Cancerígeno

Fiocruz repudia portaria que institui comissão para debater uso do amianto no Brasil

Órgão ligado ao Ministério da Saúde e outras entidades científicas seguem recomendação da OMS pelo banimento; a fibra é causadora de câncer e diversas outras doenças graves

Karol Pilch/Wikimedia

OMS classifica o amianto como um ‘inimigo silencioso’; estudos mostram que o mineral provoca câncer

São Paulo – A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), vinculada à Fiocruz, manifestou-se contrária à criação de uma comissão especial para debater o uso do amianto no Brasil, por meio da Portaria 1.287 do Ministério do Trabalho e Emprego. Para a instituição ligada ao Ministério da Saúde, a portaria pretende propor medidas de controle, entre outras, para o uso do mineral comprovadamente cancerígeno.

Em nota, assinada pelo diretor da ENSP/Fiocruz, Hermano Castro, a instituição se posiciona em total desacordo com tal portaria. Para o médico, não cabe normatizar o uso seguro do amianto quando sua produção e uso estão sendo banidos em vários países que seguem diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto aos seus efeitos nocivos à saúde das populações.

De acordo com Castro, a própria Fiocruz tem demonstrado, em inúmeros fóruns, os malefícios do amianto e o impacto sobre a morbimortalidade das populações expostas ocupacional e ambientalmente.

Nos últimos 30 anos, os resultados dos estudos sobre o uso do mineral não deixam dúvidas de que todas as formas de amianto, inclusive o crisotila, provocam câncer. “Os danos causados pelo amianto não se restringem aos trabalhadores, mas comprometem a saúde de toda a população exposta. Deixa de ser mais um problema ocupacional estrito e se torna um grave problema de saúde pública. O amianto ultrapassa os muros das fábricas, onde deixa uma legião de trabalhadores adoecidos e ganha a sociedade ao ter sua utilização permitida em diversos produtos de consumo cotidiano, por exemplo, as telhas de cobertura.”

A OMS classifica o amianto como um ‘inimigo silencioso’. Em publicação do organismo internacional, em que é atestada a nocividade da fibra, está estabelecido que não há limite seguro para a exposição ao mineral e há recomendações para sua substituição como a melhor forma de prevenir câncer, asbestose pulmonar, espessamento pleural difuso, placas pleurais, câncer de pulmão e mesotelioma, não havendo nenhuma forma de se trabalhar com o amianto sem que haja risco à saúde.

A Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (Iarc), vinculada à ONU, classifica o amianto e todos os seus tipos como cancerígeno para humanos desde 1987. Isso porque existem evidências suficientes em humanos e também em testes com animais. Em 2012, pesquisadores confirmaram os perigos depois de analisar 55 estudos epidemiológicos.

Estão comprovados cientificamente os danos a respeito da fibra mineral causadora de doenças como os casos de adoecimento e morte por amianto no Brasil são decorrentes da falta de uma lei que retire a fibra cancerígena dos processos produtivos e do consumo, e não de portarias que busquem normatizar seu uso, além de, quando ‘necessário’, equipamentos de proteção.

“Protelar a lei do banimento do amianto coloca o Brasil entre os países que não enfrentam o problema da epidemia do câncer, hoje realidade na Europa, e estabelece o pico da nossa mortalidade para os próximos 20 anos, dado o longo período de latência para o câncer de pleura, denominado mesotelioma”, diz Hermano Castro.

Outras entidades científicas, como a Sociedade Brasileira de Pnemumologia e Tisiologia e a Associação Nacional de Medicina do Trabalho, para as quais a portaria “é absurda”, também repudiaram a portaria pelo “flagrante retrocesso ao conhecimento técnico sobre o tema” e por “perpetuar de forma absolutamente falaciosa um debate ultrapassado, visando a unicamente atender a interesses econômicos restritos, em detrimento das normas mais básicas de prevenção em saúde e de equidade social no país, uma vez que os malefícios irão certamente ter seus reflexos concentrados nas populações mais desfavorecidas”.