Congresso

Interferência de empresas nas matérias legislativas preocupa analistas e sociedade civil

Aumento de assessorias nos gabinetes é cada vez maior e especialistas alertam para falta de critério nesse tipo de relacionamento, sob risco de parlamentares serem vistos como “office-boys”

abR

Quintão: relator de projeto do Código de Mineração recebeu ajuda de escritório que trabalha para Vale e BHP

Brasília – A cena, embora antiga, tem sido cada vez mais comum no Congresso Nacional: todas as vezes que empresas privadas têm interesse em algum projeto, além do antigo lobby de percorrer gabinetes e conversar com os parlamentares, observado em legislaturas passadas, agora são praticamente oferecidas equipes inteiras de advogados, economistas e demais profissionais para ajudar na assessoria dos relatores das matérias em questão.

O assunto, denunciado desde fevereiro, voltou à tona na última semana com a informação de que o novo líder do PMDB na Câmara, Leonardo Quintão (MG), que é relator do projeto do novo Código de Mineração, recebeu ajuda de advogado de um escritório que trabalha para a Vale e a BHP na elaboração de seu substitutivo – duas mineradoras diretamente interessadas na proposta.

Diante da proximidade da votação da matéria, da confirmação que o texto passou por aproximadamente 100 alterações por meio dessa assessoria jurídica (e chegou a reduzir multas a serem aplicadas a mineradoras, de R$ 5 bilhões para R$ 100 milhões), vários deputados e analistas legislativos consideraram que o assunto precisa ser melhor discutido porque está atingindo um limite perigoso na apreciação de matérias.

“Não podemos ser ingênuos para criticar por criticar esse tipo de trabalho porque todos os órgãos possuem assessoria parlamentar justamente para atuar junto aos gabinetes da Câmara e do Senado, inclusive sindicatos e entidades de classe. E esse tipo de relacionamento é profícuo, porque, teoricamente, deveria ter o objetivo de fazer os relatórios ficarem mais próximos do que quer a sociedade”, avaliou o cientista político Alexandre Ramalho, consultor legislativo do Senado e professor da Universidade de Brasília (UnB).

Mas, segundo ele, o aumento observado nos últimos meses desse tipo de assessoria por parte da iniciativa privada, a partir de empresas diretamente relacionadas aos setores que dizem respeito às matérias legislativas, não é nada bom. “Mostra que a relação entre Legislativo e iniciativa privada precisa ser reformulada”, acrescentou.

Parte desse aumento se dá, sobretudo, porque um terço dos parlamentares da atual legislatura são vinculados ao setor empresarial. E outra parte, se não pertence ou não possui empresas na família, foi contemplada com patrocínio privado de campanhas nas suas eleições.

PL da desoneração

Só para citarmos alguns casos anteriores, em junho, durante o início da votação do Projeto de Lei (PL) que reduziu a desoneração das empresas de vários setores, perto de 20 emendas protocoladas no plenário da Câmara durante a discussão do texto foram entregues pelos deputados com o timbre de associações e entidades empresariais – que foram, na prática, quem elaboraram tais emendas. Os gabinetes destes parlamentares sequer se deram ao trabalho de repassar os textos para um papel oficial da Câmara ou sem timbre.

A descoberta desses procedimentos pelos jornalistas, assim que foram denunciados, terminaram sendo confirmados sem cerimônia, depois. Tanto pelos deputados responsáveis pela apresentação das emendas, como pelas empresas Contax, de call center; pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit); e pela Frente da Indústria de Máquinas e Equipamentos, que congrega indústrias do setor.

Em abril passado, o mesmo procedimento aconteceu com o PL da terceirização. E, logo em seguida às acusações feitas por parlamentares que se posicionam contrários à forma como foi aprovado o projeto, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) confirmaram que enviaram profissionais destas entidades para o Congresso, com o intuito de ajudar na assessoria aos deputados favoráveis aos pontos que defendiam.

De acordo com o especialista em combate à corrupção Fabiano Angélico, esse tipo de relação ainda acontece porque no Brasil, ao contrário de países da União Europeia, não existe regulamentação para lobby. “Estamos anos atrás”, reclamou ele ao site BBC Brasil, ao falar sobre o tema. De acordo com Angélico, se não houver regulamentação e transparência em tudo que envolve o lobby, nunca será possível evitar que interesses privados tentem influenciar a agenda pública.

Sem critérios

Também o cientista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), já alertou à RBA para maior atenção que deve existir quanto a esse tipo de assessoramento. Toninho, como é conhecido, disse que, a seu ver, o acompanhamento e trabalho de empresas e entidades junto aos deputados é legítimo. O problema é a forma como estas práticas têm sido observadas: sem critério para avaliar e participar da discussão sobre estas matérias a serem entregues.

No caso do código de mineração, o advogado que assessorou o gabinete do deputado Leonardo Quintão, Carlos Vilhena, afirmou que não atuou como representante do escritório em que trabalha nessa questão, e sim de forma pessoal. E Quintão divulgou, por meio de nota, que Vilhena não criou ou alterou o substitutivo, mas ajudou na redação de modificações discutidas anteriormente entre ele e outros deputados da comissão especial que aprecia a matéria.

A justificativa ficou no ar, entretanto, porque a Vale consta nos documentos da Justiça eleitoral como uma das empresas doadoras da campanha de Leonardo Quintão. Mas a questão não é apenas essa, e sim o fato desse tipo de interferência empresarial nas atividades do Congresso serem observadas cada vez mais.

“Se não houver um certo critério neste tipo de relação, os deputados correm o risco de se transformarem em meros office-boys das empresas”, ressaltou Antônio Augusto de Queiroz.

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