direção contrária

Câmara ‘promove plutocracia’ e fortalece marqueteiros, diz professor da Sorbonne

Para o constitucionalista francês Stéphane Monclaire, aumento do fundo partidário e manutenção do financiamento empresarial vão encarecer as campanhas: 'é a negação da democracia representativa'

Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

Eduardo Cunha foi pressionado após virar a mesa, e retomar votação do financiamento privado para partidos

Rio de Janeiro – O Congresso Nacional brasileiro foi o teatro de uma semana tumultuada. Na noite da terça-feira (26), a proposta que pretendia incluir na Constituição doações de empresas a candidatos em campanhas eleitorais foi derrotada no plenário da Câmara. Mas foi por pouco tempo: no dia seguinte (27), o presidente da Casa, Eduardo Cunha, conseguiu virar o jogo, fazendo aprovar, por 330 votos contra 141, a emenda constitucional do financiamento privado.

Com esta decisão, a reforma política avança na direção contrária dass aspirações da presidenta Dilma Rousseff, uma “perda de oportunidade bem previsível”, segundo o professor de ciências políticas da Sorbonne–Paris I e brasilianista Stéphane Monclaire,ao analisar as peculiaridades do sistema eleitoral brasileiro. Para o especialista francês, a manutenção do financiamento empresarial, aliada ao aumento da verba pública destinada ao fundo partidário, anuncia um forte aumento do custo das campanhas eleitorais, que trará impacto negativo em termos de corrupção e de qualidade do debate público — “é a promoção da plutocracia”, diagnostica Monclaire; o termo, de origem grega, sintetiza um sistema político em que os ricos governam para os ricos.

Cada vez mais reféns dos “marqueteiros todo-poderosos”, as campanhas milionárias criam , na opinião do brasilianista, “um problema de filosofia política” ao fazer prevalecer a lógica do marketing — “no lugar de tentar vender o que você faz, você deveria tentar fazer o que você pode vender”. “Este princípio é a negação da democracia representativa”, analisa o especialista em direito constitucional.

A semana na Câmara dos deputados foi marcada por dois votos importantes sobre a regulamentação das campanhas eleitorais. O senhor diria que finalmente a reforma política vai sair do papel?

Há anos que se fala da reforma política, pelo menos desde 1993, e o assunto volta à ordem do dia no início do mandato de cada presidente. Desde o 1° de janeiro de 1995, foram apresentadas na Câmara 154 propostas de emendas constitucionais afetando o funcionamento da política (financiamento, sistema eleitoral etc.). Este número revela a importância dos problemas. O fato de que nenhuma destas emendas tenha avançado também mostra a dificuldade de resolvê-los. Uma boa reforma deve satisfazer muitos objetivos: deve melhorar a governabilidade e aprofundar a democracia representativa para ser legítima. Também deve ser compreensível para a população, e finalmente, deve ser a menos cara possível. Não é simples. Além disso, a demanda para uma reforma fica mais aguda ainda à medida que emergem escândalos de desvio de dinheiro público. Porque tudo está conectado, a corrupção, a governabilidade e a legitimidade política dos eleitos.

A corrupção está relacionada ao sistema eleitoral?

Não, não diretamente. Para reduzir a corrupção, é necessário diminuir o poder discricionário daqueles que estão no topo do Estado em todos os níveis — federal, estadual, municipal. Deve também aumentar a transparência, acelerar as investigações e dar mais recursos à Justiça. Isso não acontece de um dia para outro e é claro que a luta contra a corrupção não é uma prioridade em todos os países. No entanto, é claro que o sistema eleitoral tem um impacto direto sobre a representatividade dos eleitos. Se quisermos que o conceito de ‘povo soberano’ não seja uma ficção, é necessário que o resultado das urnas não seja distorcido excessivamente em relação ao voto da população.

Uma das principais pautas desta reforma diz respeito ao financiamento das campanhas. O senhor vê avanços neste tema?

De fato, neste caso, a questão da corrupção é central. Os cidadãos têm a impressão — muitas vezes legítima — de que os candidatos são diretamente comprados por empresas. No Brasil, o financiamento é tanto público quanto privado. A parte pública é baseada em um fundo partidário, cujo montante acabou de ser triplicado pelo Congresso algumas semanas atrás. Assim, ele se tornou um dos maiores do mundo, seja em relação à população, seja em termos de número de eleitos. Mas há um problema central: o Estado transfere este fundo aos partidos e eles repassam o dinheiro para os candidatos de acordo com regras que não são as mesmas entre as diferentes legendas. A legislação sobre esta transferência não é precisa, e seria muito importante que fosse homogênea. Mas é um tema ignorado pelo Congresso.

Qual é a consequência do aumento do fundo partidário?

Pessoalmente, acho que é muito alto. E, para ser coerente, teria pelo menos que eliminar e proibir as doações eleitorais das empresas. Eu também sou a favor de autorizar o financiamento por pessoas físicas. Um cidadão deveria poder contribuir à campanha do partido de sua preferência, acho que é outra forma de participação na vida política. Mas esta doação deveria ter um teto razoável, de, por exemplo, um ou dois salários mínimos. A maioria das democracias europeias tem este sistema.

O argumento dos parlamentares para manter as doações de empresas é de que isso seria a única maneira de evitar o financiamento paralelo, o famoso “caixa dois”. Qual é a sua avaliação?

A única maneira verdadeira de evitar caixa dois é aumentar a transparência do financiamento dos partidos e das campanhas. Precisamos que os organismos de controle possam trabalhar de forma rápida, e que as sanções aos infratores sejam rápidas e severas. A realidade é que a questão do financiamento das campanhas eleitorais tem sido estudada apenas em função do apetite voraz dos parlamentares. Eles obtiveram mais dinheiro público, e o presidente da Câmara conseguiu aprovar um dispositivo constitucional confirmando as doações de empresas.

Na prática, isso significa hoje que as campanhas vão custar ainda mais caras no Brasil?

Exatamente: três vezes mais dinheiro público além das doações de empresas. Isso alimenta corrupção, e o pior é que este dinheiro tem outro efeito perverso sobre a democracia. Primeiro, isso promove a plutocracia. O dinheiro vai para o dinheiro, de modo que os políticos sem dinheiro próprio não vão nem poder considerar a possibilidade de saírem candidatos. Esse aumento também fortalece o poder dos marqueteiros, que já cobram fortunas. E isso cria um problema de filosofia política. O que faz o marketing? Ele fala para os empresários: “no lugar de tentar vender o que você faz, você deveria tentar fazer o que você pode vender”. Aplicada à política, este princípio é a negação da democracia representativa. Porque na base da democracia representativa, está o povo, teoricamente soberano. Com marqueteiros todo-poderosos, as pessoas não são mais ouvidas, os candidatos oferecem projetos lindos, suscetíveis de seduzir. A forma prevalece sobre o fundo partidário, e não há nenhum debate público sobre o assunto.

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