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País tem avô? O Brasil tem. Fomos conhecê-lo nos alpes italianos

Ernst Jurgen Schwarzmeier/Flickr/CC Vila de Torbole Trata-se do Lago de Garda, na região italiana do Tirol, próxima dos Alpes. O lago faz a transição entre as terras ao sul, mais […]

Ernst Jurgen Schwarzmeier/Flickr/CC

Vila de Torbole

Trata-se do Lago de Garda, na região italiana do Tirol, próxima dos Alpes. O lago faz a transição entre as terras ao sul, mais baixas, e as montanhas escarpadas ao norte, que anunciam as mais altas montanhas da Europa, repartidas entre Itália, França, Suíça, Áustria, Alemanha, Eslovênia, Mônaco e o diminuto Liechtenstein. Ao sul, o lago se espraia, mais largo, numa região de clima mais ameno. Ao norte, o lago se afunila, cercado pelas encostas de pedras alcantiladas. A leste do lago, está o Vêneto. A oeste, a Lombardia. Também a oeste está Saló, cidade que deu nome aos estertores do regime fascista, no fim da Segunda Guerra. Ali se refugiou Mussolini, antes de seu trágico fim, executado com sua companheira pelos guerrilheiros, que depois penduraram seus cadáveres na praça principal de Milão.

nispi2002/Flickr/CCpunta san vigilo
Punta San Virgilio
die tine/Flickr/CCVila de Saló
Vila de Saló

Mas como podem estas paisagens, tão belas quanto por vezes trágicas, serem as antepassadas do Brasil? A resposta do enigma está na literatura. Quando dom Pedro I proclamou a independência brasileira, no 7 de setembro de 1822, nosso país mais parecia uma colcha de retalhos, como atestam os sucessivos movimentos de rebeldia mais ou menos separatistas que o sacudiram até 1848 – ano da última grande rebeldia brasileira, a chamada Revolução Praieira, em Pernambuco, e que também marca o retorno à Itália de Giuseppe Garibaldi, que lutara na Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, em uma guerra civil que durara uma década.

O esforço para manter a antiga colônia portuguesa unida teve tanto de repressão quanto de exaltação. A primeira foi expressa por Duque de Caxias e outros próceres que foram abatendo e “pacificando” os movimentos rebeldes. A segunda ficou por conta de uma plêiade de literatos, dramaturgos, pintores e músicos que foram, por assim dizer, “compondo a sinfonia Brasil” com sua imaginação. Ou seja, o Brasil existiu literariamente antes de existir de fato como pátria integrada. Dentre os literatos, destacou-se (com outros) o maranhense Gonçalves Dias, que compôs aquela que seria a certidão de batismo de nossa terra, a que “tem palmeiras, onde canta o sabiá”

Tão certidão e tão certeira foi sua Canção do Exílio, que foi glosada por inúmeros outros poetas, inclusive sob a forma de paródias. Ocorre que o poema de Gonçalves Dias tem uma epígrafe, a citação de um poema, conhecido como Canção de Mignon, do poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe. Esse poema consta de seu romance Wilhelm Meister – Anos de aprendizado, uma das obras-chave do romantismo europeu e mundial. Quem diz o poema é uma menina cigana, protegida por e apaixonada pelo protagonista, que fala de uma terra entre altas montanhas, decorada por flores e frutas maravilhosas. Que frutas? Limões e laranjas. Diz ela que aprendeu a canção na Itália. E onde, na Itália, Goethe, e por seus olhos, Mignon, viram estes limões dourados e maravilhosos? Ora, no Lago de Garda, por onde andou viajando depois de sua primeira grande decepção amorosa.

Goethe chegou a ser detido por algumas horas num castelo à beira do lago, suspeito de ser um espião prussiano. Mas safou-se, e admirou os notáveis limoeiros crescidos à beira das águas, apoiados em estacas de cimento e armações de arame e madeira, até hoje. E assim os limões de Garda se tornaram os legítimos avós poéticos do nosso país. Esperemos que mais para o bem do que para o mal. Quem quiser conferir, que tome um avião até a cidade de Bergamo, alugue um carro, e vá banhar-se de beleza e limonadas às margens do lago, que também exibe ruínas romanas, castelos medievais, além de encantadoras cidades.

Ecos da Canção do Exílio

“Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá/ As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá/ Nosso céu tem mais estrelas/ Nossas várzeas têm mais flores/ Nossas flores têm mais vida/ Nossa vida, mais amores/ (…) Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá.”

Hino Nacional Brasileiro: “Nossos bosques têm mais vida/Nossa vida, em teu seio, mais amores”.

Hino do Expedicionário (FEB na Campanha da Itália): “Por mais terras que eu percorra/Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá/ (…) Lá no alto da colina/ Onde canta o sabiá”.

Campanha pela anistia: alguns cartazes que reivindicavam o retorno dos exilados e banidos pelo poder discricionário da ditadura reproduziam a foto de um jovem mochileiro pedindo carona, com o dístico: “Não permita Deus que eu morra/sem que volte para lá”.

A epígrafe do poema, que cita fragmentos da canção de Goethe: “Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn/ Im dunkeln Laub die Goldorangen glühn/ (…) Kennst du es wohl?/ (…) Dahin, dahin/ Möcht ich (…) ziehn”. “Conheces a terra onde florescem os limoeiros/ e as laranjas áureas brilham entre as folhas e os nevoeiros?/ (…) Conheces bem?/ Para lá, firme/ (…) Eu quero ir-me”.

O poema de Goethe é uma súmula romântica, falando de uma velha casa, de altas montanhas enevoadas, de dragões e trilhas, além do incontido amor da jovem Mignon pelo protagonista Wilhelm Meister. Gonçalves Dias aproveitou umas poucas linhas na sua epígrafe.