Perdemos um amigo

Quando não em manifestações, como um sonhador num programa de calouros, Dedé Passos cantava sozinho no calçadão, simulando um som com seu microfone imaginário

Ilustração: Vicente Mendonça

Na manhã do dia 14 de junho, uma quarta-feira, chego ao trabalho e dona Vera, a copeira, vem me mostrar a foto de um jovem deitado num sofá, no hall do prédio Martinelli, Centro Velho de São Paulo. Ela disse que era o Dedé. Ele chegara à portaria do Sindicato dos Bancários pedindo ajuda, estava passando mal.

À tarde, quando estava numa reunião, recebo um torpedo: “Lamentamos informar que o cantor Dedé Passos, que esteve durante anos em muitas de nossas atividades de rua, sofreu um infarto”. Morreu ali mesmo, onde havia chegado horas antes.

No final da década de 1980 e início dos anos 1990, quando eu estava na presidência do Sindicato dos Bancários, em todas as nossas manifestação de rua Dedé aparecia para cantar junto com a nossa bandinha, a Banda do Peru, também formada por senhores músicos conhecidos das ruas do Centro Velho.

Muita gente gostava de Dedé, pelo seu jeito jocoso de cantar com um microfone imaginário na mão, “desbundado”, mas profundamente humano e simpático. Cantava como um sonhador num programa de calouros.
Claro, havia um ou outro que se aborrecia. Por exemplo, numa agência do BIC Banco tinha um gerente carequinha que criava problema com o sindicato.

Quando a bandinha ia passando com nossa minipasseata, parávamos em frente à agência e Dedé cantava: “Ele é o enviado, ele é o enviado…”, e todo mundo ria. Com o tempo o gerente ficou bonzinho e parou de dar problema. 
Assim era o Dedé. Quando não cantava em manifestações, cantava sozinho, simulando um som com o pseudomicrofone.

O cronista Lourenço Diaféria (1933-2008), um dos grandes contadores de histórias da cidade, já havia notado a presença do “artista” em seu cotidiano, registrando-a numa de suas crônicas dominicais no antigo Diário Popular, intitulada “O animador de greves”.

Diaféria explicou numa reportagem da Revista dos Bancários de 2001, sobre artistas de rua, de onde teria vindo a inspiração: “Vi um rapaz, um office-boy, que andava cantarolando, gesticulando, fazendo imitações, exibindo-se para ele mesmo, meio maluquinho. Depois perdi a figura de vista. Mais tarde, durante um piquete de bancários, quem estava à frente da banda? Aquele mesmo rapaz que me pareceu meio maluco, mas dessa vez deram a ele a categoria de artista. Foi fantástico, porque acharam uma serventia para um rapaz que facilmente não era compreendido. Na televisão, tem muitas pessoas que não chegam aos pés do Dedé, um personagem da cidade”.

Naquela quarta-feira, Dedé morreu. Poderia ser qualquer um de nós. O Centro Velho perdeu uma figura folclórica. E nós perdemos um pedaço de nossa história. E por ironia do destino, dentro de nosso sindicato, perdemos um amigo. Nos cafés, restaurantes, agências bancárias, pequenos comércios, sem ninguém saber como, todos já tinham sido informados de que Dedé se fora.