reforma política

Parlamentares vão resistir até o último momento a mudanças no sistema, afirma juiz

Para o coordenador do movimento intitulado 'Coalizão de Forças pelas Eleições Limpas', Marlon Reis, Congresso e empresários não querem alterações, e neste momento foco deve ser mobilização social

Zeca Ribeiro/Câmara

Satisfeitos com regras atuais, empresários não pretendem mudar financiamento de seus candidatos

Brasília – O juiz maranhense Marlon Reis ficou conhecido no país por ter criado e mobilizado diversas entidades da sociedade civil com o objetivo de apresentar o projeto de iniciativa popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, que proíbe os políticos brasileiros com processos nos tribunais de se candidatarem. Envolvido em nova missão, Reis atua hoje junto a 91 entidades para coletar 1,3 milhão de assinaturas para projeto de reforma política e tem uma visão bem cética sobre a atuação dos parlamentares e senadores em relação ao tema.

Ele acredita que, mesmo com o apoio dos que desejam uma reforma efetiva, o Congresso nunca aprovará as mudanças que o país precisa em suas regras políticas e eleitorais se não houver um clamor popular forte. “O parlamento não tem condições políticas de fazer a reforma que se espera para o país”, disse.

O magistrado acha, também, que o empresariado brasileiro está quieto quanto ao tema por preocupação com a imagem negativa observada nos últimos anos junto aos políticos e os financiamentos que estes receberam em suas campanhas – amplamente citados em escândalos de corrupção. Marlon Reis chegou a Brasília nesta terça-feira (22) para comandar reunião da chamada “Coalizão pelas Eleições Limpas”, cuja pauta é traçar um novo tipo de estratégia para conseguir a reforma política pretendida para o país. A opinião dele, conforme deixou claro nesta entrevista à RBA, é de que não adianta insistir com o Congresso. A regra, daqui por diante, em se tratando deste tema, deve ser procurar, primeiro, a sociedade, e só por último deputados e senadores.

Enquanto conversava com a reportagem, deputados se esgoelavam na Câmara votando os destaques da minirreforma eleitoral, que, a essa altura, mude o que mudar, não valerá para 2014, o que significa êxito na estratégia de enterrar a reforma política proposta por Dilma Rousseff. Parlamentares gastaram horas debatendo se proibiriam ou não o uso de cartazes, banners e outros dispositivos publicitários na campanha. Depois, passaram a argumentar contra e a favor o uso de bonecos. Nada de debate sobre sistema de voto ou financiamento de campanha.

O líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), e vários deputados favoráveis à continuidade dos trabalhos por uma reforma política acham que o caminho para a aprovação da reforma passa pela mobilização de vocês. Como o senhor avalia essa visão dos parlamentares favoráveis à reforma?

Sabemos que é preciso dar continuidade à mobilização, mas este sentimento é o mesmo que temos, de que o caminho passa pela mobilização social. Tanto é que não estamos preocupados com os parlamentares, no momento. Nossa atenção agora não é com o Congresso Nacional. Nessa próxima etapa, precisamos voltar os olhos, exclusivamente, para despertar a consciência da sociedade brasileira, para que a sociedade compreenda o que está em jogo. Todo mundo sabe que é importante a reforma política, mas a população não está convencida sobre qual é o melhor projeto. Trata-se de um debate muito complexo e profundo. É isso o que vamos fazer agora: deixar o Parlamento por enquanto, voltar toda a nossa atenção para a sociedade e só depois que tivermos conquistado, mesmo, um apoio mais consistente, procurar e pressionar o Congresso. Sabemos que, por iniciativa parlamentar, nenhuma mudança vai acontecer.

O deputado Henrique Fontana (PT-RS) lembrou que o empresariado tem se mantido calado quanto às discussões sobre o fim do financiamento privado de campanhas. O senhor concorda com isso?

Digo mais. Minha opinião é que o empresariado não se manifesta, não apenas como estratégia para derrubar alguma proposta de fim de financiamento privado, mas porque percebe o crescimento exponencial da imagem negativa causada pelos que se envolvem com doações de campanha. E a tendência é aumentar essa imagem negativa ainda mais. Ninguém tem interesse em colar sua imagem à defesa da manutenção do quadro atual.

Há alguma chance de itens abordados pela minirreforma eleitoral, recentemente aprovada, e pelo projeto que está sendo concluído pelo grupo técnico da reforma política da Câmara, virem a ser aproveitados durante a realização de uma reforma política efetiva ou o resultado dos trabalhos é considerado uma decepção?

Nem chega a ser uma decepção o resultado, porque nunca esperamos nada nem desse grupo de trabalho que elabora o projeto da reforma política e nem da minirreforma eleitoral. O parlamento não tem condições políticas de fazer a reforma que se espera para o país. Os pontos centrais, que são o financiamento e a mudança de sistemas eleitorais, sequer estão em debate. O máximo que se chegou a discutir no grupo foi a divisão territorial, mas isso não redime os problemas que o sistema atual tem, esse sistema que permite que se vote em um e se eleja outro. Também não se tocou na questão do financiamento de base empresarial. Os parlamentares não têm condições de entrar no mérito da reforma, isso tudo que eles tratam são questões meramente cosméticas que não merecem sequer serem chamadas de reforma política e que, ainda em alguns pontos, agravam mais os problemas financeiros existentes em relação às campanhas.

Como será a estratégia a ser adotada a partir da reunião desta quarta-feira (23)?

Agora é hora de mobilizar as entidades que já fazem parte dessa iniciativa para que todas elas vão para os estados e promovam a disseminação do conteúdo da campanha, explicando o que estamos querendo e coletando assinaturas. Isso será feito de diversas maneiras, como ações específicas, programação de seminários e manifestações nas ruas e nas escolas. Vamos planejar tudo de forma detalhada a partir de amanhã.

É estranho que deputados e senadores caminhem na contramão de organizações importantes para o país?

Vai ser sempre assim. Eles (os deputados e senadores) estão dispostos a lutar até o último momento pela manutenção do modelo que os levou ao poder, são eles os atuais detentores do poder político, foram eleitos graças a esse sistema político e por aí já dá para se ter clareza do tamanho da dificuldade dessa empreitada. Enquanto a Lei da Ficha Limpa afetava uma parte dos parlamentares, esse projeto pelas eleições limpas afeta todos, a vida de todos eles indistintamente. Por conta disso, sabemos que será muito difícil e só mesmo com a pressão efetiva da sociedade.