A Europa e a “maldição” do Caribe

Votação dos piratas de Berlim mostrou vácuo entre juventude e partidos tradicionais

Flávio Aguiar (Foto © Arquivo RdB)Eles eram jovens, simpáticos, irreverentes… Apenas 15 contra centenas, talvez mais de um milhar. Eles eram os candidatos do Partido Pirata, tradicionalmente monotemático em torno de questões como liberdade de expressão, de circulação de informação e de direito a maior privacidade na internet. Eles enfrentavam, na eleição berlinense do dia 18 de setembro, os gigantes da política alemã: SPD, CDU, Verdes, o FDP (descrito sempre como business friendly). Até a Linke, A Esquerda, fundada não muito tempo atrás, parecia formidável diante deles, com sua votação de dois dígitos.

Muitas vezes os movimentos de jovens são descritos como “despolitizados”, ou “descrentes” da política. Não foi o caso desta vez, o que dá uma certa esperança de renovação num cenário político-institucional imobilista como o europeu

É verdade que há algumas semanas as coisas começaram a mudar. Inteligente, criativa, bem-humorada, a propaganda pirata chamava a atenção, num clima eleitoral morno e monótono. Um dos temas dessa campanha foi a proposta de conter o aumento dos aluguéis, descontrolado na cidade. Outros foram a melhoria da educação e a integração dos imigrantes.

O comum do Partido Pirata, se eles entrassem no ramerrão da mesmice, seria permanecer em suas palavras de ordem também tradicionais. Numa entrevista que fiz tempos atrás para a Rede Brasil Atual, a líder sueca do Partido, Amelia Andersdotter, explicou que os piratas se recusavam a avançar em outras propostas porque perderiam votos, já que eles vinham tanto da direita quanto da esquerda. E naquele momento, em 2007, acabavam de obter, justamente pela­ Suécia­, sua primeira cadeira no Parlamento Europeu.

Entretanto, Berlim foi o contraexemplo. Os piratas avançaram em propostas inovadoras e ousadas, como acesso gratuito ao transporte público, fixação de um salário mínimo (até então só a Linke defendia essa proposta), fim do imposto eclesiástico (“privatizemos as religiões”, dizia um cartaz bem-humorado). Resultado: foi uma avalanche de votos. Saíram do nada para 9% da votação e elegeram todos os 15. Se tivessem mais votos, criariam um problema inusitado: o número de cadeiras a que teriam direito na Câmara berlinense seria maior que o de candidatos inscritos.

Todos os outros partidos, mesmo os que aumentaram a votação, saíram perdendo. O SPD, vencedor, que vai manter o prefeito, Klaus Wowereit, caiu de 30,8% para 28,3%. A CDU, da chanceler Angela Merkel, foi de 21,3% para 23,4%, um crescimento pífio, sobretudo porque seu parceiro no governo federal, o FDP, foi arrasado: caiu de 7,6% para 1,8%, não elegendo um único deputado. Ficou atrás até do neonazi NPD, que teve 2,1% dos votos. Os Verdes cresceram de 13,1% para 17,6%, um aumento significativo, mas esperavam crescer muito mais, a ponto de sonhar em ocupar a prefeitura. A Linke perdeu pouco na votação, de 13,4% para 11,7%, mas na prática perdeu muito: depois de participar do governo durante dez anos, na próxima eleição a coligação do SPD (já de olho no pleito nacional) será com os Verdes.

O próprio modo como a mídia olhou a vitória pirata assumiu o tom alegre da campanha. Um dos jornais alardeava: “A maldição do Caribe”,  “Der Fluch von Karibik”, numa alusão ao filme estrelado por Johnny Depp, Os Piratas do Caribe. Isso porque o PP roubou votos de todo mundo: sobretudo­ dos Verdes, mas dos outros também, até dos conservadores FDP e CDU.

A vitória dos piratas mostrou que cresceu o vácuo entre a juventude e os partidos tradicionais. Aquelas novas palavras de ordem que eles mobilizaram (além das suas tradicionais) dizem muito para os jovens, que, não só em Berlim, mas na Europa inteira, têm os maiores contingentes de desempregados.

Muitas vezes os movimentos de jovens são descritos como “despolitizados”, ou “descrentes” da política. Não foi o caso desta vez, o que dá uma certa esperança de renovação num cenário político-institucional imobilista como o europeu.