SUS

Especialista volta a defender 10% das receitas brutas da União para a Saúde

Gilson Carvalho defende aprovação de projeto de lei de iniciativa popular que fixa esse percentual, e não os 15% da receita líquida como quer o governo

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Financiamento público e visão mercadológica dos serviços de saúde: debate ainda longe do consenso no país

São Paulo – Em debate sobre financiamento da saúde pública realizado na noite de ontem (11) na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, o médico sanitarista e especialista em financiamento da saúde Gilson Carvalho reafirmou a necessidade de aprovação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular 321/2013, que tramita na Câmara. De iniciativa do Movimento Saúde + 10, encabeçado por diversos setores da sociedade e endossado por mais de 2 milhões de assinaturas, o texto prevê a aplicação, pela União, de 10% das suas receitas correntes brutas.

Atualmente, não há percentual definido para esta esfera de poder, apenas para estados e municípios. Com a Emenda 29, a Constituição manda o governo federal investir o montante aplicado no ano anterior corrigido pela variação do PIB,  enquanto os governos estaduais devem aplicar 12% e as prefeituras, 15%.

“A aprovação do PLP não é de interesse do governo neste momento. Por isso vem sendo estudada uma proposta de investimento de 15% da receita líquida. Embora esse cálculo pareça mais mais vantajoso, representa menos dinheiro do que a fórmula que defendemos porque há o risco de criação de outros mecanismos que venham a reduzir o total líquido das receitas”, explicou Carvalho.

Ele passou a estudar o tema a partir da década de 1990, quando foi secretário de saúde por duas vezes em São José dos Campos (SP). Mais tarde foi presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e mais recentemente, consultor da entidade. Foi também secretário de assistência à saúde do Ministério da Saúde.

Em sua participação, o sanitarista apresentou dados sobre a redução gradativa dos investimentos da União na saúde pública. De acordo com ele, o gasto federal per capita caiu entre 1997 (R$ 294) e 2008 (R$ 289). Em 2003, primeiro ano do governo Lula, R$ 234 e em 2008, R$ 289. Houve queda também em relação ao percentual. Em 1995, o Ministério da Saúde teve disponível para suas atividades 11,72% da receita corrente bruta da União. Em 2011, caiu para 7,3%.

Em compensação, aumentou a participação de estados e municípios no custeio. Em 1980, a participação federal era de 75%, a estadual 18% e a municipal de 7%. Em 1991, foi 73% da União, 15% dos Estados e 12% dos municípios. Em 2001 foram 56% de recursos federais, outros 21% estaduais e municipais, 23%. Já em 2011 a União a contribuição da Uniçao caiu para 47%, os estados com 26% e os municípios com 28%.

A definição de fontes de recursos à saúde é pauta também na Câmara, na qual uma comissão especial para encontrar alternativas de financiamento esteve reunida na semana passada. O relator da comissão, deputado Rogério Carvalho (PT-SE), sugere a recriação da CPMF (extinta em dezembro de 2007), rebatizada de Contribuição Social para a Saúde (CSS), com alíquota de 0,2%, que incidiria sobre a movimentação financeira bancária a partir de 2018, e a destinação de 15% da receita corrente líquida da União para o financiamento do SUS.

A ideia é aumentar gradativamente o investimento. Em 2014, o percentual seria de 13,2%, em 2015, 13,8%; em 2016, 14,4%; em 2017, seria finalmente atingido o percentual de 15%. O líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), pediu vista do projeto e com isso adiou a votação.

OSs

Outro ponto alto do debate foi a regulação do setor. O coordenador do comitê da cadeia produtiva de saúde da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Gabriel Tannus, defendeu que a saúde é um negócio – o sistema envolve gestão, recursos e investimentos, movimentando 8% do PIB.

Ele defendeu ainda que o governo deve apenas regular o setor – e não executar o atendimento à saúde –, e deu como exemplo a existência da chamada dupla porta em hospitais públicos, como no Instituto do Coração (Incor), e a atuação das organizações de saúde (OSs) na gestão de unidades públicas de assistência à saúde.

Segundo ele, o atendimento privado em unidades públicas permite mais investimentos em recursos humanos e tecnológicos, o que beneficiaria a todos, inclusive os usuários do sistema público. E mencionou o Hospital Infantil Menino Jesus, na capital paulista, que, avalia, melhorou o atendimento depois que passou a ser gerido pela OS Sírio-Libanês.

“As OSs estão demonstrando que com maior liberdade de ação, que não acontece no SUS, é possível destravar a burocracia e melhorar o atendimento”, opinou.

Gilson Carvalho rebateu, lembrando que falta no país competência para lançar editais, contratar e fiscalizar a atuação das OSs. “Em muitas cidades são elas que cuidam de tudo, redigem os contratos e trabalham sem fiscalização. Do jeito que a coisa anda, é bem possível que o Supremo Tribunal Federal decida pela constitucionalidade da atuação dessas entidades”, disse o médico, que as considera inconstitucionais.

Está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.923, ajuizada com pedido de liminar, pelo PT e pelo PDT, questionando a Lei 9.637/98, das OSs e o inciso 24, artigo 24, da Lei 8.666/93, das licitações, que dispensam de licitação a celebração de contratos  de gestão firmados entre o poder público e as organizações sociais para a prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde.

Ainda segundo Gilson Carvalho, a existência da dupla porta nos hospitais públicos fere um dos fundamentos do SUS, de equidade no atendimento, e não têm beneficiado a população que depende do serviço público. Ao contrário: “Os beneficiários de planos de saúde ou os que podem pagar geralmente são beneficiados com melhores instalações, melhor atendimento e ainda são privilegiados na fila, esperando menos tempo por consultas, exames e cirurgias”.