Mudança no papel de vice é elogiada, mas tem pouca chance de prosperar

Avaliação é de que poucos partidos apoiariam regra que prevê convocação de novas eleições em caso de vacância da Presidência

São Paulo – A proposta de emenda à Constituição que altera o exercício da função de vice-presidente tem pouca chance de ser aprovada no plenário do Senado. A PEC 32, de 2006, prevê que o vice-presidente deve convocar eleições caso o presidente seja impedido de exercer o cargo. Ou seja, o vice teria papel interino em caso de vacância da Presidência.

Pelo texto do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), aprovado esta semana na Comissão de Constituição e Justiça da Casa, doença, morte ou impeachment forçariam a organização de um novo processo eleitoral num prazo máximo de 90 dias. Depois de exercida a metade do mandato, o Congresso elegeria, de forma indireta, um novo ocupante para o cargo. Se aprovada a PEC, estados e municípios teriam de mexer em suas constituições para encampar a medida.

Antonio Augusto Queiroz, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), avalia que é muito remota a chance de que a iniciativa prospere. Para virar realidade, a proposta teria de passar pelo crivo de dois terços dos senadores e deputados. Queiroz avalia que isso é improvável porque, para a maioria dos partidos, não há interesse em disputar o Planalto. “Partidos que não têm vocação para o exercício direto da Presidência preferem ter essa postura de coadjuvante. Não querem o ônus de disputar uma eleição, mas apenas o bônus de participar da gestão pública.” Na avaliação de Queiroz, há apenas três partidos com esta “vocação” de brigar pelo posto máximo do Executivo nacional: PT, PSDB e, em um futuro próximo, PSB. O PMDB, que sempre figura entre as maiores bancadas do Legislativo, figuraria na lista dos que não têm qualquer interesse em mudar as regras.

Vice na história

Na leitura do senador Arthur Virgílio, a PEC corrige um problema da vida política brasileira. O tucano entende que os votos para o titular não são, como seria de se esperar, dados também para o vice. “Tal prática tem contribuído para a eleição de figuras pouco conhecidas do eleitorado, lançadas, muitas vezes, em razão de injunções de ordem político-partidária ou do apoio do poder econômico a determinados candidatos, subordinando, assim, a vontade do eleitor a razões táticas ou, em hipótese ainda pior, a verdadeiros investimentos empresariais”, argumenta em sua proposta.

Odete Medauar, professora titular da Faculdade de Direito da USP, concorda que os suplentes nas chapas presidenciais têm sido eleitos “por tabela.” “Quando o cargo fica vago, qualquer que seja o motivo, acho democrático fazer outras eleições porque a população não escolheu o vice.  O eleitor tem afinidade com o cabeça da chapa, e não tem como dizer que não quer o vice.”

Já o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), integrante da CCJ, afirma que prefere refletir melhor sobre o tema agora na chegada ao plenário. O parlamentar não está seguro sobre os efeitos que a emenda teria na estabilidade política e considera que o fundamental, neste momento, seria mudar as regras para o Senado.

Carlos Sávio Gomes Teixeira, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), não acredita na tese de instabilidade política provocada pela eventual adoção da nova regra. Ele lembra que, nas duas últimas décadas, as chapas presidenciais têm sido formadas por diferentes partidos, ou seja, seguida essa lógica, seria de se imaginar que já no atual modelo um político trabalhasse para desestabilizar o outro e chegar à Presidência.

Teixeira avalia que as atuais eleições reforçaram a necessidade de mudança. “A maioria das escolhas foi motivada por aspectos politiqueiros. Nenhum dos candidatos pensou na real possibilidade de haver a substituição deles. Se tivessem pensado assim, provavelmente não teriam escolhido esses vices.” Michel Temer, vice na chapa de Dilma Rousseff, é do PMDB e foi uma escolha em nome da chamada governabilidade. Guilherme Leal, vice na chapa de Marina Silva, é um dos donos de uma grande corporação de cosméticos e foi visto como a aliança da candidata com o mundo empresarial. Índio da Costa, deputado federal, foi escolhido por José Serra para manter a parceria com o DEM, partido que já havia exercido, com Marco Maciel, a vice no período de Fernando Henrique Cardoso.

Modelos

O Brasil já teve de recorrer algumas vezes à figura do vice ao longo da breve história republicana. O último caso foi o de Itamar Franco, que assumiu o cargo após a renúncia de Fernando Collor de Mello. Antes disso, José Sarney chegou ao Planalto após a morte de Tancredo Neves e João Goulart substituiu Jânio Quadros. Para analistas, há motivos bastante sólidos para acreditar que na necessidade da PEC.

Há consenso, por outro lado, de que seria ruim retornar ao modelo vigente nas décadas de 1950 e 1960, em que o vice era eleito pela população em uma chapa separada da de presidente. O problema é que pode acabar eleito alguém que não tem afinidade com a chefia do Executivo, o que, aí sim,  seria um fator de instabilidade. Com as regras atuais, em que o vice assume a Presidência quando o titular está em viagem ao exterior, por exemplo, haveria um risco de o presidente acabar “preso” no país por medo de ações promovidas durante sua ausência.

Senadores

Inicialmente, a PEC 32 previa a alteração nas eleições para o Legislativo, mas esta parte do texto acabou retirada porque é tratada em outra matéria que tramita na CCJ. Hoje, não é raro que suplentes de senadores assumam as chapas que ficaram vagas porque os titulares resolveram assumir ministérios ou secretarias estaduais. “O suplente que o substitui, e só haverá um, só fica até a próxima eleição subsequente, em nível estadual ou municipal. Na primeira que houver será feita a escolha do novo titular”, defende Suplicy.

Carlos Sávio Gomes Teixeira, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), defende uma reforma imediata nesta questão, fazendo com que o convocado em caso de vacância seja o próximo da lista de mais votados, como já é feito no caso da Câmara. “A grande maioria vota num candidato sem saber que pode haver substituição por uma simples decisão do próprio parlamentar Além do que, muitos suplentes são usados como financiadores de campanha.”

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