Guerra jurídica

Para jurista e advogado, nada impede que Lula assuma ministério e parecer de Janot é falho

Segundo Dalmo Dallari, recomendação de procurador-geral contra posse é 'extremamente infeliz'. Na opinião de Kakay, MP 'não pode fazer esse controle'. Já o deputado Paulo Teixeira diz confiar no STF

memória/ebc

Janot chega a admitir que existe dificuldade em se provar que há o chamado ‘desvio de finalidade’

São Paulo – Durante a semana, uma questão foi amplamente disseminada nas redes sociais, relativa ao julgamento pendente, no Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade legal de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poder assumir o cargo de ministro da Casa Civil. “Por que, não sendo réu, Lula não pode assumir um ministério, e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que é réu no STF, pode assumir a presidência da República?”

O jurista Dalmo Dallari, constitucionalista reconhecido como progressista, e o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, criminalista de grande experiência, resumem a questão de maneira muito semelhante. Para ambos, não há nada, juridicamente, que impeça a posse de Lula como ministro. Os dois também convergem ao afirmar que o parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentado ontem (7), ou não tem consistência jurídica ou ultrapassa sua competência, ao tentar impedir um ato legítimo da Presidência da República.

“Achei (o parecer de Janot) extremamente infeliz, porque não tem a mínima consistência jurídica. Aliás, o que me chamou a atenção foi exatamente o fato de que ele não aponta qualquer ilegalidade na posse de Lula. Ele apenas diz que o ato de posse foge à normalidade. As observações dele são de caráter político, meras opiniões, sem nenhuma consistência jurídica”, diz Dallari.

“A argumentação é de que teria havido desvio de finalidade na indicação pela Dilma Rousseff, porque teria sido para burlar a competência (do Judiciário). Mas é claro que isso é um exagero. A presidente tem livremente o direito de escolher quem ela quiser, não há nada que a impeça de colocar Lula no ministério”, afirma Kakay.

Para Dallari, “é importante também ressaltar que o presidente Lula é um cidadão brasileiro em pleno gozo de todos os seus direitos políticos e civis, o que significa que ele tem o direito de ser nomeado e tomar posse em qualquer cargo”. “Convém acrescentar que o fato de ser empossado no ministério não impede que Lula continue a ser processado. A única diferença é que, não sendo ministro, ele não tem foro privilegiado.”

Em seu parecer, Janot chega a admitir que, no caso, existe dificuldade em se provar que há o chamado “desvio de finalidade”. “Apenas em raras ocasiões se obterá prova cabal evidente de desvio de finalidade. Em geral, a constatação desse vício do ato administrativo resulta de análise global das circunstâncias e de prova testemunhal, documental e indiciária, como neste caso”, argumenta o procurador-geral.

Para Kakay, Janot “está, do meu ponto de vista, exacerbando nas funções do Ministério Público, ao tentar impedir que o Executivo tenha autonomia para fazer a nomeação. Não compete ao Ministério Público, na minha opinião, fazer esse tipo de controle.”

O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que também é advogado, na mesma linha, não vê nenhum empecilho para que Lula seja ministro. “Tenho certeza de que o STF vai decidir pelo direito da presidenta Dilma nomear o ex-presidente Lula ministro da Casa Civil. O que tenho a destacar são dois pontos: um, o despropósito do parecer do Janot; dois, o Supremo vai decidir que o presidente Lula pode ser ministro da Casa Civil com todas as prerrogativas que um ministro tem”, prevê o deputado.

Ontem, o ministro Gilmar Mendes, do STF, liberou o julgamento, para o plenário da corte, dos dois pedidos para anular a posse de Lula. Os dois mandados de segurança (números 34.070 e 34.071) foram apresentadoss pelo PPS e pelo PSDB. Mendes é o relator. Cabe agora ao presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, pautar o julgamento do processo, para ele ser levado ao plenário do tribunal.

Tanto Kakay como Dallari destacam ser falsa e juridicamente inválida a questão por que Lula não pode ser ministro e Cunha pode ser presidente? “Não se trata do fato de ser ou não ser réu. Essa questão sequer está sendo colocada tecnicamente. A discussão é: afirmam que Dilma indicou Lula para tirar o processo dele da primeira instância, e então teria havido desvio de finalidade. Dizer que é por ser réu, ou não, é ignorância jurídica. Isso nem está em jogo, não existe. A pessoa, sendo ré ou não, pode assumir um cargo”, explica Kakay.

Dallari também é veemente quanto à questão. “Antes de mais nada, existe um grave equívoco nessa pergunta. Não há qualquer impedimento jurídico para que Lula assuma o ministério.” Segundo ele, juridicamente, o mesmo se aplica a Eduardo Cunha no momento. “O que existem são acusações, mas não há uma decisão jurídica criando obstáculo e restringindo os direitos de Eduardo Cunha. Nesse sentido, ele se enquadra na mesma situação, de um cidadão brasileiro no pleno gozo de seus direitos políticos e civis e tendo o direito de ocupar cargos no governo.”