três horas da audiência pública, Leite apresentou dados mostrando que a frota de ônibus da capital é responsável por apenas 3,48% das emissões de material particulado, de 1,07% de gás carbônico e 1,95% de óxidos de nitrogênio. Para o vereador, isso indica que os ônibus não são os principais responsáveis pela poluição do ar da cidade e apontou os caminhões, vans, caminhonetes e automóveis como os grandes vilões na emissão de gases tóxicos.

“Todos devem ser fiscalizados e submetidos à inspeção veicular. Todos devem baixar os níveis de emissão, não só os ônibus. A emissão, quando é expelida na atmosfera, atinge a todos nós”, disse o vereador, reforçando que os ônibus são os únicos que passam por inspeção veicular.

Os dados apresentados pelo presidente da Câmara, porém, foram questionados pelo vereador Police Neto (PSD). Para ele, as informações divulgadas têm um erro de metodologia ao comparar a frota licenciada com a frota rodante. “Se o propósito do PL é ajudar a cidade, a análise começou completamente errada. Como está, é impossível dizer que a cidade melhora”, ponderou o vereador do PSD. O parlamentar ainda argumentou que a Câmara Municipal não deve se abster de legislar sobre a melhoria da frota de ônibus da cidade, ainda que outros veículos, que não estão totalmente sob controle da Câmara, possam poluir mais.

Matriz energética

Os membros da sociedade civil que participaram do longo debate reafirmaram a importância da utilização de combustíveis limpos e da variação na matriz energética, como o gás natural veicular, energia elétrica e biodiesel, por exemplo. “Se não houver uma mudança efetiva na matriz energética, vamos enfraquecer a indústria e morrer só por respirar”, afirmou Iêda Maria de Oliveira, da Associação Brasileira do Veículo Elétrico.

Posição semelhante teve Ricardo Vallejo, gerente de marketing da Comgás. Para ele, a discussão proposta pelo PL do vereador abre a possibilidade de outras fontes de energia serem utilizadas no transporte público da capital. “Estamos há nove anos para discutir esse tema. Nossa proposta é que a matriz energética seja diversificada.”

De acordo com estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, a poluição mata mais que o trânsito no estado de São Paulo – são mais de 11 mil mortes precoces por ano. Somente o diesel, combustível usado em praticamente toda a frota de ônibus da cidade, será responsável por 178 mil mortes em 30 anos, com um custo de R$ 54 bilhões apenas em internações. Quase 13 mil mortes até 2050 podem ser evitadas se os ônibus municipais passarem a usar combustíveis renováveis.

Além de proporcionar gastos superiores a R$ 300 milhões ao ano com saúde, a poluição contribui para o aquecimento global. Conforme o Programa de Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas (ONU), 70% das emissões dos gases de efeito estufa acontecem em áreas urbanas.

Segundo Davi Martins, representante do Greenpeace, a cidade de São Paulo e toda a sociedade tem um problema “muito sério nas mãos”. Ele disse que a entidade ambiental já apresentou estudo mostrando que a troca da matriz energética não onera o custo da tarifa.

“Muda-se o cálculo de como se dá esse custo a partir de um veículo que pode operar por mais tempo, com um custo de manutenção e operação menor. A partir do momento em que há um volume maior de venda desses veículos com energia 100% renováveis, o custo dele também vai cair. A longo prazo pode ser, inclusive, mais barato do que pagamos hoje”, afirmou.

Uma nova audiência pública para tratar do tema deverá acontecer daqui a duas semanas. “Espero que a gente possa sanar as dúvidas e propor soluções e melhorias para o projeto”, disse, ao final, Ricardo Borges Martins, da Minha Sampa.