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Entidades querem SP contra os agrotóxicos: estado consome 4% da produção mundial

Ideia é constituir um espaço permanente de debate sobre os impactos à saúde do trabalhador, do consumidor, da população em geral e ao ambiente em articulação com instituições públicas

Venilton Küchler/Fotos Públicas

Sob argumento do “aumento de produção”, os agrotóxicos causam intoxicações, câncer e malformações

São Paulo – Representantes da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e da CUT, entre outras entidades, defendem a criação de um fórum paulista de combate aos agrotóxicos nos moldes de fóruns existentes em praticamente todo o país. A ideia é constituir um espaço permanente de debate sobre os impactos à saúde do trabalhador, do consumidor, da população em geral e ao ambiente em articulação com instituições públicas.

A reivindicação é um dos encaminhamentos da audiência pública realizada na manhã de hoje (12), no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, na capital paulista, no âmbito das atividades da comissão especial da Câmara que discute o Projeto de PL 3.200/2015, mais conhecido como “PL do Veneno”.

De autoria do deputado federal Covatti Filho (PP-RS), o projeto tem sido repudiado por entidades de saúde, ambientalistas, sindicais e de defesa do consumidor, entre outras, porque permitirá o aumento do uso de agrotóxicos no país e o agravamento dos impactos à saúde, meio ambiente e segurança alimentar. Isso porque praticamente revoga a Lei de Agrotóxicos 7.802/89, afrouxa punições previstas, compromete o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), elaborado no governo da presidenta Dilma Rousseff no âmbito da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo).

Demanda de todas as organizações sociais do campo que atende a necessidades da população urbana – e uma das principais prioridades dos fóruns e da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos – o Pronara ainda não foi implementado. Estava estava sob coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, extinto pelo governo interino de Michel Temer (PMDB). Sua implementação depende, agora, de pressões da sociedade.

“Enquanto os países europeus estão em pé de guerra contra os agrotóxicos e a OMS recomenda menos agrotóxicos, o Brasil vai na contramão. O estado de São Paulo, sozinho, consome 4% de todo o agrotóxico produzido no mundo. Uma grande tragédia contra a saúde da população, especialmente do interior. E nem sequer temos um fórum para esse debate”, diz o defensor público Marcelo Novaes, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Santo André.

Desde 2009, o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, com consumo médio mensal de 5,2 quilos de veneno agrícola por habitante.

“Se antes a população do interior fazia excursões para o Paraguai para comprar muamba ou para Aparecida, para rezar na catedral, hoje fazem excursão para centros de oncologia. Estamos vivendo uma terra arrasada no interior de São Paulo”, diz o defensor.

Novaes é autor de recomendação à Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André (Craisa), que recentemente lançou uma página na internet com resultados de monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos na região.

Além de alterar o nome de agrotóxico para defensivo fitossanitário, estabelecer valores irrisórios para avaliação de registro e reavaliações de agrotóxicos, o “PL do Veneno” transfere o processo de aprovação e registro de agrotóxicos da Anvisa e do Ibama para um novo órgão a ser criado, a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários, a CTNFito. Vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), essa comissão não terá representantes dos consumidores e nem de trabalhadores rurais.

“Precisamos de uma agenda política, chamar audiências públicas para São Paulo e ampliar o debate com setores mais esclarecidos do agronegócio e até parceiros comerciais estrangeiros, que estão banindo os agrotóxicos em seus países”, diz o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), integrante da comissão especial que avalia o PL do Veneno.

Malformações

Para o agrônomo Leonardo Melgarejo, esses projetos que permitem aumentar ainda mais o consumo de agrotóxicos no país é fruto de pressão da indústria do setor. “O reconhecimento do glifosato como cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde derrubou o consumo desse agrotóxico em todo o mundo. Houve também queda na venda de outros tipos de agrotóxicos, trazendo prejuízo e sobra de estoques que têm de ser desovados”, disse.

Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e representante da Associação Brasileira de Agroecologia junto à Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Melgarejo mostrou a relação entre o agronegócio, o uso de agrotóxicos, as intoxicações, o surgimento de casos de câncer, malformações e infertilidade em todos os seres vivos – não apenas em humanos.

Em 2013 houve 5.500 casos de intoxicação por agrotóxicos registrados no país. A OMS estima que, para cada caso notificado, outros 50 não foram comunicados.

Derrubando argumento da indústria do veneno, segundo o qual é impossível produzir alimento em grande quantidade de maneira ecológica, ele mostrou a produção agroecológica de arroz por cooperativas de assentamentos de reforma agrária, que está abastecendo programas de merenda escolar como a do município de São Paulo. “Isso mostra também a importância de avanços nas políticas agrárias e na implementação de assentamentos em áreas de minifúndio”, explicou.

E mostrou dados sobre o aumento de pesquisas científicas em todo o mundo sobre produção orgânica. “Isso comprova que agroecologia ganha importância como ciência formal, que não é coisa antiga, ultrapassada, e que é possível produzir bem sem veneno.”

Para o secretário de Meio Ambiente da executiva nacional da CUT, Daniel Machado Gaio, debater a cadeia dos agrotóxicos é tão urgente quanto os debates sobre as ameaças ao direitos com o golpe. “A luta maior é por um modelo de desenvolvimento diferente do que temos, em que trabalhadores não têm informações, se intoxicam, adoecem e morrem sem que haja nexo entre as doenças e os agrotóxicos, e a população como um todo não recebe informações a respeito.”

Mais informações podem ser obtidas na página da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida

 


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