CDES

Mudanças no Conselhão pelo Executivo preocupam integrantes

Criado para ser canal de discussão democrática de políticas públicas, com participação da sociedade, segundo informações do Planalto o colegiado tende a ser reduzido e ter “menos celebridades”

Roberto Stuckert Filho/PR

Reunião de retomada do CDES, em janeiro deste ano

Brasília – Um tema que começa a ser discutido a partir da próxima semana no Palácio do Planalto é o futuro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). O antigo Conselhão, que tinha tido suas reuniões restabelecidas em janeiro pelo governo Dilma depois de um período de interrupção, voltou a ficar estagnado depois da crise política e no início do governo provisório de Michel Temer. Agora, pode vir a ser utilizado com outros objetivos.

Segundo assessores próximos do Planalto, ministérios do Planejamento e da Casa Civil, ideia do Executivo é reduzir o órgão, hoje com 92 integrantes, para cerca de 50. E usá-lo como braço das parcerias a serem firmadas pelo governo com entidades e empresas, dentro dos estudos que estão sendo feitos pela secretaria de coordenação dessas parcerias, hoje chefiada pelo ex-deputado e ex-ministro Moreira Franco. A formação de um novo conselho pode vir a ser anunciada até o final do mês.

A intenção de voltar a dar continuidade aos trabalhos do Conselhão levanta temores, no Congresso Nacional e nos movimentos sociais, de que a mudança venha a representar mais uma porta fechada entre o Executivo e a sociedade.

O que se esperava anteriormente era que um dos principais papéis dos integrantes empossados em janeiro seria participar da discussão da reforma previdenciária. Mas o assunto não deverá passar mais pelo Conselhão e sim, pelo fórum que envolve ministérios da Fazenda e Trabalho e representantes de algumas centrais sindicais (uma vez que a pasta da Previdência foi desmembrada).

Segundo um técnico do Planejamento, que esteve em reunião na qual foi discutido o tema (CDES), na última quarta-feira (8), a orientação para reformulação passa por um colegiado “com menos celebridades e mais representantes do empresariado”. Por ter se tratado de um encontro reservado, não quis se identificar.

Previdência

O presidente interino, Michel Temer, disse, em almoço com sindicalistas, que o governo “não fará nada contra os trabalhadores” e que é preciso “fazer mudanças por meio do diálogo”. Segundo a Agência Brasil, após o almoço, o presidente da Força Sindical e do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho, informou que o problema do desemprego no país e a reforma da Previdência foram os principais temas do encontro.

Está marcada para segunda-feira (13) reunião de um grupo de trabalho criado em maio pelo governo em exercício com as centrais sindicais Força Sindical, UGT, CSB e Nova Central. CUT e CTB, as outras duas centrais formalmente reconhecidas, não aceitam participar de agendas com Temer por não reconhecer a legitimidade de seu governo. Segundo informações ventiladas no Planalto, representantes de trabalhadores não devem fazer parte do novo formato que o governo interino pretende dar ao Conselhão.

Beto Barata/PR
Temer com sindicalistas, hoje em Brasília

Sem o ‘Social’

Hoje, o Conselhão é formado por representantes de entidades sindicais, área acadêmica, empresariado e movimentos sociais. Entre eles, nomes como o ator Wagner Moura, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, a atleta Ana Moser, e o presidente da CUT, Vagner Freitas. De três pessoas procuradas pela RBA ligadas a ministros envolvidos na mudança do formato do CDES, nenhuma quis adiantar quem sairia do colegiado, apensa admitem que a maior parte dos empresários será mantida.

O nome do empresário Jorge Gerdau é cotado para atuar como uma espécie de coordenador do Conselhão. O empresário confirmou por sua assessoria que foi sondado, mas não disse se vai aceitar uma missão maior que a que já possui dentro do órgão.

Criado no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o CDES estava há dois anos sem funcionar, quando retomou as atividades em janeiro, como uma forma de ajudar a fortalecer a discussão das políticas públicas do país com a sociedade. Entre as pautas definidas no início do ano, começaram a ser discutidas questões como a retomada do desenvolvimento e iniciativas que levassem ao ajuste da economia, como questões orçamentárias, investimentos e limites para crédito.

O ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, Jaques Wagner, afirmou que considera o equilíbrio da sociedade no conselho fundamental para o que chamou de “realização de um bom debate, que resulte na produção de diagnósticos e propostas abrangentes que identifiquem os interesses comuns de vários segmentos, organizações, trabalhadores sindicais, empresas e governo”.

“Considerando a busca da equidade como indissociável da construção do desenvolvimento e parâmetro, portanto, fundamental para as políticas públicas, cresce a cada dia, a importância da composição equilibrada de forças da sociedade no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. As soluções para superar a crise econômica e elaborar propostas de reformas que não provoquem redução dos direitos dos cidadãos precisam ser construídas de forma equânime, e para isso é fundamental reunir o conjunto da sociedade nos debates e na elaboração de soluções sustentáveis”, ressaltou Wagner.

Já representantes das universidades e da academia demonstram atenção com os próximos passos do CDES. “Vemos com muita preocupação essa mudança de foco. O conselho foi criado para aproximar e buscar consensos para propostas, tanto por parte de representantes do capital produtivo como do trabalho assalariado”, afirmou o professor de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB) Murilo Graneiro.

“Se passar a ter um trabalho atuante, será uma retomada bem vinda, mas nosso medo é que seja mais uma das desconstruções em curso, a exemplo de determinadas políticas que têm sido observadas nesse governo provisório e passam pela extinção de ministérios e secretarias importantes para o Executivo”, afirmou.

“Um dos objetivos do CDES é buscar um contato maior na discussão das políticas com a sociedade e os movimentos sociais e não apenas os empresários. Se esse objetivo não tiver continuidade, melhor mudar o nome e tirar de vez a palavra ‘social’ do órgão”, destacou a antropóloga Cynthia Gomes, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – uma das entidades com assento no Conselhão.

Cynthia lembrou que em 2008 as reuniões do CDES e as discussões de integrantes do conselho ajudaram  a adotar muitas medidas anticíclicas que contribuíram para que o Brasil não sofresse o impacto da crise econômica global.

Período profícuo

“Foi um período profícuo que esperávamos que voltasse a se repetir este ano, se não tivesse acontecido essa ruptura no país, porque o Conselhão deu grande contribuição para o Executivo como um todo, desde que foi criado. E  mostrou que a elaboração de políticas públicas deve, pode e tem condições de ser feita por meio de discussões em um ambiente democrático. Esperamos que o bom senso impere sobre os que estão com a caneta para decidir como ficará o órgão, daqui por diante”, acentuou a acadêmica.

Fazem parte do Conselhão, entre os nomes do empresariado, Jorge Paulo Lemann (Ambev), Jorge Gerdau, Abílio Diniz (BRF), Luiza Trajano (Magazine Luíza), Benjamin Steinbruch (CSN), José Roberto Ermírio de Moraes (Votorantim), Josué Gomes da Silva (filho do ex-vice-presidente da República José Alencar, Coteminas) e Murilo Ferreira (Vale). Entre os banqueiros, estão os presidentes do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, e do Itaú, Roberto Setúbal.

Já entre as entidades da sociedade civil, estão representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), SBPC, Associação Nacional de Energia Eólica, A ssociação Nacional dos Fundos de Pensão (Anapar), Instituto Ethos, União Nacional dos Estudantes e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Segundo a legislação, compete ao CDES assessorar o presidente da República na formulação de políticas públicas, apreciar propostas e reformas estruturais para o país e participar da articulação das relações do governo com representantes da sociedade. No governo Lula, o Conselhão foi responsável pela chamada Agenda Nacional de Desenvolvimento. No governo Dilma, embora tenha paralisado as atividades por um tempo, vinha tentando retomar essa agenda.

Leia também

Últimas notícias