O novo passa por Tiradentes

A mais recente produção de jovens diretores foi o foco do primeiro festival de filmes do ano, na cidade histórica de Minas

(Foto: Alexandre C. Mota / Divulgação)

“À noite, aqui mesmo, vai passar um filme de rodeio.” O comentário corria a praça da cidade logo pela manhã. Garantia de público. Outros, porém, torciam o nariz com medo de ficar mais de hora e meia vendo caubóis de butique desfilar suas picapes, rangers e dodges em uma tela instalada na praça principal da histórica Tiradentes, no sudoeste de Minas Gerais. O burburinho antecedeu uma das exibições da 14ª Mostra de Cinema de Tiradentes, realizada no final de janeiro. O evento que abriu o calendário audiovisual brasileiro de festivais, por ironia, ocorreu numa cidade de 5.000 habitantes onde não há nenhuma sala de cinema. Boa parte dos 134 filmes da programação foi exibida na praça central. 

Apesar de a programação trazer sucessos como Tropa de Elite 2, em Tiradentes o que importa mesmo é o novo. O novíssimo cinema brasileiro, produzido em geral na raça, em meio a dificuldades. O boato que agitava a cidade, por exemplo, se referia ao documentário Solidão e Fé, primeiro longa de Tatiana Lohmann, que investiga o universo masculino dos rodeios. À noite, a diretora foi à praça assistir ao filme com o público. Vestido curto, cabelos soltos, jeito urbano, tatuagem grande no braço, timidamente fez seus agradecimentos e olhou o público que lotava a praça. Foram 100 minutos ouvindo a própria voz e relembrando todo o percurso de seu filme. 

A arena dos rodeios é o espaço onde Tatiana foi buscar o homem viril, o arquétipo do herói, que vaga pelo desconhecido e não tem medo dos homens, da vida e das feras. Com a câmera em punho e muita coragem, a diretora e narradora do filme encarou o desafio de percorrer os principais rodeios do Brasil para registrar a vida dos peões.

Não todos, mas aqueles que ainda carregam, até certo ponto, os valores de um mundo “bruto” que resiste ao mainstream, ou ao grande empreendimento dos rodeios. Segundo ela, encontrou pelo caminho cavaleiros andantes, heróis, gladiadores, sertanejos, boiadeiros, enfim, o homem comum – cheio de doçura e violência. “Existem aspectos num homem que uma mulher não entende, só contempla”, afirma. Tatiana diz que poderia ter feito um filme sobre o processo de americanização e espetacularização do rodeio, em que o peão vem deixando de ser o protagonista, cedendo espaço para o locutor – “É ele quem divulga a marca”. O caminho, porém, não foi esse. A diretora-personagem lança um olhar feminino sobre homens simples e rudes. “Tive a sensação de estar viajando por um universo antigo. E vi que esse arquétipo do herói está em crise, quase não existe mais.” 

Em nome da mãe

Tatiana sustenta que adentrar o mundo dos peões tradicionais foi um exercício do entendimento das diferenças entre homem e mulher, explícitas nas falas e atitudes dos personagens. “Rústicos, fortes e valentes, com grande apego à mãe”, descreve. Ela diz que todos carregam ainda, dentro do chapéu, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, com quem conversam durante a reza antes das competições. No documentário, uma das mães entrevistadas conta que o filho dorme com ela, na mesma cama, até hoje. E ele retribui rezando e, claro, provendo a casa com o “money” dos rodeios.

Novíssimo

Além de Solidão e Fé, a Mostra Vertentes exibiu outros seis filmes. Em comum, segundo a curadoria do evento, a necessidade de serem vistos com cuidado, sem pressa, porque cada um deles tem sua proposta e importância. São eles Copa Vidigal, de Luciano Vidigal; Cortina de Fumaça, de Rodrigo Mac Niven; Elza, de Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan; No Olho da Rua, de Rogério Corrêa; O Último Romance de Balzac, de Geraldo Sarno; e Os Monstros, de Guto Parente, Luiz Pretti, Ricardo Pretti e Pedro Diógenes.

 Entretanto, o “filé” do festival é a Mostra Aurora, que traz o legítimo e novíssimo cinema brasileiro. Em sua quarta edição, a seleção de novos nomes, composta exclusivamente por diretores estreantes e já tradicional no evento, foi também a parte mais esperada entre curadores internacionais que participam da mostra.

Foram escolhidos cinco documentários e duas ficções, de Minas­, Rio, São Paulo e Pernambuco. Um dos destaques é o filme Enchente­, de Julio Pecly e Paulo Silva, sobre a inundação que atingiu a Cidade­ de Deus, no Rio de Janeiro, em 1996. A dupla que dirigiu o filme mora na região. 

Também foram exibidos Riscado, de Gustavo Pizzi; Remições do Rio Negro, de Erlan Souza e Fernanda Bizarria; Sertão Progresso, de Cristian Cancino; Os Residentes, de Tiago Mata Machado; Santos Dumont – Pré-Cineasta?, de Carlos Adriano; e Vigias, de Marcelo Lordello.

Dezenas de outras atividades atraíram milhares de pessoas a Tiradentes. No total foram 30 longas em pré-estreias nacionais e mundiais, 104 curtas e muitos debates temáticos, com a participação de nomes como Cláudio Assis, Julio Bressane e Cacá Diegues. 

O número de homenageados na 14ª Mostra de Tiradentes também cresceu. Na noite de abertura, dois nomes foram celebrados: o ator Irandhir Santos, por sua atuação em sucessos como Tropa­ de Elite 2, e o cineasta carioca Paulo César Saraceni, autor de O Gerente, que abriu o festival, e um dos pioneiros do Cinema Novo. Ambos receberam o Troféu Barroco das mãos da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, presente ao evento ao lado da nova secretária do Audiovisual, Ana Paula Santana. Sem discursos, a ministra elogiou a boa fase do cinema brasileiro. “Não estamos apenas levando o Brasil para fora, mas conquistando um público enorme aqui dentro.” 

Colaborou Eduardo Fahl

“Recife respira cinema”, diz Irandhir

Com apenas cinco anos de carreira, o ator pernambucano Irandhir Santos, de 32 anos, foi um dos homenageados na 14ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Apesar do pouco tempo de estrada, ele tem no currículo 15 filmes. O mais recente foi o mais marcante. Santos é o deputado Diogo Fraga, de Tropa de Elite 2. Outros dois filmes entram em cartaz este ano, Tatuagem e Lobo atrás da Porta. Irandhir abriu espaço na agenda agitada de Tiradentes para falar com a Revista do Brasil.

Nos últimos quatro anos você fez 14 filmes. Quantos com diretores de Pernambuco?
Mais da metade. No caso do Cláudio Assis eu até repeti. Depois de Baixio das Bestas, fiz o Febre do Rato, terceiro longa dele. Acredito que isso tem a ver com minha proximidade com os diretores e com acreditar nessa maneira nova de contar histórias que surge por lá. O cinema pernambucano se voltou às suas raízes, isso tem impulsionado a produção audiovisual e uma nova linguagem que permite dialogar com qualquer público, do Brasil e do mundo. Você vai a Recife e tem lugares de exibição muito especiais, como a Fundação Joaquim Nabuco. Existem vários lugares onde se encontram pessoas de cinema que geram debates e discussões interessantes. É como se a cidade respirasse cinema em seu ambiente natural, em seu habitat, em sua geografia.

Irandhir Santos (Foto: Eduardo Fahl)
Durante debate aqui em Tiradentes, um jornalista falou sobre prós e contras da exposição excessiva em filmes e novelas, e citou Wagner Moura. Você, com tantos filmes, não tem medo do desgaste da imagem?
Acho que o ator tem esse prazer, esse privilégio da transformação. A questão importante é a versatilidade, encarar personagens diferentes e a cada um ser outro. Acho que o cinema dá essa possibilidade, porque junto ao ator há outros profissionais altamente responsáveis por aquela fisicalidade que vai ficar na imagem. São excelentes figurinistas, maquiadores, e isso ajuda muito a criar uma persona diferente. Então, estar em várias produções significa que você tem a capacidade de ser outro.

Quais são suas apostas para 2011?
Eu citaria tantas obras que passaram aqui na mostra de Tiradentes, mais de 120, mas quero ressaltar um ponto que considero determinante, tanto para Tiradentes quanto para a trajetória nacional do cinema mesmo. Estou falando dos documentários que estão vindo com uma grande força. Aqui na Mostra Aurora, dos sete longas, cinco são documentários, todos muito fortes e peculiares na maneira de serem feitos.

Você destaca algum nome?
Mais do que uma aposta, faço uma reverência ao trabalho de ficção da cineasta Renata Ribeiro. Eu acompanhei o trabalho dela como diretora de arte em dois filmes. Recentemente ela veio à frente dos projetos, como diretora, e tem desempenhado um trabalho fantástico. Em Tiradentes, ela apresentou Praça Walt Disney, produzido no ano passado. Foi a pré-estreia nacional. Aposto nessa diretora como uma forte criadora. Eu gosto bastante do Super Barroco, que foi o primeiro curta-metragem dela, no qual no qual a Renata faz a junção perfeita do que ela é como profissional na direção de arte.