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Fica para a próxima

Apesar dos alertas dos efeitos das mudanças climáticas em diversos pontos do planeta, a COP 15 deixou escapar uma oportunidade histórica de acordo internacional para conter o aquecimento global

Bob Strong/Reuters

Manifestantes cobram a responsabilidade do Primeiro Mundo

“Se o clima fosse um banco privado, esse assunto já estaria resolvido há muito tempo”. A sarcástica afirmação feita pelo presidente venezuelano Hugo Chávez durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), encerrada e, dezembro em Copenhague (Dinamarca), foi reveladora da pouca vontade política demonstrada pela maioria dos líderes mundiais na tentativa de se chegar a um acordo com força de lei para combater o aquecimento global. A tímida proposta pelos Estados Unidos fez com que outros países ricos se movessem pouco. União Europeia e Japão, por exemplo, não cumpriram o prometido, que era avançar nas propostas iniciais de redução de emissões de gases de efeito estufa (20% e 25%, respectivamente) que levaram à Copenhague. Do outro lado, os países em desenvolvimento, como China e Índia, também fincaram pé em não aceitar metas obrigatórias de redução de emissões nem a criação de mecanismos externos de verificação das metas voluntárias assumidas.

A posição do  governo dos Estados Unidos não foi além do prometido corte de 17% até 2020 de suas emissões de gases de efeito estufa, tendo como base o ano de 2005. Se levado em conta o ano-base estabelecido no Protocolo de Kyoto, que é 1990, a redução proposta por Barack Obama é de apenas 4%. O impasse já era claro na primeira semana. Os rumores entre os diplomatas nos corredores da conferência davam conta de que dois documentos seriam alinhavados.

O primeiro seria o rascunho da segunda fase do Protocolo de Kyoto, com metas mais ambiciosas de redução de emissões para os países ricos e a não obrigatoriedade dos países em desenvolvimento em assumir metas, respeitando o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. O segundo almejava trazer os EUA para dentro de um acordo e, ao mesmo tempo, contemplar a exigência dos países ricos de que os países em desenvolvimento também assumissem metas. Chamado de Compromisso de Longo Prazo, esse documento não teria força de lei e faria menção a todas as metas assumidas por cada país. Outros objetivos, como a manutenção do aumento médio da temperatura da Terra em no máximo 2 graus Celsius nas próximas décadas, também eram mencionados, assim como a promessa de redução global das emissões em 80% até 2050.

Apesar de as discussões para o “pós-Kyoto” terem sido iniciadas há dois anos, diplomatas e negociadores chegaram ao último dia do encontro sem desatar os principais nós da discussão ambiental. A tarefa ficou para os chefes de Estado. Os mais importantes líderes estavam lá: Wen Jiabao (China), Angela Merkel (Alemanha), Nicolas Sarkozy (França), Gordon Brown (Reino Unido) Mamonhang Singh (Índia), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Barack Obama (EUA). Alguns deles vararam a madrugada em uma reunião convocada por Sarkozy e Lula. Mas queda de braço com os EUA não foi solucionada. A COP-15 nem sequer conseguiu cumprir o objetivo de apresentar os dois documentos. Sobre a prorrogação de Kyoto, nada foi decidido. As discussões foram empurradas para “ao longo de 2010” e nova tentativa de decisão na COP-16, em novembro, no México.

Muita barganha

No documento final da COP-15, reduzido a uma carta de boas intenções políticas, nem sequer a meta de diminuir 80% das emissões globais até 2050 foi incluída, aumentando o sabor de fracasso do encontro de Copenhague. 

Em discurso, Lula afirmou estar “um pouco frustrado” com os resultados e fez duras críticas aos países ricos: “Os cientistas estão dizendo que o aquecimento global é irreversível. Portanto, quem tem mais recursos e mais possibilidades precisa garantir a contribuição para proteger os mais necessitados. Todo mundo diz estar consciente de que só é possível concluirmos esse acordo se os países assumirem com muita responsabilidade as suas metas. E, mesmo as metas, que deveriam ser uma coisa mais simples, tem muita gente querendo barganhar”, criticou. 

Lula reafirmou o compromisso do Brasil com o Protocolo de Kyoto: “Todos nós poderíamos oferecer um pouco mais se tivéssemos assumido boa vontade nos últimos meses. Todos nós sabemos que, para manter os compromissos das metas e do financiamento, a gente tem que, em qualquer acordo feito aqui, manter os princípios adotados no Protocolo de Kyoto”. E também criticou os que defenderam um documento que contenha somente intenções políticas: “Eu não sei se algum anjo ou algum sábio descerá neste plenário e irá colocar na nossa cabeça a inteligência que nos faltou até agora”.

Chefe da delegação brasileira, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, apresentou na COP 15 as propostas do país: metas voluntárias de redução de 80% do desmatamento da Amazônia e de redução de suas emissões entre 36,1% e 38,9% até 2020, com ações nos setores de energia, agricultura e siderurgia, entre outros. Segundo Dilma, nessas ações de combate e adaptação ao aquecimento global, o país investirá US$ 166 bilhões de dólares nos próximos dez anos. Apesar do mau resultado da COP-15, o Brasil saiu fortalecido. A decisão de apresentar propostas voluntárias de redução das emissões e a postura dos negociadores brasileiros foram muito elogiadas nos bastidores. E a intervenção de Lula no plenário foi o discurso de chefe de Estado mais aplaudido da conferência.

Lula anunciou ainda a intenção do Brasil de colaborar com o fundo global: “Se for necessário fazer um sacrifício a mais, o Brasil está disposto a colocar dinheiro para ajudar os outros países. Não é uma tarefa fácil, mas foi necessário tomar essa medida para mostrar ao mundo que com meias palavras e com barganhas a gente não encontraria uma solução nessa conferência de Copenhague”. Mas a questão do financiamento e da transferência de tecnologia para os países mais pobres também não ficou completamente resolvida. Os EUA defenderam a destinação de US$ 100 bilhões para o combate ao aquecimento global nos próximos anos, mas faltou combinar de onde virá o dinheiro e qual seria a participação americana no bolo.

A tolerância para elevação da temperatura da Terra em até 2 graus Celsius nos próximos anos também desagradou, pois diversos cientistas afirmavam que um aumento acima de 1,5 grau bastaria para fazer desaparecer do mapa países insulares e provocar grandes enchentes em regiões sensíveis. Chefe da delegação de Tuvalu, um dos países “condenados”, Ian Fry manifestou todo o seu desapontamento: “Se for mantido o patamar de 2 graus, a população de todo o país terá de ser evacuada. Tuvalu terá uma data para acabar”.

Coordenador do Vitae Civilis, organização brasileira que integra a Climate Action Network, Rubens Born lamentou a postura de alguns países: “Permaneceu a postura tradicional  de defesa de interesses nacionais e setoriais, sem visão global da questão. O impasse, a tentativa do primeiro-ministro da Dinamarca de rascunhar dois novos textos de decisões que não levam em conta o que foi negociado pelos delegados, a busca de empurrar para outros as razões das dificuldades, tudo isso mostrou que nem a ciência nem a ética e justiça com os mais vulneráveis têm servido de base para acordos em mudança de clima”.