STF condena Marcos Valério a 11 anos de prisão por três crimes

Publicitário ainda terá pena aumentada por outros itens. Supremo decide pela absolvição nos casos em que houve empate

Barbosa contestou o direito de Lewandowski de participar do cálculo das penas (Foto: Gervásio Baptista / STF)

Rio de Janeiro – Iniciado já no primeiro dia de julgamento, o embate entre os pontos de vista dos ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivamente relator e revisor da Ação Penal 470, mais conhecida como processo do mensalão, se estendeu também à definição da dosimetria (cálculo do tamanho) das penas que serão imputadas aos 25 réus condenados no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao apresentar sua proposta de pena para o réu Marcos Valério, primeiro analisado, Barbosa sinalizou que pretende sugerir penas duras, fato que provocou a intervenção de Lewandowski, que se manifestou de forma contrária a essa possibilidade.

Ao começar seu voto pelos crimes de formação de quadrilha e também corrupção ativa e peculato no item que envolve Valério e sócios em sua relação com o ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, Barbosa propôs a condenação do publicitário mineiro a penas acumuladas que somam 11 anos e oito meses de prisão. As penas foram confirmadas pelos demais ministros votantes, e ainda pode ser aumentada, já que Valério ainda será julgado em outros itens.

Após anunciar sua intenção de analisar o processo por núcleos, o relator passou a propor a dosimetria para Valério. Levando em contas agravantes nos três casos, condenou o publicitário a dois anos e 11 meses de reclusão por formação de quadrilha, quatro anos e um mês, mais multa, por corrupção ativa e quatro anos e oito meses, mais multa, por peculato.

Mesmo não podendo votar neste item, já que absolvera os réus, Lewandowski pediu ao presidente do STF, Carlos Ayres Britto, para adiantar seu voto sobre a dosimetria do crime de peculato referente a Valério em outro item, justificando que, na forma de voto proposta por Barbosa, seu voto posterior seria inócuo. Com a anuência de Ayres Britto e a visível contrariedade de Barbosa, o revisor condenou Valério a três anos e seis meses de reclusão – o relator o havia condenado a quatro anos e oito meses – e manifestou sua preocupação com o eventual rigor excessivo no cálculo das penas.

“Se eu estivesse fazendo o exame de um crime isoladamente, talvez pudesse ter exacerbado um pouco mais a dosimetria nesse aspecto. Mas como eu verifiquei que são vários peculatos [imputados a Valério] e vários delitos que se somarão em concurso material, preferi ser mais moderado na dosimetria das penas individualmente”, disse Lewandowski. O revisor afirmou também que estava analisando o “conjunto final da obra” para calcular as penas: “Fiz vários cálculos para chegar a uma pena razoável, aquela que o Código Penal diz ser necessária e suficiente à prevenção do crime”, disse.

Barbosa então manifestou sua contrariedade: “Vossa Excelência não tem [direito a] voto”, disse. Lewandowski retrucou: “Estou levando em consideração que nós teremos outros peculatos ainda. Quero evitar que as penas fiquem muito duras”, para acrescentar momentos depois: “Eu acho que uma análise como esta feita pelo eminente ministro Lewandowski, trazer esta análise para este caso que é concreto, é trazer uma análise genérica para uma situação que, no entanto, é concretizada”. Lewandowski atacou: “Ministro, é que eu não vejo só a árvore, eu vejo a floresta também”, disse. O presidente do STF interveio para por fim a mais um bate-boca entre relator e revisor: “Vou suspender a sessão para que tenhamos tempo para refletir”, disse, anunciando um intervalo de meia hora.

Antes da votação da dosimetria, Barbosa apresentou questão de ordem para que só participassem da dosimetria os ministros que condenaram os réus. Colocada em votação, a proposta do relator teve o apoio de seis ministros. Votaram pela participação de todos os ministros na dosimetria José Antônio Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ayres Britto.

Empates

No início da sessão, Ayres Britto propôs que os sete réus que tiveram a votação empatada em cinco a cinco fossem absolvidos. Os demais ministros acompanharam o presidente do STF e absolveram os réus Anderson Adauto, Paulo Rocha, João Magno, José Borba, Vinicius Samarane, Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas.

“Gostaria de encaminhar a votação no sentido de que, em caso de empate, prevalece o entendimento da absolvição do réu, seja porque se revela como projeção do princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade, seja porque o conceito do tribunal é uno. Diante do empate, o tribunal se vê dividido e não na posse de sua inteireza, de sua unidade, unidade que só se mantém pela aplicação constitucional do princípio da maioria dos votos. Portanto, resolvo a questão de ordem no sentido de que, em caso de empate, a proclamação do resultado é pela absolvição do réu”, disse Ayres Britto.

Decano do STF, Celso de Mello manifestou seu apoio à proposta de aplicação do princípio do in dubio pro reo em detrimento da outra possibilidade, que seria o voto de minerva dado pelo presidente do tribunal: “Apenas em matéria penal, [o voto de minerva] não pode ter aplicabilidade porque no fundo introduz ou viabiliza uma maioria fictícia. Acolher uma ficção contra o réu seria rejeitar séculos e séculos de conquistas em favor da pessoa que sofre acusação em processo penal. Acima das normas, prevalece um princípio básico: o da presunção de inocência, resultado de um processo de construção que se projetou ao longo dos tempos e representa um conquista insuprimível”, disse.