Acusações

Votação tensa na Câmara de Salvador tem ovada, ameaças e agressões

Estopim para briga entre trabalhadores e vereadores foi projeto de ACM Neto que abre espaço à contratação de temporários, sem os mesmos direitos reservados aos concursados, aprovado na madrugada

CMS/Valdemiro Lopes

A manifestação se deu contra um projeto que aprovava contratação indiscriminada de trabalhadores em regime temporário

Salvador – A sessão mais tensa da Câmara de Vereadores de Salvador em 2013 foi realizada ontem (4) tendo como pano de fundo um polêmico projeto de aumento de salários, ameaças, agressões e debates acalorados. Reunidos para votar a matéria que reajustava salários dos servidores municipais, vereadores foram hostilizados pela categoria durante horas e, quando a situação se encaminhava para o desfecho, um ovo atirado contra um dos edis detonou uma grande confusão.

Atirado da plateia, o ovo atingiu o vereador David Rios (PSD) na cabeça. Revoltados, os colegas da base do prefeito ACM Neto (DEM) na Casa iniciaram uma discussão acalorada com integrantes do Sindicato dos Servidores da Prefeitura (Sindserv). Edis como Cláudio Tinoco (DEM), Marcell Moraes (PV) e Joceval Rodrigues (PPS) ameaçavam com dedo em riste retirar o voto favorável ao projeto de aumento de salários dos trabalhadores e abandonar a sessão.

Os mais exaltados eram Rodrigues e Moraes, que trocavam berros, agressões e ameaças com os servidores, separados apenas por uma cerca de madeira. Enquanto o líder, porém, tentava se controlar, Moraes aceitou a provocação de servidores e chamou os manifestantes para a briga e tentou invadir o local separado para estes. Por sua vez, os trabalhadores aceitaram o desafio e partiram em massa para a agressão.

A Polícia Militar precisou entrar em cena para que não houvesse embate físico de fato entre vereadores e servidores, que também contavam com a companhia de integrantes do Movimento Passe Livre. Cerca de 10 policiais combateram os que ameaçavam invadir a tribuna, mas ninguém foi preso.

Do lado dos vereadores, assessores e colegas tiveram grandes dificuldades para conter o colega do PV e outros exaltados que também decidiram combater os servidores com os punhos. Após o ápice da confusão, trocas de ameaças mútuas encheram o plenário. Em particular, o vereador Soldado Prisco (PSDB), representante da tropa de policiais militares da Bahia, ameaçava os trabalhadores com promessas de “você vai ver o que vai te acontecer”, enquanto solicitava por telefone que “todo mundo” viesse à porta da Câmara naquele momento.

Os diretores do Sindserv Charlie Ramos e Everaldo Braga, que lideravam as sessões de apupos desde o início da tarde na Câmara, afirmam que abrirão sindicância contra Prisco por ameaça, e cobram proteção. “Queremos as imagens da TV Câmara e também de toda a mídia presente para provar as ameaças do vereador. Pedimos também proteção de vida. Se alguma coisa acontecer aos servidores depois que sairmos daqui a culpa é da Câmara de Vereadores”, apelou Braga.

Por sua vez, Prisco negou que tenha ameaçado servidores e disse que os presentes na plateia da Câmara é que estavam há horas ameaçando os vereadores. “Eles querem alterar as coisas, fazer de conta que nós ameaçamos eles”, explicou. Sobre quem teria chamado por telefone à Casa durante a suposta ameaça, o edil tucano disse que convocou assessores para proteger seu gabinete, o qual temia ser atacado. Durante toda a confusão, os integrantes da Oposição se mantiveram paralisados, surpreso com as proporções do ato, e não intercederam. O que não os impediu de serem acusados pela base de insuflar as agressões.

Votação

A confusão foi provocada especialmente pela existência de um projeto específico na pauta de votações. Enviada pelo Executivo, a matéria confirmava o aumento aos servidores de 6,59% em duas parcelas combinado com a Secretaria de Gestão durante a última greve da categoria. Entretanto, um dos artigos do projeto liberava a prefeitura a usar indiscriminadamente o Regime Especializado de Direito Administrativo (Reda) para ocupar cargos na gestão. O Reda significa a contratação em caráter temporário, sem os mesmos direitos reservados aos funcionários concursados.

Este foi o detalhe a trazer centenas de pessoas às dependências da Câmara gritando contra o que consideravam ser a “destruição da carreira de servidores da Câmara. “A prefeitura, sub-repticiamente, colocou no projeto do aumento a liberação do Reda. Com isto, elos querem dilapidar a previdência do servidor e, no longo prazo, extinguir a categoria, porque os servidores antigos se aposentam e, no lugar deles, entram os cabos eleitorais deles”, denunciou o dirigente Charlie Maia.

“Esta é uma situação lamentável e que causa insegurança ao trabalhador. Enquanto o prefeito diz em seus discursos que vai valorizar a categoria do servidor, envia no projeto um artigo que libera o Reda. Não podemos permitir que isto aconteça”, criticou a vereadora Fabíola Mansur (PSB). Já seu colega de partido Sílvio Humberto, ex-servidor do município, disse que jamais havia testemunhado um tratamento tão “cruel” à categoria e afirmou que o prefeito tentava colocar os trabalhadores uns contra os outros.

Do lado do governo, vereadores se irritavam com as alegações de golpe e defendiam o projeto. Para Joceval Rodrigues, não havia nenhuma ilegalidade no encaminhamento. “Inclusive nós nos encontramos com os servidores pela manhã e eles concordaram que não havia nenhum problema. Além disto, nós fizemos o projeto com a supervisão do Ministério Público”, garantiu. Perguntado se o Reda não seria uma solução ruim posta como alternativa ao concurso público, o líder do governo foi irônico. “Um erro não justifica o outro de maneira nenhuma. Mas aparentemente o Reda é tão bom que o governo do estado ampliou o Reda na gestão”.

A movimentação e a tentativa de incluir duas emendas ao projeto, porém, não foram suficientes para barrar a aprovação do aumento com o artigo sobre contratações temporárias. Apenas com votos negativos da bancada da oposição, a matéria foi aprovada quase à meia-noite debaixo de gritos de “rolo compressor”, “traidores” e “vendidos”. Inconformados, servidores já prometem judicializar a questão devido à suposta inconstitucionalidade de permitir o Reda irrestrito na gestão.